2020 tem sido um ano desafiante. A região da Serra gaúcha lutava desde novembro de 2019 contra a estiagem que castigava as plantações. Em janeiro, os prejuízos calculados chegaram perto dos R$ 150 milhões, segundo a Emater. Em 15 de abril, morria Etelvino Mezzomo, 64 anos, a primeira vítima de coronavírus da Serra. Ontem, primeiro dia do segundo semestre, Caxias do Sul contabilizava o vigésimo óbito de covid-19, sendo o quarto apenas em uma semana. Além de todos esses desafios, quisera o destino que um ciclone estivesse na rota da região, deixando um rastro de pânico e destruição.
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Vento forte e chuva intensa causam estragos na região
Desde a tarde de terça-feira (30 de junho), a chuva foi se intensificando, ganhando força, através dos ventos fortes e acabou virando um ciclone extratropical, que segundo os especialistas, é formado por baixa área de pressão atmosférica. No caso deste fenômeno ocorrido no Rio Grande do Sul, além do vento forte entre 50 a 100 km/h, as temperaturas baixaram a quase zero graus em algumas zonas.
Segundo dados da Defesa Civil, até agora, foram verificados 400 desalojados em Capão Bonito do Sul e 520 em Vacaria. Em Muitos Capões, cerca de 120 edificações (entre residenciais e empresariais) foram atingidas. A única vítima fatal, até a apuração de quarta-feira (1 de julho) à noite, foi Vanderlei Oliveira, de 53 anos, que morreu soterrado na terça-feira (30 de junho), após um deslizamento de terra causado pelo temporal em Nova Prata.
Estragos foram verificados em segundos
A pequena cidade da região dos Campos de Cima da Serra, de pouco mais de 3 mil habitantes, sentiu a força do ciclone extratropical por volta das 13h de terça-feira (dia 30 de junho). Relatos de diversas pessoas se repetem em um ponto, apesar da perspectiva pessoal, a de que o vento veio de “vereda”. A palavra, segundo o dicionário de gauchismos, se trata de algo que ocorre de repente.
— O susto é grande! Eu estava sozinho em casa, porque havia deixado a minha esposa no trabalho, com a minha filha de dois anos. Na hora da ventania, eu corri para o banheiro, porque dizem que é o lugar mais seguro, mas quando olhei para cima não tinha mais telhado. Em menos de um minuto aconteceu tudo, é muito rápido. O vento veio de vereda — revela Clélio Oliveira, 38 anos, motorista da prefeitura de Muitos Capões.
Sua casa foi uma das mais atingidas e surpreendeu até mesmo aos vizinhos que viram o telhado todo vir abaixo. Oliveira conta que há dois anos já havia perdido todo o telhado da casa por causa da chuva de granizo. Para precaver-se, mudou o tipo de telha da casa, mas, novamente, foi em vão.
— Não tenho nem o que dizer… A gente fica triste, mas graças a Deus que não pegou em ninguém, porque uma folha dessa de telha de metal, se pega em alguém, com a velocidade que foi arremessada, pode matar.
Segundo José William Hoffmann, coordenador Municipal da Defesa Civil de Muitos Capões, não houveram registros de mortes no município. Ademir Sebben, 45, proprietário da Eletromecânica JG, viu em segundos o telhado de sua oficina literalmente voar cerca de 15 metros à frente, parando na avenida central a poucos metros do pórtico de entrada do município.
— Eu não vi nada, estava no banheiro. Isso foi questão de segundos, tudo levantou e foi-se embora. Eu tinha a oficina há oito anos. O prejuízo foi grande, mas não faço nem ideia. Estavam comigo a minha filha, duas netas (uma de 3 e, a outra, de 5 anos), além de dois funcionários. Graças a Deus não aconteceu nada com ninguém.
Cenário chocante
Desde terça-feira (30 de junho) circularam pelas redes sociais fotos e vídeos com imagens de edificações completamente destruídas. Em Muitos Capões, viraram apenas entulho de ferros retorcidos o Centro de Eventos e o Parque de Rodeis, que recentemente haviam recebido melhorias. Por conta das medidas de prevenção ao contágio da covid-19, as crianças, felizmente não estavam na Escola Municipal Gina Guagnini e na Escola Estadual Don Frei Oliveira, que ficaram parcialmente destelhadas.
Outro ponto de referência da cidade e altar de devoção ao padroeiro do município, a Igreja Santo Antônio perdeu metade das telhas, parte do forro (em cima do altar) e teve lançada para o meio do templo a porta de acesso.
— Quando ocorrem situações assim, em que a comunidade passa por um momento tão difícil como esse, acredito que as pessoas desenvolvem mais a oração e a fé — argumenta o frei Vilmar José Dall'Agnol, 59 anos, pároco da igreja Santo Antônio desde dezembro de 2018.
Apesar de não poder usar a igreja para as missas, porque não está seguro para receber os cristãos, as celebrações vão ocorrer no Salão Paroquial, que não foi atingido pelo ciclone.
— Nos domingos pelas manhãs vamos manter a celebrações, respeitando as normas de dos órgãos de saúde, mas vamos manter a missa no salão paroquial. Porque precisamos seguir reconstruindo e celebrando. Não podemos deixar de celebrar por causa desse momento, temos de ter fé e esperança e agradecer porque ninguém foi ferido ou morreu. Não podemos perder a esperança — ensina.
Confira a seguir uma galeria de fotos de como ficou Muitos Capões depois do ciclone
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