Assim como tantos imigrantes que chegaram ao Brasil ao longo da história, foi em busca de melhores condições de vida que o venezuelano Herbert Palomo, 39 anos, acabou estabelecendo-se em Caxias do Sul, há cerca de oito meses. Junto dele, veio a família: mulher, sogra, duas filhas, um filho e uma nora. Palomo garante que a vida está melhor por aqui e que não tem planos de retornar ao país de origem, onde deixou apenas a avó. Segundo ele, outros familiares seguem seus passos, com destino à cidade que, mesmo em meio à crise, para Palomo, é um lugar de oportunidade.
— Eles estão vivendo no Peru, mas querem vir para cá porque estão sem assistência. Aqui no Brasil, qualquer coisa que você precisa, especialmente na saúde, tem acesso gratuito. Ficamos um tempo em Manaus, mas lá não tinha trabalho, então decidimos vir para Caxias, que tem mais oportunidades — afirma o imigrante, que trabalha como auxiliar de cozinha.
Palomo gosta de cozinhar. Em Cumaná, cidade onde morava, fazia comida em escolas, sendo contratado pelo Estado, além de manter um negócio próprio, com serviço de delivery. A vocação para o empreendedorismo embarcou junto dele para Caxias, mas ainda não tinha encontrado meios de se desenvolver perante a diversidade gastronômica da Serra e a complexidade burocrática envolvida na abertura de uma empresa.
Bastaram quatro encontros de um curso oferecido pela prefeitura de Caxias do Sul, em parceria com o Centro Universitário e Faculdades (Uniftec), para que Palomo se abrisse à possibilidade de empreender em solo brasileiro, até porque público ele já sabe que teria:
— Brasileiro gosta de comer. Na Venezuela são três refeições. Aqui é café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche de novo, a janta e, depois, mais um lanche antes de deitar. Fiquei observando isso e pensei que pode ser um bom negócio. O curso me ajudou muito a melhorar a ideia que eu já tinha e a entender como funciona para formalizar isso — afirmou o cozinheiro, que diz saber preparar pratos venezuelanos e brasileiros, além de iguarias da culinária chinesa e árabe.
Alternativa ao comércio ambulante ilegal
Idealizado pela Coordenadoria de Promoção de Igualdade Étnico-Racial, vinculada à Secretaria de Segurança Pública e Proteção Social (SMSPPS), o curso atraiu imigrantes de diversas origens, como Palomo, da Venezuela, mas tem como principal objetivo apresentar alternativas de trabalho aos vendedores ambulantes — predominantemente senegaleses — que atuam ilegalmente no centro da cidade, em uma situação agravada pela crise da pandemia.
— Estimamos que hoje tenha de 60 a 70 pessoas trabalhando com venda ambulante, sendo a maioria imigrantes. Mas também há brasileiros que não encontram oportunidade de emprego — afirma a titular da coordenadoria, Alessandra Pereira.
Segundo ela, um curso que oferecesse alternativas de empreendedorismo e, sobretudo, esclarecesse questões relacionadas à formalização, era pensado ainda antes da pandemia, quando este tipo de atividade já era frequente nas ruas da cidade.
— No Centro de Informações ao Imigrante, ligado à Coordenadoria, recebemos e encaminhamos currículos, empresas interessadas podem nos contatar. Existe, ainda assim, uma dificuldade porque aqueles que têm formação não conseguiram validar o diploma ou perderam documentos, como ocorreu com os haitianos em função do terremoto. Outros estão sem emprego porque gostam mesmo de vender e, agora, o que esperamos é que eles busquem a formalização — comenta Alessandra.
Em busca da loja própria
Vender é o que Mawo Fall, 38, mais gosta de fazer. Há cinco anos em Caxias do Sul, o senegalês encontrou nas ruas do Centro uma forma de se manter. A atividade que exerce há cerca de dois anos, segundo ele, nunca esteve tão difícil.
— Aumentou muito o número de vendedores com a pandemia porque as pessoas estão sem emprego. Ao mesmo tempo, os clientes estão comprando menos porque estão gastando só em coisas mais essenciais, como comida — afirma o vendedor.
— No Senegal eu era vendedor em uma loja, mas aqui é muito difícil de abrir uma empresa. O curso foi importante para saber como fazer. Eu sempre trabalhei sozinho, mas vou precisar de mais gente para trabalhar comigo — comenta Fall, que pretende buscar a formalização como Microempreendedor Individual (MEI).
O comércio ilegal de rua é uma preocupação da SSP, que já vinha buscando alternativas após inúmeras tratativas com entidades como Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e Sindilojas Caxias, uma vez que os comerciantes se sentem prejudicados pela atividade dos ambulantes.
— A fiscalização vai continuar ocorrendo. A gente sabe que é proibido e a pressão dos estabelecimentos comerciais é muito grande, mas somente repreender, recolher a mercadoria à força, não é o que queremos fazer. Estamos prestando aqui um serviço de auxílio, para tirá-los da rua e buscar um local onde possam trabalhar — comenta Hernest Larrat dos Santos Júnior, secretário municipal de Segurança Pública e Proteção Social.
Segundo ele, é possível pensar em um local onde eles possam comercializar suas mercadorias de forma conjunta, até mesmo pontualmente em algum espaço público. De forma permanente, uma alternativa, segundo o secretário, seria a realização de um consórcio para aluguel de algum imóvel.
Uma formação qualificada
Da definição do modelo de negócio desejado, passando pela legislação e pelas possibilidades de formalização, os imigrantes que participaram do curso tiveram ainda lições de administração básica e até de divulgação de produtos em redes sociais. As aulas foram ministradas de forma voluntária por três professores da Uniftec, das áreas de Negócios, Direito e Recursos Humanos.
— Uma missão muito clara da nossa instituição é o desenvolvimento do empreendedorismo; educação que promova uma atitude empreendedora, em um desenvolvimento sustentável. A iniciativa da prefeitura foi muito boa e nós participamos como forma de contribuir enquanto cidadãos também. Porque não adianta ficar só reclamando e não fazer nada. É preciso ter uma visão mais crítica em relação a essa situação e se envolver da forma que puder. Uma oportunidade é algo bom não apenas para eles, é bom para a cidade — afirma Antonio Fernando Rosa Dini, docente que participa do projeto.
A primeira turma do curso, que ocorre no auditório do Centro Administrativo, teve encontros realizados de 9 a 18 de novembro, às segundas e quartas-feiras, à tarde. Cerca de 12 participantes frequentaram às aulas, que tinham um total de 30 vagas. Uma segunda turma está com inscrições abertas para início dos encontros no dia 23. A entrega dos certificados ocorre no dia 2 de dezembro.
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