Com a pandemia, muitas mudanças na rotina e nas relações interpessoais aconteceram. Mas você percebeu que nosso vocabulário também mudou? Termos como "distanciamento social", "achatar a curva", "quarentena" e até "coronavírus" tornaram-se usuais nos diálogos.
A professora Isabel Maria Paese Pressanto, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), mestre em Linguística e Letras pela PUC/RS, explica que este fenômeno linguístico que estamos vivendo é natural. Os novos termos inserem-se no nosso vocabulário de forma cotidiana.
— O que a gente usa com mais intensidade acaba fazendo parte da nossa língua. Então, não é de estranhar que novos termos estão surgindo ou que termos antigos, já conhecidos, talvez de outras áreas do conhecimento, como é a área da saúde, estejam se incorporando ao nosso dia a dia. Então, para mim, é um fenômeno natural — explica Isabel, que também tem experiência na área de ênfase em morfologia e sintaxe.
O Google Trends — plataforma do Google que aponta as buscas feitas por determinados termos — mostra que as primeiras buscas por "coronavírus", no Brasil, começaram a ser feitas em dezembro. Três meses depois, em março, as pesquisas dispararam por todo o país. Agora, outros termos também começaram a despertar o interesse dos brasileiros. Na última semana, por exemplo, a palavra "lockdown", registrou crescimento de 140%. O termo em inglês pode ser traduzido para confinamento ou bloqueio total.
— Eles (os termos) já existiam dentro de outra área do conhecimento, mas agora se tornaram algo popularizado. As pessoas concluem que devem saber o que significa isso. E têm aparecido muito na imprensa esses termos. Então, isso faz com que se incorpore na nossa língua — explica a professora Isabel.
O termo "covid-19" é tratado no feminino, no Brasil. Afinal, é considerada a doença covid-19. No entanto, em outros idiomas, há diferenciação. Assim como "coronavírus" que, originalmente, era escrito de outra forma.
— Coronavírus virou uma palavra só, composta, mas na verdade são duas: corona e vírus. E o fenômeno de utilizar covid-19: é feminino ou masculino? Eu ouço rádios italianas e eles tratam covid-19 no masculino. E nós tratamos no feminino. Então, eu pesquisei sobre isso e a minha hipótese foi confirmada. Nós consideramos que covid-19 seja a doença, por isso a gente diz "a covid-19". Isso se incorpora ao linguajar, se incorpora a língua, como uma expressão — explica a mestre em Letras.
Nos dicionários, o termo "covid-19" também começou a ser registrado. O Houaiss e o Priberam, da língua portuguesa, já inseriram a palavra. No Priberam a definição é: "sigla do inglês coronavirus disease 2019, doença de coronavírus 2019 (ano em que a doença foi identificada pela primeira vez). Doença infecciosa respiratória, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, cujos sintomas podem incluir febre, tosse, dificuldades respiratórias e cansaço, e que, em alguns casos, pode progredir para pneumonia ou falha respiratória."
Além desses, o mundialmente conhecido Oxford — dicionário em inglês — também inseriu o termo. A tradução para o português aponta para "um tipo de coronavírus que foi relatado pela primeira vez em 2019 e se tornou uma pandemia".
Outros eventos marcantes
Historicamente, temos registros de outras palavras que viraram rotineiras a partir de uma crise ou desastre. Na 2ª Guerra Mundial, por exemplo, a sigla "radar", que significa detecção e telemetria por rádio, começou a ser usual. À época, o termo era utilizado para referir-se aos radares. O termo "Aids" — utilizado para referir-se a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, causada pelo vírus HIV — surgiu nos anos 80 e rapidamente ingressou no vocabulário, associado às doenças sexualmente transmissíveis.
