A 1ª Vara Judicial da Comarca de Canela concedeu o direito de dupla maternidade no registro civil de um bebê de cinco meses. O pedido foi encaminhado pela Defensoria Pública do Estado, teve parecer favorável do Ministério Público e a decisão foi proferida no dia 10 deste mês. O juiz Vancarlo Andre Anacleto reconheceu a maternidade socioafetiva da companheira da mãe biológica da criança. Com isso, o menino também poderá receber o sobrenome da segunda mãe e terá todos os direitos civis decorrentes do registro.
As mulheres procuraram a Defensoria em fevereiro deste ano, comprovaram que viviam em união estável desde 2018, e manifestaram o desejo de que os sobrenomes de ambas constassem no documento da criança.
– Elas têm um relacionamento estável há três anos e manifestaram esse interesse em ter reconhecida a dupla maternidade, que fosse acrescentado no registro de nascimento da criança o nome da mãe socioafetiva, mas sem que fosse excluído o nome da mãe biológica – explicou a defensora pública Luciana Salvador Borges, que assinou o pedido inicial.
Nesse caso, foi verificada a maternidade socioafetiva, ou seja, se comprovou que existe uma relação de mãe e filho entre a companheira da mãe biológica e o bebê. Essa convivência ocorre desde que o menino nasceu. Com a decisão da justiça, será feita a retificação do nome no registro que não tinha a figura do pai e apenas constava o nome da mãe biológica.
De acordo com a defensora pública, a entidade familiar adquiriu novos contornos com a Constituição de 1988, em razão da diversidade na composição das famílias atuais. No documento, a situação é ratificada com a seguinte justificativa: "No que diz respeito à filiação, está superada a visão de que apenas a origem genética é determinante na relação materno-filial, devendo-se atentar, principalmente, para a presença de vínculo afetivo entre pais e filhos".
A defensora lembra que a Constituição também estabelece que "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".
– A criança tem o direito de que em sua certidão de nascimento esteja retratada a realidade fática de sua família e, assim, possa usufruir de proteção jurídica, tais como o direito à personalidade, de herança, de alimentos, etc. Independentemente da opção sexual, um casal tem o direito de ter sua entidade familiar protegida pelo ordenamento jurídico – defendeu Luciana.
Chama a atenção, a agilidade desse processo. A Defensoria entrou com a ação no dia 8 de março, no dia seguinte o Ministério Público emitiu parecer favorável e no dia 10, ou seja, dois dias depois do ingresso do processo, o juiz já proferiu a sentença concedendo pedido. A defensora pública diz que este é o primeiro caso encaminhado em 12 anos em que atua em Canela.
"Não escolheria outra família para meu filho", diz a mãe biológica
Ana Lúcia e Geisiele se conheciam há muitos anos, mas iniciaram um relacionamento em 2018. A vontade de ter um filho delas levou ao nascimento de Bernando Miguel, que tem cinco meses.
– Sempre quis ter uma família grande, unida. Disse a ela que queria ter mais um filho e ela também queria ser mãe. Queríamos um menininho. Quando fiz o exame e descobri que era um menino, ficamos realizadas – conta Ana Lúcia.
O casal enfrentou junto todas as dificuldades de uma gravidez em plena pandemia de covid-19. Ana Lúcia é técnica em enfermagem e foi afastada em função da gestação. Geisiele trabalha em uma fábrica de chocolates, que chegou a fechar durante um período. Com apoio das famílias, elas superaram os desafios.
Quando o bebê nasceu, em outubro do ano passado, cada uma escolheu um nome. Mas ao chegarem no cartório, foram informadas de que só poderiam ter ambos os nomes no registro com uma decisão judicial. Inicialmente, foi dado ao menino apenas o sobrenome de Ana Lúcia. Foi aí que procuraram a Defensoria Pública do Estado. Com a decisão da justiça, Bernardo Miguel ganhou os sobrenomes das duas mães e passou a se chamar Bernardo Miguel de Lima Stefenon Rodrigues.
Ana Lúcia conta que a filha que já tinha de um relacionamento anterior, Sara Lúcia Rodrigues Vecino, 6 anos, encarou tudo com naturalidade e que toda a família está muito feliz.
– Quando mandaram a decisão eu chorei, fiquei arrepiada. Na mesma hora liguei para ela (Geisiele) no serviço. Ela dizia: "Eu não acredito". Ficou muito feliz. Estamos muito felizes. É um sonho. Ela é uma ótima mãe. Meu filho tem a melhor família do mundo. Não escolheria outra família para meu filho que não fosse essa – relatou Ana Lúcia.