As filas que se formam próximas ao balcão das refeições a quilo não significam aumento no movimento dos restaurantes de Caxias do Sul. Se antes elas podiam ser um bom sinal, agora são apenas reflexo das mudanças que a pandemia impôs ao setor gastronômico. A proibição do autoatendimento, em vigor desde maio, tem gerado prejuízos aos estabelecimentos e reclamações por parte dos clientes. No começo da pandemia, os restaurantes perderam 80% dos clientes, o que impacta diretamente o faturamento. Hoje, o prejuízo gira em torno de 70% na maioria dos estabelecimentos.
A medida integra o decreto estadual, que prevê ações de combate a disseminação do coronavírus. Os proprietários argumentam que em Porto Alegre os bufês de autosserviço foram reativados e os clientes usam luvas individuais para se servir. Outro detalhe é que deve ter distanciamento mínimo de dois metros durante a montagem dos pratos na ilha das comidas e também usar protetor salivar. A liberação está em vigor desde 10 de setembro, depois da publicação de decreto municipal. Em Farroupilha, os empresários também cobram o retorno do serviço, mediante cuidados como o uso de luvas e máscaras.
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Em Caxias, o assunto foi tratado em reunião entre o Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria Região Uva e Vinho (Segh), a prefeitura e os empresários do setor na última segunda-feira (28). O Segh reuniu diversos documentos para serem encaminhados ao governador Eduardo Leite (PSDB), que evidenciariam que o uso de álcool gel, máscara e luvas para que o cliente se sirva é uma alternativa segura. Eles defendem que a liberação evitaria as filas que acabam se formando e que aumentam o risco de contágio, visto que há acúmulo de pessoas aguardando para serem servidas. No autoatendimento não há aglomeração.
Os representantes também solicitaram aos deputados que representam a Serra que intercedam ao governo para liberar o autoatendimento. Os proprietários de restaurantes alegam ainda que querem a mesma permissão para operar em autosserviço que é executada pelos mercados e supermercados da cidade.
PREJUÍZOS E RECLAMAÇÕES
O movimento reduziu desde o começo dos casos de covid-19 e caiu ainda mais quando a cidade precisou cumprir as normas da bandeira vermelha. Assim, os clientes não podiam fazer as refeições no local. Além de enfrentar a crise financeira, proprietários reclamam de restaurantes que não cumprem as regras estabelecidas pelo governo do Estado. Com o autosserviço proibido, eles precisam remanejar e até contratar funcionários para servir ao público.
O proprietário de um restaurante, que prefere não se identificar, conta que a cada mês perde cerca de R$ 40 mil de faturamento e ainda tem que contratar funcionários para servir os clientes:
— Estamos perdendo mais e mais a cada mês. Não sei até quando vou conseguir manter as portas abertas. Sei que existem restaurantes que permitem que os clientes se sirvam. Perdi clientes antigos, de anos.
Pelas regras do governo, a equipe de cada restaurante tem que servir ao público evitando o contato de muitas pessoas com o alimento. Com a medida, formavam-se filas porque, mesmo com reforço, não há um número suficiente de garçons.
— Muitos clientes desistem de esperar. Os funcionários de indústrias acabam não indo até os restaurantes pela demora. E o tempo de espera vai aumentar com a volta às aulas — ressalta o presidente do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria Região Uva e Vinho (Segh), Vicente Perini, que também é proprietário do Q Restaurante.
Ele ressalta que a situação está cada vez mais difícil perante às perdas:
— Está ficando impossível de manter. É preciso contratar funcionários para servir ou tirar do salão para atender no bufê. E, sem faturar, seguimos aumentando os gastos.
A poucas quadras dali, no Atrium Grill, na Avenida Júlio de Castilhos, na área central, a situação é semelhante. Os clientes não podem se servir sozinhos e, por isso, aguardam que uma das funcionárias atue como garçom junto ao bufê.
— Eles reclamam muito e vão embora. Sábado, cerca de 50 pessoas entraram e, quando viram que não podiam se servir, foram embora — ressalta um dos proprietários, Luiz Henrique da Silva Júnior.
Ele lamenta o prejuízo:
— Perdemos cerca de 50% dos clientes porque muitos não aceitam ser servidos, não adianta, eles não gostam. Estamos amargando prejuízos e ainda temos que desembolsar para contratar de quatro a cinco funcionários para atender a demanda.
As filas e a demora para escolher a comida incomoda os clientes:
— O pessoal fica sem paciência para esperar. Muita gente reclama e vai embora. Sabemos que tem restaurantes que estão dando luvas para os clientes se servirem — conta a cozinheira chefe do Atrium Grill, Ana Maria de Barros, que deixa a cozinha para ajudar a servir quem almoça no restaurante.
CLIENTES INSATISFEITOS
A reportagem constatou na última terça-feira (29) que enquanto alguns clientes aceitam ser servidos, porque não há outra alternativa, outros, ao perceber que não podem se servir sozinhos no bufê, optam por procurar restaurantes que não cumprem as regras.
— Eu não gosto de ter quer que ficar olhando e falando o que vou comer. Prefiro procurar um em que possa usar luvas e me servir. Não vejo nada de errado em deixar os clientes se servirem. Passo álcool gel, uso luvas e almoço satisfeita — afirma uma estudante de 24 anos, que prefere não se identificar, ao deixar um restaurante na área central da cidade e se dirigir para outro que não cumpre o decreto.
A opinião é a mesma do administrador Gilberto Demori, 60 anos. Ele se dirigia à mesa depois de enfrentar a fila e passar pelo bufê do Q Restaurante, onde foi servido por um dos funcionários do estabelecimento.
— Eu não gosto de ser servido porque demora demais para explicar o que quer comer e a quantidade que deseja que seja colocada no prato. Acredito que, com todos os cuidados, o ideal seja a liberação para que possamos nos servir.
As amigas Maria Joaquina Almeida Rodrigues, 46, e Eliane Aparecida da Silva, 37, dividiam a mesma mesa e estavam pela primeira vez em um restaurante que cumpre o decreto.
— Eu pedi paciência para a atendente para poder escolher com calma, mas achei que foi tranquilo — afirma Maria.
A amiga não concorda:
— Não poder se servir, além de demorado, é estranho. A gente está acostumado a se servir, escolher o que quer, de que jeito, como colocar no prato, e aí tem que ficar pedindo o que quer. Não gostei.
O QUE DIZ O MUNICÍPIO
O vice-prefeito Elói Frizzo (PSB) ressalta que em Porto Alegre a prefeitura tentou regulamentar o serviço com o uso de luvas de plástico e há um decreto municipal que libera o funcionamento. No entanto, aponta que a recomendação do governo estadual é válida para todas as cidades. Por isso, a medida está sendo analisada pelo MP da Capital. Quanto a Caxias do Sul, a demanda está nas mãos dos deputados da região para intermediarem a questão. O assunto está pautado para ser debatido em uma reunião nesta quinta-feira (1º).
— A expectativa é que seja revista a palavra que leva a interpretação de que a luva não pode ser usada pelo cliente. E também solicitamos que cada município possa decidir o que pretende fazer em relação a esse ponto do decreto. Se o governo permitir a alteração, Caxias do Sul estará permitindo esta alternativa — garante.
POSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
No Estado
Em Porto Alegre, o MP vem tratando da questão por meio do Mediar MP e das Promotorias de Defesa dos Direitos Humanos e da Habitação e Ordem Urbanística. De acordo com a assessoria de imprensa, diversos municípios tomaram decisões, por meio de decretos, de utilizar o autoatendimento nos bufês, ao invés de uma pessoa servindo. Além disso, há no gabinete de crise do Governo do Estado um pedido do setor de restaurantes para que a medida seja liberada. O MP está buscando agora junto aos órgãos estaduais competentes a posição a respeito da questão.
Em Caxias do Sul
O promotor de Justiça de Caxias do Sul Adrio Rafael Paula Gelatti explica que a política pública estadual de combate à pandemia determina que a prática de se servir gera riscos. Ele ressalta que, no momento em que foi expedido o decreto, o governo avaliou que é arriscado, e por isso há a proibição do serviço. Portanto, cabe ao poder público, restaurantes e público cumprirem a lei:
— O efeito prático é que se os proprietários e os clientes respeitarem a determinação, a lei vale para todos e não se cria uma concorrência desleal. Se todos cumprem, o cliente não irá sair à procura de outro restaurante que não respeite as normas sanitárias. No momento em que se fiscaliza, se tem uma igualdade. E mesmo que a população não colabore, a concorrência desleal tem que ser combatida por meio da fiscalização.
Ele aponta que há o debate sobre a norma estar ou não correta mas, enquanto o decreto estiver em vigor, a medida tem que ser respeitada.
— Se essa norma está correta ou incorreta isso está sendo discutido e pode ser que em algum momento se entenda que seja possível outro tipo de formatação. Mas, no momento, o que está em vigor é essa normativa. Cabe ao governo analisar e ao MP zelar por essa política pública para a que saúde da população não seja colocada em risco. Em Porto Alegre, o prefeito está descumprindo a normativa estadual e ela pode ser derrubada judicialmente. O assunto está em debate com o MP da Capital — ressalta ele.
O QUE DIZ O SEGH
Desde 8 de junho o SEGH busca a flexibilização do decreto, com o encaminhamento da demanda ao governo do Estado, aos deputados e em reuniões com o presidente da Amesne e prefeitos da região, entidades sindicais do Rio Grande do Sul, Abrasel, equipes da vigilância sanitária, além de contatos com o Ministério Público.
"Observando a liberação em Porto Alegre e outras cidades do RS, não há porque manter esta regra no modelo de distanciamento social. As perdas no setor se aproximam de 70%, com a redução da capacidade de atendimento, aumento expressivo da matéria prima e margem de lucro reduzida. A situação é desesperadora. Os mais de 400 (destes, aproximadamente 200 são de Caxias) restaurantes associados ao SEGH na região clamam por este avanço", diz, em nota.
Os representantes do sindicato ressaltam ainda que já contataram o Conselho Regional de Nutricionistas 2ª Região (CRN-2), consultaram técnicos da área e analisaram as portarias SES 78 e 319, comprovando a eficácia da liberação do serviço, já testada em outros estados. Também conversaram e trocaram informações com os associados e clientes. Com os dados em mãos e respeitando o modelo de distanciamento controlado, elaboraram um documento com sugestões de obrigações e protocolos, para garantir mais segurança com a liberação do autosserviço nos estabelecimentos.