Os índices de desemprego assustam. No primeiro semestre, Caxias do Sul fechou 6.872 vagas, como resultado do saldo de demissões menos número de admissões. Até junho deste ano, conforme os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), Caxias contava com 143,8 mil trabalhadores formais. Se compararmos a 2013, o impacto é ainda maior, porque 183 mil pessoas estavam empregadas na cidade, um recorde na história de Caxias. De lá para cá, crise depois de crise, a cidade viu desaparecer cerca de 40 mil vagas.
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Em uma pesquisa, realizada pelo Observatório do Trabalho da UCS, foi possível identificar o perfil dos desligamentos. Nesse recorte, de março a maio, os primeiros meses da pandemia, fica claro que a faixa etária com o maior número de demissões está entre 30 e 39 anos, seguida de jovens dos 18 aos 24. A escolaridade mais afetada nesse mesmo período foi de pessoas com o Ensino Médio completo. Esse dado revela que o mercado tem exigido um nível mais alto dos seus empregados.
Nos meses de março e junho, houve mais desligamentos de trabalhadores do setor de serviços (3,4 mil). Destes, a vaga mais afetada foi "trabalhadores dos serviços", "vendedores do comércio em lojas e mercados". Em abril e maio, foi a indústria quem mais havia demitido. Dos 5,3 mil desligados, a vaga mais afetada foi a de "trabalhadores da produção de bens industriais". Em todos os níveis pesquisados, tem sido demitidos mais homens do que mulheres. E por fim, outro fator importante a ser levado em consideração é o número de trabalhadores que solicitou o seguro-desemprego. Entre os meses de março a maio, 9,6 mil desempregados fizeram essa solicitação.
No contexto brasileiro, a taxa oficial de desemprego chega a 12,9%, conforme os dados de maio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (Pnad Contínua), divulgada dia 30 de junho pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desta forma, 12,7 milhões de pessoas estão desempregadas no Brasil. Só para acentuar um pouco mais a gravidade da situação, é a primeira vez, desde o início desse recorte da pesquisa, em 2012, em que há mais pessoas fora do mercado de trabalho — 87,6 milhões — do que o número de pessoas ocupadas — 85,9 milhões.
Depois de um cenário como esse, cabe perguntar: como essa condição? A professora Lodonha Maria Portela Coimbra Soares, que é a coordenadora do Observatório do Trabalho da UCS, é sintética:
— O cenário ideal para retomar o emprego é com vacina, que tenha sido testada e realmente funcione. Sem a vacina, vamos passar pelo que outros países estão enfrentando na reabertura. As pessoas se cansam com o tempo, o governo cede e abre, aí a epidemia volta e tem de fechar novamente, como temos visto na Europa. Se a vacina for eficaz, o cenário econômico muda e se abre para novas perspectivas. A partir daí, os agentes econômicos passarão a ter uma visão mais proativa, se não, vão permanecer na incerteza.
Menor rendimento, menor consumo
Um dos vetores da economia é a produção e a venda dos produtos e de serviços. No entanto, com um maior número de desempregados e a insegurança dos que estão trabalhando, mas sequer têm a convicção de que permanecerão assim no final do mês seguinte, implica a desaceleração da economia.
— Do ponto de vista da massa salarial, que tem sido menor anualmente, o que se observa é uma redução do consumo. Porque quem está empregado não tem a certeza de que permanecerá empregado, por isso tende a reduzir o consumo, principalmente do que não é essencial — defende Lodonha.
A observação da professora encontra eco no chão de fábrica das metalúrgicas.
— Uma das características, em nível geral, do emprego, e que também acontece em Caxias e na região, é a diminuição do salário. Aquele trabalhador que perdeu o emprego em 2013, por exemplo, e que voltou para a mesma categoria, às vezes, na mesma função e empresa, ele chega a ganhar 50% a menos. Ao mesmo tempo em que isso ocorre, percebemos uma sobrecarga do trabalhador. Ou seja, o que hoje ocorre é o achatamento do salário e o aumento da carga de trabalho, porque as empresas precisam manter a sua produção — observa Assis Melo, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul.
Acordos barraram mais demissões
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Assis Melo, defende que uma das estratégias mais importantes para a manutenção dos empregos foi a união entre os sindicatos das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs) e o dos Metalúrgicos, que formaram em março o Comitê de Crise, com a mediação da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia. Um documento foi assinado antes mesmo de o governo ratificar a MP 936, que definiu redução proporcional de jornada e salário e suspensão temporária do contrato de trabalho.
— Eu acredito que, por conta das negociações que fizemos desde março com o sindicato patronal, conseguimos brecar um pouco das demissões. Percebo que muitas empresas adotaram o sistema de redução de jornada e de salários para não demitir — avalia Melo.
