A 141ª edição da Romaria de Nossa Senhora do Caravaggio será histórica. Não por quebrar recordes com números de romeiros no dia 26 próximo ou por ter lotação máxima do Santuário, em Farroupilha, em alguma das pré-romarias envolvendo jipeiros, cavalarianos, ciclistas, crianças, entre outras categorias de participantes que anualmente demonstram sua devoção.
A edição de 2020 do maior evento religioso da Serra estará marcada como a romaria em que a peregrinação não aconteceu. Em meio à pandemia do novo coronavírus, a fé na santa será representada online, individualmente e no seio familiar, uma das bases da doutrina católica.
— Não temos conhecimento na história de algo parecido com esse da pandemia na romaria de Nossa Senhora de Caravaggio. Porém, não é simplesmente um cancelamento da romaria, mas um novo formato por causa do coronavírus — afirma o padre Jocimar Romio.
As missas do dia 26 serão transmitidas através de rádios, Facebook, YouTube e páginas na internet. A ausência física da multidão de fiéis no Santuário será impactante visualmente para quem passar por lá. No entanto, segundo Padre Jocimar, isso não pode interferir na fé em Caravaggio, tão ligada com a cultura da Serra, em uma hora de tanta apreensão e incertezas.
— Por conta da religiosidade da região, acaba de alguma maneira fortalecendo a fé das pessoas nesse momento, mesmo que estejam longe do Santuário. A mente e o coração suplicam. Na história da Igreja, sempre tivemos isso. Em momentos de fragilidade, difíceis, as pessoas recorreram à oração — diz o padre, explicando a relevância dessa união:
— Há pesquisas recentes, do Instituto do Cérebro, da PUC-RS, que mostram essa relação da espiritualidade com a recuperação no que diz respeito à saúde física ou orgânica.
Celebração a cavalo fica guardada
Parte importante dessa história é construída por quem participa das pré-romarias. Os eventos, que existem há mais de 40 anos e foram iniciados pelos motociclistas, tradicionalmente ocorrem nas semanas que antecedem a data máxima de Nossa Senhora do Caravaggio. Neste ano as atividades prévias foram canceladas.
Em 2020, depois de 27 anos, Pedro Antonio Novello não estará com seu cavalo e seu grupo na tradicional Cavalgada da Fé. O evento foi cancelado, frustrando o sentimento de quem vive o amor pelo animal e a devoção à Santa.
— Todo mundo ficou desgostoso, né? Já tínhamos feito toda a programação, anunciado para os cavaleiros e estava todo mundo muito animado. Foi uma decepção total. Esse coronavírus trancou tudo — lamenta Novello.
Além da 27ª edição do evento, que em 2019 reuniu entre 1,2 mil e 1,5 mil cavalarianos, ocorreria este ano pela segunda vez uma cavalgada de Caravaggio, em Canela, até o Santuário em Farroupilha — que ano passado reuniu oito pessoas e agora já tinha 20 confirmados.
Desde as primeiras edições, o churrasco na chegada e a celebração com as famílias marcaram o encontro dos cavalarianos. Mesmo que, seguindo as medidas de segurança, fosse possível realizar uma cavalgada, faltaria algo para quem compartilha a paixão pelo cavalo.
— O cavaleiro é uma pessoa com muita amizade um com o outro, por essa lida com o animal. E, quando se encontra, se abraça e se cumprimenta. Com essas proibições do vírus, modifica tudo. Seria uma cavalgada fria, onde cada um fica no seu cavalo de longe, e aí não tem muita graça. Além do intuito da fé, ela possibilita rever os amigos — concluiu Novello.
Devoção off-road
Inspirados em outras pré-romarias, aqueles que vivem off-road nos jipes resolveram também mostrar sua devoção. Há 13 anos, essa era a realidade em um dos eventos que movimentava o Santuário durante o mês de maio.
— Víamos os outros fazendo essas pré-romarias e pensamos: "Por que não com os jipeiros também? A gente brinca tanto com esses veículos fora da estrada e o risco existe. Então podemos buscar uma benção da nossa Mãe." Começamos a puxar e fizemos contatos com os grupos de Bento Gonçalves, de Caxias, de Flores da Cunha e de outras cidades. A ideia vingou bem — recorda Remo Pasqual, um dos organizadores da pré-romaria que reúne jipes, gaiolas e quadriciclos.
Entre os pontos que mais chama a atenção de Pascoal, a união no dia da pré-romaria é algo marcante:
— As famílias participam junto. Isso é muito bonito. Não é só o homem da casa, vai a mulher, os filhos. Não é uma pessoa sozinha. Isso mostra que a família está integrada neste esporte e nesse lazer, estão caminhando juntos.
Se em 2020 a devoção será mostrada pela Internet e nas orações individuais, em 2021 a promessa é de um evento para celebrar a vida.
— Tem muitos que já estão falando que, já que este ano não vamos poder ir, ano que vem vamos todos para agradecer por ter passado por essa pandemia. Estamos pensando em fazer um belo de um passeio e de uma pré-romaria — conclui Pasqual.
A esperança no futuro
Assistente de comunicação do Santuário de Caravaggio e um dos organizadores da pré-romaria das crianças, que chegaria na sexta edição em 2020, Leandro Ávila resume a angustia que a falta dos eventos traz para quem vive a fé neste momento:
— Meu coração sofre de não ver o Santuário cheio — diz ele, fazendo referência ao lema da romaria (Ó Maria, Mãe compassiva, ajudai-nos a cuidar o dom da vida) para explicar seu sentimento:
— Entendo por que não acontece, acredito que é uma ação de amor e cuidado pela vida.
Para Ávila, o engajamento das crianças é a melhor forma de continuidade da Igreja:
— A gente recebe ainda na infância. Quem de nós, que vive a fé, não teve as mãos juntas pela mãe ou pelo pai para aprender a rezar? Vemos sempre pais aqui no Santuário ensinando as crianças a fazer o sinal da cruz. A fé germina lá e vai crescendo ao longo da vida.
Com a 141ª edição totalmente online, a proximidade da Igreja com a juventude tende a ser ainda maior. Em abril, as visualizações nas redes sociais do Santuário passaram de 2 milhões, e boa parte disso representada por jovens.
— O maior número de pessoas que seguem as mídias sociais do Santuário está entre os 20 e 40 anos. Há uma ação desses que estão mais habituados com esse mundo virtual para que todos possam acompanhar a romaria deste ano — conclui Ávila.