Mesmo sendo um direito garantido por lei no Brasil, a interrupção da gravidez indesejada em casos de violência sexual, risco à saúde da mulher ou má formação do feto ainda enfrenta barreiras culturais, de informação e de acesso ao atendimento para ser realizada. Desde 2015, o Fórum Aborto Legal do Rio Grande do Sul, formado por organizações da sociedade civil, atua pela garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e, pela primeira vez, promove um ciclo de encontros para articular e qualificar a rede de atendimento do serviço de aborto legal em regiões do interior do Estado.
O primeiro deles ocorre nesta sexta-feira (25), voltado para a rede de atendimento de Caxias do Sul, que centraliza o atendimento a mulheres dos 49 municípios da 5ª Coordenadoria Regional da Saúde, pelo Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual, o Pravivis, no Hospital Geral. O evento inicia às 11h e contará com a participação de representantes da rede de serviços, gestores, além de profissionais da área de saúde, segurança e assistência social. Para a participação, é necessária a inscrição prévia por meio de formulário.
O ciclo de encontros é realizado em parceria com a Themis — Gênero, Justiça e Direitos Humanos — organização criada por advogadas e cientistas sociais — e conta com apoio da Fundação Luterana de Diaconia. No mês de outubro, ele terá sequência com as redes de Canoas, no dia 16, e Rio Grande, no dia 25.
— Este projeto foi elaborado com o intuito de interiorizar as ações do Fórum, levando a experiência que desenvolvemos com a rede de Porto Alegre às redes regionais e fomentando o diálogo e fortalecimento das redes, para a garantia do acesso ao aborto legal. Com a pandemia, ele ganha uma relevância ainda maior, uma vez que muitas pesquisas mostram a redução do atendimento emergencial às vítimas de violência, sendo fundamental discutirmos estratégias para que as mulheres conheçam seus direitos e possam acessar o serviço — afirma a coordenadora de programas da Themis, Renata Jardim, que será uma das painelistas do encontro desta sexta-feira.
Violência como tema central
Implantado em 2001 no Hospital Geral, o Pravivis é voltado, preferencialmente, a vítimas de agressões recentes, de forma que se possa proteger a pessoa de uma doença sexualmente contagiosa ou evitar a gravidez indesejada por meio da contracepção emergencial. O serviço também presta atendimento às mulheres em situação de aborto previsto em lei. De acordo com a médica coordenadora, Sônia Regina Cabral Madi, a violência sexual é a causa da maioria dos abortos realizados no Hospital Geral, em atendimentos que tendem a diminuir durante a pandemia, assim como os registros, mesmo diante do aumento da incidência deste tipo de violência, agravada pelo convívio dos agressores com as vítimas durante o isolamento social.
— Ainda não temos estatísticas, mas em fórum nacional aponta-se uma diminuição no atendimento a essas vítimas. As pacientes já tinham algumas barreiras para procurarem o serviço no hospital e a pandemia acaba sendo mais uma delas — afirma a coordenadora, que também participa do encontro virtual nesta sexta-feira.
Portaria gera debate
Outro assunto que deverá ser presente no encontro regional é a portaria nº 2.282, publicada pelo Ministério da Saúde no dia 28 de agosto, com normatizações à realização do aborto legal revogadas após ampla contestação por parte dos profissionais que atuam nas redes de atendimento, assim como pela Defensoria Pública da União, que entrou com uma ação civil pública pedindo a suspensão da portaria e solicitando que ela fosse declarada ilegal. Uma nova portaria foi publicada ainda antes do início do julgamento, nesta quinta-feira (24), excluindo e modificando os pontos mais polêmicos.
Entre eles constava a obrigatoriedade aos médicos de avisar a polícia sobre pedidos de aborto legal em casos de estupro e a necessidade de que médicos mostrem a imagem de ultrassom do feto antes de conduzir a operação - sendo o ato considerado como uma tentativa de interferir na decisão das grávidas que desejam a fazer o aborto por quem defende o direito de escolha das mulheres.
— Entendemos que toda restrição em relação à interrupção da gravidez indesejada é uma restrição aos Direitos Humanos. Precisamos garantir isso às mulheres, dentro do que já é legalizado, porque o contexto brasileiro atual possui uma frente conservadora restringindo o que já é restrito — destaca a advogada Renata Jardim.
A primeira versão da portaria foi publicada em meio à polêmica gerada pelo caso da menina de 10 anos que engravidou depois de ter sido estuprada pelo tio de 33 anos, no Espírito Santo. A vítima precisou viajar até Recife (PE) para interromper a gestação e, junto com médicos, foi alvo de ataques de grupos religiosos e de extremistas contrários ao aborto.
Em relação ao mesmo episódio, a titular do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, está sob acusação de ter agido para impedir a realização do aborto. Damares nega participação mas afirma que foi "a favor de salvar as duas vidas".
Amparo às vítimas
Atualmente, em Caxias do Sul, os direitos das mulheres vítimas de violência sexual são institucionalmente defendidos e debatidos junto à Procuradoria da Mulher, da Câmara Municipal de Vereadores; ao Conselho Municipal de Direitos da Mulher (Comdim), órgão diretamente vinculado ao gabinete do prefeito; e à Coordenadoria da Mulher, vinculada à Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social (SMSPPS), com o Centro de Referência da Mulher – Rompendo Paradigmas e a Casa de Apoio Viva Rachel. O contato pode ser feito pelo telefone (54) 3218-6026, (54) 3218-6112 e-mail mulher@caxias.rs.gov.br
A Rede de Proteção da Mulher do município envolve mais de 20 insituições relacionadas às áreas de saúde, segurança e assistência social. Nos casos de aborto legal, o encaminhamento se dá pelo Pravivis, no Hospital Geral. O serviço está disponível para atendimento, dúvidas e informações, 24 horas por dia. Contato pelo (54) 3218-7200 , nos ramais 7319 ou 7232.