Com ou sem crescimento, há menos emprego
Desde a crise de 2015, anualmente tem sido renovadas as perspectivas de crescimento. Perspectivas que muitas vezes são mais sinalizadas por um sentimento esperançoso, e nem tanto por viabilidade econômicas. Principalmente quando se trata de empregabilidade, mesmo com uma economia crescente, como se observava há um ano, já vinha ocorrendo um menor número de vagas. De maio a dezembro de 2019, a economia caxiense avançava entre 5% a 7%, segundo o Boletim Desempenho da Economia de Caxias do Sul, organizado pela Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) e Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL).
Naturalmente, com menor crescimento, o desemprego acentua-se ainda mais. Por exemplo, em dezembro de 2019, a economia de Caxias registrava um desempenho positivo de 5,2%, com um índice de -4,2% do número de vagas. Em maio deste ano, o desempenho da economia atravessou a linha da positividade e bateu em -3.1%, conduzido a empregabilidade a assustadores -10,1%. Em maio deste ano, a indústria caxiense cresceu 28,5 em relação ao mês de abril, quando boa parte das empresas ainda permanecia sem atividade por conta das medidas de contenção ao contágio do coronavírus.
— Abril foi o fundo do poço. Apesar de termos melhorado, ainda estamos muito longe da expectativa que tínhamos quando o ano começou. Hoje, a economia está muito conectada. Muitos dos produtos da indústria metalmecânica são vendidos pelo resto do Brasil e em outros países. Essa movimentação do mercado acaba puxando todo o setor. Porque, mesmo que as pequenas empresas não vendam para fora do país, elas acabam sendo puxadas pelas grandes, porque fornecem a elas peças e produtos — explica Mauro Bellini, vice-presidente de Indústria da CIC.
DESEMPREGO
Caxias do Sul registrou 2.852 admissões e 3.459 demissões em junho, resultando em 607 postos de trabalho fechados ao longo do mês. Com isso, o primeiro semestre encerra com 6.872 vagas a menos na cidade. Os dados são do Caged, divulgados na terça-feira (28) pelo Ministério da Economia.
PERFIL DOS DESEMPREGADOS EM CAXIAS
Março
Setor que mais demitiu: Serviços, com 2,2 mil empregos encerrados.
Vaga mais impactada: Trabalhadores dos Serviços, Vendedores do Comércio em Lojas e Mercados, com 1,8 mil empregos com carteira assinada encerrados.
Seguro-desemprego: 2 mil solicitações.
Faixa etária que mais registrou desligamentos: dos 30 aos 39 anos e 18 aos 24 anos, ambas com 1,7 mil empregos encerados.
Escolaridade: Ensino Médio Completo, com 2,8 mil demissões.
Gênero: 3,2 mil homens demitidos.
Abril
Setor que mais demitiu: Indústria, com 2,9 mil empregos encerrados.
Vaga mais impactada: Trabalhadores da Produção de Bens Industriais, com 2,4 mil vagas encerradas.
Seguro-desemprego: 3,4 mil solicitações.
Faixa etária que mais registrou desligamentos: dos 30 aos 39 anos, com 1,8 mil demissões e, dos 18 aos 24 anos, 1,7 mil.
Escolaridade: Ensino Médio Completo, com 3,2 mil demissões.
Gênero: 3,7 mil homens demitidos.
Maio
Setor que mais demitiu: Indústria, com 2,4 mil empregos encerrados.
Vaga mais impactada: Trabalhadores da Produção de Bens Industriais, com 2 mil vagas encerradas.
Seguro-desemprego: 4,5 mil solicitações.
Faixa etária que mais registrou desligamentos: dos 30 aos 39 anos, com 1,4 mil demissões.
Escolaridade: Ensino Médio Completo, com 2,2 mil demissões.
Gênero: 2,9 mil homens demitidos.
Junho
Setor que mais demitiu: Indústria, com 1,3 mil empregos encerrados.
Vaga mais impactada: Trabalhadores da Produção de Bens Industriais, com 1,1 mil empregos encerrados.
Seguro-desemprego: 2,8 mil solicitações.
Faixa etária que mais registrou desligamentos: dos 30 aos 39 anos, com 1,6 mil demissões.
Escolaridade: Ensino Médio Completo, com 1,6 mil demissões.
Gênero: 1,9 mil homens demitidos.
Fonte: Observatório do Trabalho da UCS
FAS entregou 8.045 cestas básicas em junho
A progressão do desemprego em Caxias do Sul, acentuado pela crise do coronavírus, tem como consequência imediata o aumento da demanda na assistência social. A constatação é simples. A partir de março, tem aumentado o número de cestas básicas distribuídas pela Fundação de Assistência Social (FAS). Em janeiro, a entidade distribuiu 830 cestas. Mas, em junho, o salto foi enorme, passando a 8.045 unidades. É um número maior do que o número de pessoas desempregadas, segundo a estatística oficial, porque não contabiliza profissionais autônomos que vivem na informalidade.
— Temos percebido um aumento da nossa demanda, de pessoas que nunca tinham chegado até a assistência social. Aquele empreendedor que antes tinha condições de ter sua empresa, como o microempreendedor individual, ou situações de pessoas em que o Auxílio Emergencial (do governo federal) não é suficiente para as despesas da família. É por isso que precisamos ter um outro olhar para a vulnerabilidade. A pessoa em vulnerabilidade social não é só quem não tem renda, mas também pessoas cuja renda não é suficiente para atender aos gastos mínimos como aluguel, água, luz e alimentação — explica Ana Luiza De Bona Castelan Esquiam Viganó, diretora da Proteção Social Básica da FAS.
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Ações como a injeção de recursos na ponta da cadeia, como é o caso do Auxílio Emergencial, ou a MP 936, que regulamentou a redução proporcional de jornada e salário e suspensão temporária do contrato de trabalho para ajudar na manutenção do emprego, são importantes para aplacar a falta de recursos dos brasileiros, mas também não tem sido suficientes, constata Ana Luiza.
— Tem muitas pessoas que têm vindo aqui na FAS, que não perderam o emprego, mas tiveram redução salarial. A pessoa está empregada formalmente, mas foi reduzida a capacidade financeira da família — revela.
Para atender à demanda crescente, a FAS, por meio da prefeitura de Caxias do Sul, vai abrir uma licitação para a compra de 10 mil cestas para que possam ser atendidos todos os equipamentos da entidade. Conforme explica Ana Luiza, os recursos para a compra das cestas virão da FAS e do Governo Federal.
"A pandemia nos ensina que temos de ser mais humildes"
Até março, Zenilde Marcon dos Anjos, 50, era funcionária de uma empresa terceirizada que contratava pessoas para atuar na rede de ensino municipal. Pelas manhãs, Zenilde era cozinheira, e, à tarde, auxiliava alunos com deficiência no acompanhamento das aulas. Zenilde e sua família também têm sido acompanhadas pela FAS, com orientações por meio das assistentes sociais, e tem sido verificada a necessidade do recebimento da cesta básica.
— Agora, por causa da pandemia, estou desempregada. Meu marido trabalha em uma lavagem de carro e faz bicos como eletricista autônomo. Tem sido bem difícil depois que perdi o emprego. Consegui ganhar o Auxílio Emergencial, mas ainda assim é muito apertado pra gente. A pandemia nos ensina que temos de ser mais humildes, porque vejo que tem gente passando fome — revela Zenilde, casada e mãe de uma menina de 11 anos.
Como uma forma de ampliar a renda da família, já que o seu marido trabalha em uma atividade que é suscetível ao clima, ela esta vendendo cosméticos. Mas, por conta do risco de contágio do coronavírus, ela não tem conseguido visitar as clientes.
— Olha, vou te dizer que aumentaram as vendas de cosméticos, viu! Mas tenho de fazer contato com as minhas clientes por WhatsApp ou pelo Facebook. Eu confesso que estava desconfiada se conseguiria vender desse jeito, mas fiquei impressionada que já consegui vender pelo Facebook. Eu acho que as vendas aumentam, porque as pessoas têm receio de ir até o centro — explica.
"A minha força pra lutar vem dos meus filhos"
Ana Luzia Alves Correa, 30, é atendida pela FAS há cerca de oito anos. A partir daí, tem recebido orientação familiar, foi registrada no Cadastro Único e, dessa forma, pôde receber o Auxílio Emergencial concedido pelo Governo Federal no valor de R$ 1,2 mil, por ela ser declarada como chefe de família. Até agora, ela já recebeu três parcelas. Vem da FAS também cestas básicas que têm sido importantes para aplacar a fome e manter Ana tranquila em casa com seus quatro filhos.
— Tiveram momentos em que não tinha nada em casa. Aí, Deus me mostrava alguma coisa. Uma vez achei no lixo um aquecedor e consegui vender ele no Facebook por R$ 150. Deus sempre me dá uma oportunidade e nunca deixou faltar o arroz e o feijão — diz, em tom de esperança.
Ana não esmorece, apesar do cenário de dificuldade que se impõe, principalmente neste momento. Ela está desempregada desde que soube que estava para ganhar o caçula, mas continua sonhando.
— Eu ia fazer um curso de cuidadora de idosos, mas acabei engravidando. Eu sonho em estudar para ser enfermeira. A minha força para lutar pela vida vem dos meus filhos. Eu tenho de correr por eles. Se eu ficar pensando e me martirizando: "meu Deus do céu o que eu vou fazer da minha vida", não faço nada. Então eu luto por eles — revela Ana, mãe de João, 11, Davi, 6, Mateus, 3 e, Lucas, 1 mês.
CONCESSÃO DE CESTAS BÁSICAS EM CAXIAS DO SUL
Janeiro: 830
Fevereiro: 830
Março: 1.414
Abril: 6.681
Maio: 6.689
Junho: 8.045
Fonte: Fundação da Assistência Social (FAS)
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