A pandemia de coronavírus desacelerou o ritmo de adoções de crianças e adolescentes no Rio Grande do Sul. Levantamento da Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJRS) do Tribunal de Justiça (TJ) do Estado aponta queda de 45,56% nas sentenças de janeiro a junho de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019. No ano passado foram 395 processos de adoções finalizados contra 215 no mesmo período deste ano.
- O levantamento de dados não é um espelho fiel da realidade porque o número de sentenças, por exemplo, não significa que foi apenas a adoção de uma criança ou adolescente. Na mesma sentença pode constar a adoção de irmãos ou de mais de uma criança - explica a juíza-corregedora e coordenadora da Infância e Juventude do TJ, Nara Cristina Neumann Cano Saraiva.
Os dados contabilizam as adoções concluídas - quando há uma sentença do Judiciário que define o novo lar da criança ou do adolescente, os processos finalizados por meio do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e casos de famílias que pretendem adotar. No SNA, constam processos de crianças e adolescentes que foram retirados dos pais biológicos por decisão judicial.
- Com base no levantamento percebe-se que o número de adoções concluídas, ou seja, devidamente sentenciadas e julgadas, diminuiu, mas reitero que a queda nas sentenças não equivale à diminuição dos processos de adoção. Isso fica claro quando se analisa o dado de que há, atualmente, 604 crianças e adolescentes em estágio de convivência com fins de adoção pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento no Estado do Rio Grande do Sul.
Ela esclarece ainda que na Infância e Juventude do Estado não há processo eletrônico, apenas físico, e nesses casos os prazos foram suspensos em função da epidemia. Diante disso, os juízes têm optado pela decisão de colocação em liminar em família substituta. A partir de 31 de agosto, o processo eletrônico será implantado para a Infância e Juventude, o que deve acelerar o andamento:
- A decisão liminar de colocação em família substituta existe e tem sido uma forma dos juízes de decidir em relação às sentenças, mas não é uma decisão definitiva até que o processo seja concluído. Tivemos o impacto da pandemia, e redução nas adoções definitivas, mas há essa dificuldade de assegurar que essa é a realidade dos números porque os processos têm tido continuidade, mas sem poder atualizar o sistema.
Embora o coronavírus tenha afetado os processos, os juízes também se reinventaram e continuaram a fazer as aproximações entre as famílias aptas a adotar e as crianças pela internet:
- Há deferimento de guarda provisória e as aproximações de adotantes têm sido feitas de forma virtual. Os juízes apresentam os pretendentes às crianças e adolescentes por chamadas de vídeo e iniciam a aproximação, que é acompanhada por assistentes sociais e psicólogos. Se a interação for positiva, os juízes têm deferido pela possibilidade do estágio de convivência para dar continuidade ao processo de adoção.
CENÁRIO EM CIDADES DA SERRA
Não há um levantamento específico da Serra porque o Fórum de cada cidade tem acesso aos dados de cada município.
Caxias do Sul
Ao contrário do Estado, Caxias do Sul teve um comportamento diferente neste período de pandemia. Os dados foram levantados a partir do começo da pandemia para demonstrar o impacto da covid-19 no andamento dos processos de adoção. Em 2019, no período de 18 de março até 24 de junho, foram seis sentenças de adoção, que é quando o processo está concluído. Em 2020, foram 14 sentenças. Já as colocações em adoção - que são crianças que foram para a casa de pais adotivos e estão sob a guarda deles para serem adotadas - foram cinco no ano passado, ante duas colocações no mesmo período de 2020.
- Da realidade do Rio Grande do Sul, Caxias teve um comportamento diferente neste período de pandemia. Aqui, entendemos que os processos continuaram em andamento e neste período os dados mostram que as sentenças aumentaram e as colocações diminuíram - explica a assistente social do Juizado da Infância e Juventude de Caxias, Lívia Segui.
Enquanto Juizado da Infância e Juventude (JIJ), ela ressalta ainda que o entendimento é que essas mudanças na estatística não são relacionadas à pandemia:
- Ter ou não ter crianças disponíveis para adoção em certos momentos varia muito. Durante um ano vai depender quantas crianças entram em acolhimento institucional e quantas ficarão disponíveis para adoção. Por isso os dados são dinâmicos. Os processos não pararam, então aquelas que ficaram disponíveis para adoção foram colocadas, assim como as sentenças foram concluídas conforme trâmite legal.
A assistente social complementa:
- Trago como exemplo que os dados de 2018 foram diferentes de 2019, mesmo sem uma pandemia ou crise, porque as adoções dependem das situações das crianças e de suas famílias. Uma criança só vai para adoção se a família biológica não tem condições de permanecer com ela, mesmo após investimento da rede de atendimento.
Farroupilha
No primeiro semestre de 2019, foram ajuizados cinco processos de adoção em Farroupilha, sendo que em um deles houve o encaminhamento de duas irmãs. Ou seja, foram feitas seis adoções. Duas foram de padrastos que adotaram enteados com que já conviviam há anos como pai e filho. Também houve encaminhamento de quatro crianças/adolescentes pelo Juizado da Infância e Juventude. Todos os processos se encontram sentenciados. Já no primeiro semestre de 2020 foram ajuizados três processos.
- A pandemia tem atrasado os processos de destituição do poder familiar por conta do distanciamento social e da impossibilidade de realização de audiências presenciais. De março até junho, não fiz audiências de destituição. Em julho, realizei três - aponta o juiz da Vara da Infância e Juventude de Farroupilha, Mário Romano Maggioni.