— Como a língua é dinâmica e somos nós, os falantes, que mandamos nessa dinamicidade, ela vai se transformando e conforme a fase histórica que nos encontramos, outros termos podem surgir, outros podem desaparecer. Então, isso faz parte da dinâmica da língua. Isso depende do que vai acontecer no futuro. Talvez daqui a algum tempo, a gente se lembre de que houve uma época em que a covid aconteceu. Provavelmente, em enciclopédias e em dicionários vão aparecer os termos. Mas isso tudo é um retrato, digamos assim, uma pintura de uma determinada época da história — explica Isabel.
O mestre e doutor em História pela PUC/RS e professor na UCS, Roberto Radünz, cita a obra "A Era das Revoluções", de Eric Hobsbawm, para explicar as transformações que vivemos, constantemente.
— Ele traz uma frase que é muito interessante: "As palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto que os documentos". Ele continua dizendo: "vejam algumas palavras que foram criadas ou ressignificadas no curso lapso do tempo". Palavras como burguesia, cidadania, declaração de direitos, classe alta, classe média, proletário. O recado que ele quer passar, com essa frase inicial do livro, é que é possível a gente avaliar as transformações que estão ocorrendo e que vão se consolidar a partir das próprias palavras — explica o doutor em História.
Radünz explica que outras palavras também foram ressignificadas com os eventos históricos que ocorreram. Para ele, a tecnologia tem um papel fundamental nesta fase. E, a partir dela, agregamos novas palavras ao nosso vocabulário de uma forma rápida.
—A sociedade contemporânea teve que se adaptar a nova situação e teve que criar palavras, criar conceitos, ou ressignificá-los. Não significa que tudo tenha que ser criado novamente, mas ressignificar as palavras, dar um novo sentido para elas, diante da condição nova que o mundo estava vivendo — complementa Radünz.
Por fim, a mestre em Linguística e Letras explica que, com o passar do tempo, outros fatos marcantes acontecem. E, com eles, novos termos surgem:
— Daqui a 10, 20 anos, outros fatos acontecerão, mais ou menos radicais. Então, novos termos surgirão. Sejam eles vindos de siglas, palavras estrangeiras. Agora, o inglês é a língua mundial, que domina internacionalmente. Daqui a pouco podem ser outros, como já foi o latim. Quantas expressões do latim a gente incorporou? Quantas expressões do grego a gente incorporou? E, claro, que historicamente também houve um determinismo em relação a essa incorporação.
GLOSSÁRIO*:
:: achatar a curva: desacelerar a disseminação do vírus para que o não haja picos. Ou seja, retardo da propagação da doença, evitando que o sistema de saúde fique sobrecarregado pelo número de pessoas necessitando do serviço.
:: assintomático: pessoa que não apresenta os sintomas para determinada doença. Neste caso, aquele que não tem febre, tosse, coriza, dor de garganta e dificuldade para respirar — que são os sintomas mais comuns no caso do coronavírus.
:: coronavírus: é uma família de vírus que causam infecções respiratórias.
:: covid-19: doença causada pelo coronavírus, que apresenta um quadro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves.
:: distanciamento social: diminuição de interação entre as pessoas para diminuir a velocidade de transmissão do vírus.
:: EPI: são os equipamentos de proteção individual (EPI) utilizados, especialmente pelos profissionais da saúde, para conter as ameaças de contaminação. São gorros, óculos de proteção ou protetor facial; máscara; avental impermeável de mangas longas e luvas de procedimento.
:: home office: "escritório em casa", para que os funcionários possam exercer suas funções nas suas residências.
:: isolamento: medida que visa separar as pessoas doentes das não doentes, para evitar a propagação do vírus.
:: lockdown: "confinamento", é o protocolo de isolamento mais rígido. Ele impede que as pessoas deixem uma área sem autorização de uma autoridade.
:: pandemia: acontece quando uma grande área geográfica é afetada pelo mesmo vírus ou doença.
:: quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas que, provavelmente, foram expostas ao vírus, mas que não estão doentes.
* realizado com base em informações da Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde, dicionário Oxford e pesquisas de Universidades Federais.
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