Na sala de aula com classes individuais espaçadas e ocupadas por pequenos mascarados, a coordenadora da escolinha Tre Bambine pergunta:
— Quem aqui queria voltar para a escola?
A resposta é um unânime e enérgico sim. Na mente da criança, a possível estranheza de um retorno às aulas em cerca 40 escolinhas de Educação Infantil de Caxias do Sul se dilui em atividades lúdicas e um controle rígido, mas sensível, da abordagem de educadores.
Já no acesso, a entrada de pais é limitada e seus filhos submetidos a procedimentos de desinfecção de pés, mãos e medição de temperatura. O bem-vindo após mais de seis meses de atividades suspensas é espirituoso, mas envolto de apreensão.
— A gente cuida do tesouro dos outros, por isso não podemos descuidar de nada. Medo todo mundo tem, mas os pais estão entusiasmados e muitos precisavam que retornássemos, por causa do trabalho — comenta a proprietária da escolinha Anjos Travessos II, Cátia Pimentel.
No primeiro dia, o Sinpré estima que entre 700 e 800 crianças voltaram às escolinhas nesta terça-feira (8), o equivalente a cerca de 30% da capacidade das instituições aptas a retornar.
— Parece que estamos vivendo coisa de filme, algo que nunca imaginamos que fôssemos viver. É algo novo para nós e para eles — avalia a professora da Xodó da Vovó, Maria da Graça Fonseca Rech.
A decisão de permitir a volta às aulas presenciais é polêmica. Mesmo entre profissionais da saúde, os pontos de vista são diferentes. Para o retorno, as instituições têm de seguir uma série de protocolos sanitários, com o objetivo de evitar a contaminação.
— Foi muito tranquilo, as crianças estavam muito contentes por retornar. Claro que no decorrer dos dias algumas coisas precisam ser ajustadas, mas até agora tudo transcorreu o melhor possível — destaca a presidente do Sindicato das Instituições Pré-Escolares Particulares de Caxias do Sul (Sinpré), Christiane Welter Pereira.
Em Caxias do Sul, antes da pandemia, funcionavam cerca de 180 escolinhas infantis na cidade. Conforme a Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), em torno de 150 instituições encaminharam planos de contingência para a reabertura. Nem todas foram liberadas em razão do ritmo das análises por parte do Centro de Operação de Emergência em Saúde para a Educação (COE). Nesta terça, a prefeitura autorizou, em publicação no Diário Oficial, o retorno de atividades de mais 13 escolas infantis. Caso não tenha autorização e arrisque reabrir, a instituição pode receber multa por descumprimento de decretos e questões sanitárias. Em Caxias, essa multa pode chegar a R$ 35 mil.
Impacto do tempo parado
Seis meses é bastante tempo para instituições que se sustentam de mensalidades interrompidas muitas vezes por cancelamentos de matrículas ou flexibilizações de pagamentos. O abalo no segmento é percebido no fechamento de escolinhas no período, ou o retorno com estrutura mais enxuta.
— Perdi quase 50% dos alunos por cancelamento de vagas _ comenta a proprietária da escolinha Anjos Travessos II, Cátia Pimentel.
Antes da pandemia, a instituição tinha 110 crianças matriculadas. Agora restam 60, sendo que apenas 30 podem retornar nesse primeiro momento.
Em razão da pandemia, seis das então 14 funcionárias precisaram ser demitidas.
O Sinpré acredita que entre 7% e 10% das escolinhas do município fecharam nesse período.
Confiança para o retorno
Na Xodó da Vovó, no bairro Cinquentenário, a mãe Luana Figueredo, 38 anos, coordenadora de RH, conta que o filho Afonso Rossi, dois anos, ansiava muito pelo retorno da escola:
— Todos os dias ele pedia para vir. Fez muita falta para o desenvolvimento dele — diz a mãe, que havia contratado uma professora para cuidar de Afonso em casa enquanto trabalhava.
A gerente de varejo Elisandra Duarte reconhece o receio em retornar o filho Guilherme, de um ano, ao atendimento da escolinha Anjos Travessos II, no Centro de Caxias. Ela afirma que está trabalhando em formato home-office, mas demandas esporádicas de expedientes presenciais e o trabalho do marido a forçavam a chamar uma cuidadora temporária e a precisar se reorganizar constantemente.
— Estamos com o coração na mão. Muito difícil tomar a decisão de trazer o filho e saber que ele corre risco de contrair o vírus, mas eu confio muito nas funcionárias. Elas são impecáveis e têm mais experiência do que eu para cuidar disso. Sem contar que foram muito compreensivas no período de suspensão, flexibilizaram pagamento e tudo.
Ela comenta que muitas pessoas criticaram a sua decisão, mas ressalta que, além de confiar na instituição, sente empatia pelos educadores:
— O povo julga demais. É claro que temos medo. Mas, e se a escola do meu filho fechar? Como ficam os professores e todos os funcionários? Todo mundo vai passear no final de semana, mas o problema para eles é a escolinha reabrir.
Cuidados metódicos
Na Escola Tre Bambine, na área central, a estrutura foi reorganizada para adequar a recepção e atendimento aos alunos no retorno às aulas. A instituição trocou praticamente toda a mobília, instalou divisórias de acrílico em mesas compartilhadas por crianças menores, e investiram pesado em tecnologia para garantir a contínua desinfecção do espaço, com máquina de névoa e tapetes sanitizadores, EPIs para os funcionários, totens de álcool gel, aparelho de desinfecção de mochilas por UVC e plataforma germicida para os pés.
— Os pais são muito parceiros. Em nenhum momento as famílias abandonaram a escolinha. E por eles acreditarem na escola precisamos dar esse retorno com qualidade — afirma a proprietária Janete Formolo Donada.
A atenção aos alunos precedeu o próprio retorno: nos últimos cinco meses, a instituição atende via online e entrega material físico para atividades e brincadeira para as crianças por meio de suas famílias. Alguns pais, inclusive, decidiram permanecer no formato à distância por enquanto.
— O trabalho que desenvolvemos online foi o que convenceu muitas famílias a continuarem conosco. Tínhamos 105 alunos e reduzimos para 98 nesse período. Para esse retorno, 30 estão confirmados — informa a coordenadora pedagógica, Carla Donada Peretto.
— Alguns permanecem recebendo atividades em casa e preferem não retornar em primeiro momento porque conseguiram se reorganizar e querem dar oportunidade para os que precisam deixar os filhos — ressalta Janete.
Além dos procedimentos de triagem no acesso, e a separação de classes, a escolinha também passou a disponibilizar apenas itens de madeira e plástico, cujos materiais são possíveis de limpeza — e retiraram pelúcias, por exemplo. E também trabalham de forma lúdica o próprio cuidado dos alunos e regras de distanciamento para circulação.