Maggioni explica que uma das dificuldades tem sido a intimação em casos de destituição do poder familiar. Ele ressalta ainda que há casos em que as crianças e os adolescentes são colocados liminarmente em família substituta. Esta colocação em liminar ocorre naquelas situações em que há fortes evidências no processo de que a família biológica não tem condições de acolher e assegurar os direitos básicos daquela criança ou adolescente. O magistrado pode, mediante decisão fundamentada, decidir pela suspensão do poder familiar dos genitores e pela colocação desta criança ou adolescente em uma família substituta, sem aguardar a sentença da destituição para poder haver o devido registro da sentença de adoção.
- Encaminhei duas crianças em abril para novos lares e agora em julho mais duas para adoção. Estou explicando às famílias adotantes que tem só minha sentença mas, diante das circunstâncias, é a melhor alternativa.
Para evitar que as crianças e adolescentes fiquem muito tempo acolhidas, ele tem mudado o entendimento durante à pandemia:
- O fundamental é fazer com que os processos andem porque essas crianças esperam e precisam de uma família. A casa lar é provisória. Acredito que o lugar ideal é em uma família que garanta os direitos fundamentais da criança e do adolescente. Se não for a família onde ela nasceu, que seja uma família adotiva. Não é apenas o processo de adoção que deve ser acelerado, mas também a destituição de crianças que vivem em situações de risco.
Para ele, é preciso que os interessados repensem o conceito de adotar.
- Se olharmos os números do Sistema Nacional de Adoção vamos ver que tem em torno de 36 mil adotantes e cerca de 5,3 mil crianças e adolescente aptas a adoção. Não justifica ter crianças e adolescentes nas casas lares se os adotantes cadastrados realmente querem adotar. Tem que rever esse conceito porque os bebês são os mais procurados e, em segundo, os de seis a nove anos. Acima dos nove fica difícil encaminhar a criança.
Hoje, em Farroupilha há 23 crianças ou adolescentes acolhidos em uma casa lar. Todos têm processos em andamento (medida de acolhimento e ação de destituição do poder familiar). O acolhimento mais antigo é de janeiro de 2019.
Bento Gonçalves
Os dados de adoções do ano passado não estão disponíveis no sistema. Cada processo precisaria ser pesquisado para ser feito um levantamento. Quanto a este ano, no primeiro semestre não houve adoções concluídas. No último dia 7 foi concluído o processo de adoção de uma criança que já estava em estágio de convivência com os adotantes. Outras duas, que foram retiradas dos pais biológicos, estão em período de estágio de convivência com casais pretendentes.
- Os demais processos de destituição do poder familiar estão sendo impulsionados, mesmo com a pandemia e regime de trabalho diferenciado, haja vista a urgência do procedimento - ressalta Gabriela Salvini, assessora do Dr. Vancarlo André Anacleto, Juiz do Juizado da Infância e Juventude de Bento Gonçalves.
Para ela, a pandemia atrapalhou o estágio de convivência das crianças:
- Tivemos que adaptar para encontros virtuais ou adiar o convívio dos pretendentes com as crianças. As audiências de destituição de poder familiar e os respectivos processos estão sendo impulsionados mesmo com a pandemia, pois não estão suspensos os prazos.
Na Comarca de Bento, é usado o aplicativo Cisco Webex e o WhatsApp para possibilitar a participação das partes e testemunhas nas audiências. No entanto, se eles comparecem no Fórum, são ouvidos presencialmente, com os cuidados necessários. Isso ocorre porque algumas pessoas não possuem acesso a tecnologia ou dificuldade em acessar. Então o juiz deixa a parte participar presencialmente. Atualmente há três adolescentes aptos para adoção na cidade.
- Eles têm entre 14 e 17 anos, idade difícil para colocação em um novo lar. Então continuamos procurando uma família para eles - finaliza Gabriela.
Vacaria
Em Vacaria, de 18 de março a 24 de junho de 2019, foram três sentenças de adoções. Conforme os dados, quatro crianças e adolescentes (irmãos) tiveram guarda deferida para um casal, uma criança teve guarda deferida para outro e um adolescente com situação especial de saúde estava com busca de pretendentes no Sistema Nacional de Adoção. Em 2020, desde que começou a pandemia de covid-19, foi registrada uma sentença de adoção. Duas crianças (irmãos) estão em aproximação virtual com um casal apto a adotar e outras três crianças/adolescentes estão na fase de busca de pretendentes no SNA.
Na percepção da assistente social Bruna Pandolfi, a pandemia trouxe novos desafios. Entre eles, a utilização de ferramentas virtuais para contato, reuniões e aproximações com pretendentes. Segundo ela, está ainda mais difícil encontrar pretendentes para adoções de grupos de irmãos, idades superiores a seis anos, com situação especial de saúde ou deficiência.
- Nos contatos telefônicos realizados durante o período da pandemia, os pretendentes relatam que estão passando por dificuldades financeiras, com redução da renda familiar, não tem condições de viajar devido à pandemia, pretendem adotar uma criança somente (não grupos de irmãos) e manifestam que preferem aguardar futuras ligações, quando o período da pandemia passar.
ESTADO
Até a última segunda-feira (10), 604 crianças e adolescentes estavam em estágio de convivência com fins de adoção no Rio Grande do Sul e 347 crianças e adolescentes estavam vinculadas e em aproximação com pretendentes pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento.