As três casas de passagem de Caxias do Sul estão lotadas. Pelo menos uma atende além da capacidade. Além das 80 vagas permanentes na Casa Carlos Miguel e na São Francisco de Assis, 50 temporárias no Residencial Santa Dulce também estão ocupadas. A maioria do público é de pessoas em situação de rua, entre os que perderam o emprego e os dependentes químicos, mas também há os que vêm para cidade em busca de oportunidade ou estão apenas de passagem.
O Santa Dulce, no bairro Cidade Nova, originalmente, tem 60 vagas _ 50 para homens e 10 para mulheres. Ocorre que, por causa da pandemia, o quarto feminino foi destinado a receber pessoas de qualquer uma das casas que apresentassem sintomas da doença para que ficassem em isolamento. Isso reduziu em 10 a quantidade de vagas. No final da tarde deste sábado (29), o local tinha 49 usuários. O residencial é custeado pelo Estado e foi aberto em 10 dezembro por três meses, prazo que foi prorrogado, em março, por mais seis meses, até setembro. Mas, a expectativa é que volte a ser renovado.
- Já temos uma lotação maior do que as outras casas que têm 40. Não temos como aumentar - disse a coordenadora, Adriana Dani Debastiani.
As outras duas casas são mantidas com recursos do município. Todas são referenciadas pela Fundação de Assistência Social (FAS).
- As vagas oscilam muito. Mas, chegando o inverno, temos mais demanda - constatou a presidente da FAS, Katiane Silveira.
Para além do local para se alimentar, tomar banho e pernoitar, os usuários das casas de passagem recebem assistência em saúde e psicológica e ajuda para refazer documentos e para reinserção no mercado de trabalho. É o que tem acontecido com os venezuelanos que buscam a assistência. Tanto na Santa Dulce, quanto na Casa São Francisco de Assis, alguns deles já conseguiram trabalho. Assim que estruturarem as suas vidas, eles devem deixar os locais. Na São Francisco, uma única família com 12 integrantes chegou há um mês. Entraram no Brasil pelo Amazonas e do município de Presidente Figueiredo vieram direto a Caxias. Para acolhê-los, foi preciso arrumar um quarto para as três mulheres e seis crianças e os três homens foram alojados junto com os demais da casa. Eles foram admitidos em uma empresa de alimentos e duas jovens também devem ser contratadas.
- Estamos muito agradecidos por estar aqui em Caxias. Nos falaram que era muito grande e que tinha trabalho - disse a matriarca da família, Natizel Dagne Matia Sanches, 46 anos.
A Casa Carlos Miguel, no Fátima Alto, estava com a lotação máxima no sábado, 41 pessoas. As vagas que surgem quando alguém vai embora costumam durar por pouco tempo. A necessidade pelo serviço é tanta que os funcionários das casas costumam dizer que as vagas não dormem. É que todas as manhãs elas são informadas ao Pop Rua que encaminha os novos moradores e há fila de espera por este serviço de acolhimento na cidade. Isso que o inverno nem começou. Nas casas, as pessoas são atendidas individualmente, dependendo da necessidade de cada um. As equipes também tentam contato com as famílias e proporcionar o retorno dos trabalhadores que vieram atuar de forma temporária no município para as cidades de origem. Contudo, a maior parte não quer voltar.
- A ideia da casa é tirá-los da rua e temos conseguido muito isso, mas eles têm chegado muito fragilizados. Muito por causa das drogas - pondera Alda Lundgren, coordenadora da Carlos Miguel.
Hospedagem solidária é reforço quando frio chega
No começo da noite de sábado, o salão da Igreja Nossa Senhora de Lourdes estava preparado para receber os usuários. As camas foram dispostas nas distâncias recomendadas e arrumadas com lençois e cobertores. Da cozinha, vinha o cheiro da comida pronta sobre o fogão. No cardápio, arroz, feijão, massa e salada. A equipe de voluntários terminava de organizar os kits de higiene que cada pessoa recebe embalado e nominado. No lado de fora da porta, em uma pequena fila os usuários aguardavam o momento de entrar. No projeto, que chega a quarta edição, homens em situação de rua ganham janta, um lugar quentinho para dormir e café da manhã.
Luciano Dal Sotto, 46 anos, diz que frequenta a hospedagem desde a primeira edição:
- Venho desde o primeiro ano. Isso aqui é muito legal para nós que moramos na rua. Ainda mais quando chove, como ontem (sexta).
Ao entrarem no salão, os homens têm as mãos higienizadas com álcool em gel, recebem máscaras novas, passam por uma triagem feita por voluntários do curso de medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS), recebem chinelos e meias e se direcionam cada um para a sua cama. Ali, esperam a ordem para o jantar, que é feito por grupos de 10 mantendo as distâncias nos lugares marcados à mesa. A cada ciclo de atendimentos as cadeiras são higienizadas, assim como as capas dos colchões.
Neste ano, o projeto iniciou no dia 19 e segue até 4 de setembro. Maria Teresinha Mandelli Grasselli que coordena a Pastoral das Pessoas em Situação de Rua de Caxias, que promove a iniciativa, conta que a média de atendimentos tem chegado próximo a capacidade de 35 vagas. Até a manhã de sábado, 568 refeições já tinham sido servidas (284 cafés da manhã e 284 jantas).
Muitos preferem ficar nas ruas
Se faltam vagas nos serviços de acolhimento, têm muita pessoas que preferem permanecer morando nas ruas. A reportagem encontrou um casal embaixo do viaduto da BR-116, perto do Monumento ao Imigrante. A mulher de 40 anos, caxiense, contou que ela e o marido, que veio de Uruguaiana, pegam um carrinho para coleta de materiais recicláveis às 7h e entregam por volta das 21h e que esses horários não seriam compatíveis com o regramento das casas de passagem:
- Vamos ficar pouco tempo aqui. O carrinho tem horário para pegar ele e para entregar, mas, as vezes atrasa e a casa de passagem tem horário que eu saiba. Aí, é ruim. Acho que tem gente que precisa mais.
No local, eles têm poltronas e sofá dispostos como em uma sala e um lugar para dormir com paredes feitas com colchões em pé. Segundo ela, não passam frio e recebem ajuda de moradores dos arredores.
Em outro ponto da cidade, na Rua Vinte de Setembro, uma mulher de 43 anos mora em um barraco construído com madeiras e plásticos. Ela disse que perdeu a casa onde morava no bairro São Vicente. Há cerca de um ano, perdeu parte da perna esquerda e se locomove em uma cadeira de rodas.
- Eu tenho família, sabe. Mas, a minha vida é essa. Eu não roubando, nem incomodando a vizinhança, tá bom. Eu gosto da minha vida, para mim é normal. Nas ruas é bem melhor. Família eu tenho. Serviço eu tenho. Mãe eu sou. Por que eu não posso viver do jeito que eu quero? -comentou.
Para ganhar dinheiro, ela vende balas nas ruas e recebe doações. Enquanto a reportagem convrsava com ela, na noite de sábado, um carro estacionou e entregou três marmitas. Era a dona Clarinda Baltazar Rosa, 53. Ela começou a fazer comida para distribuir para as pessoas em situação de rua aos sábados:
- Eu tinha esse sonho há muito tempo, mas não tinha coragem. Meu filho mais novo, me incentivou. Sempre consigo ajuda com doações de comida e transformo, cozinho, elas.
O dia dia foram 14 viandas. Agora, a cada sábado, distribui cerca de 80 refeições, com ajuda do irmão, Oscar Baltazar Rosa, 48, e da cunhada, Miriam Santos, 58.
O Pop Rua tem equipe que aborda as pessoas em situação de rua para incluí-las na rede de assistência. Na sede do Pop Rua, elas também podem tomar banho e café da manhã. São atendidas por assistente social e psicóloga e encaminhadas a um dos serviços.