Bento Gonçalves viveu uma semana de disparada nos números de casos confirmados da covid-19. O município, que no sábado, dia 25 de abril, tinha 44 casos confirmados, terminou o feriado desta sexta-feira com 107 pessoas que testaram positivo para o coronavírus. Essas informações, porém, são liberadas pela prefeitura. Segundo os dados oficiais do governo do Rio Grande do Sul, a cidade conta com apenas 64 casos. Uma diferença que reflete a postura que o poder público de Bento resolveu adotar.
— A gente tem testado muito. Temos uma contabilidade própria de casos, pois fizemos muitos testes rápidos e PCR, e o Estado não credenciou esse laboratório ainda. Fugimos do protocolo normal, que é testar os pacientes que estão internados. Nós já fizemos com quem está com um quadro respiratório debilitado — afirma o secretário da saúde Diogo Siqueira, explicando o aumento de positivos:
— Testamos muito mais do que o protocolo do Governo, então vamos ter muito mais casos do que a maioria das cidades.
Segundo Siqueira, o modelo utilizado pela cidade é baseado em outros países que conseguiram controlar a curva do aumento da covid-19 através da testagem populacional. Mesmo que o pulo imediato de casos possa assustar quem olha de fora.
— Poderíamos ficar esperando pelos testes do Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública), do governo do Estado, só com aqueles casos que estão dentro do protocolo. Preferimos comprar mais testes rápidos e mais PCR’s. Fizemos um caminho usando a autonomia municipal. Bento Gonçalves é, com certeza, uma das cidades que mais testa no Brasil. É isso que embasa nossas decisões. Temos visto que os países que mais deram certo, como a Coreia do Sul, eles sempre falaram em ter um isolamento seletivo e diminuição da locomoção das pessoas, mas ao mesmo tempo em testagem e isolamento dessas pessoas que foram confirmadas e de quem está convivendo com essas pessoas — diz o secretário, convicto da certeza da escolha certa:
— Essa foi a linha que escolhemos para trabalhar. Não vamos ficar fazendo achismos. Vimos o que deu certo em outros locais e estamos copiando, independente da postura do Estado ou do Governo Federal.
Acompanhamento dos casos e ações interligadas
Para acompanhar a evolução dos casos de coronavírus na cidade, a secretaria da saúde mapeou todos confirmados e suspeitos. Além daqueles que estão internados nos hospitais da cidade, há um acompanhamento das pessoas que estão em isolamento domiciliar.
Aqueles que exigem uma atenção maior, recebem ligações diárias de uma equipe que faz o teleatendimento e acompanha a evolução do quadro do paciente. Os pacientes que têm um quadro mais leve dos sintomas, recebe a ligação a cada dois dias.
— Aquilo que imaginávamos lá no início, que era uma doença que iria pegar as pessoas que viajavam para o exterior e voltavam para cá, que pegaria alguns bairros, era o perfil inicial. Hoje, já temos um perfil aleatório, em todos os bairros da cidade. Temos mapeado isso. Já se espalhou. Temos contaminação em todas as classes sociais de Bento — admite Siqueira.
Esse dado faz com que as medidas de isolamento social sejam praticadas antecipadamente. A flexibilização no comércio local foi realizada com base nos dados apresentados pelos números mais aproximados da realidade.
— Não é uma surpresa. A gente sabia que teria esse aumento de casos. Recebemos 260 testes do Governo Federal para profissionais da saúde e da segurança pública. Agora, recebemos uma leva para pacientes idosos com sintomas. Isso ainda tira toda parte adulta e de crianças. Um paciente diabético, com 25 anos, não conseguiria entrar nessa leva. Nós já compramos uns 3 mil testes rápidos. Já extrapolamos esse protocolo — afirma o secretário.
Bento Gonçalves diz não ter medo de números, mas está atenta às necessidades e aos cuidados com a população.
— Comparando com cidades maiores, que têm o mesmo perfil populacional que o nosso. Como Bento tem mais casos, no nosso levantamento, e outras cidades maiores têm menos, quase a metade, com cinco vezes mais população? — questiona Siqueira, reafirmando que a preocupação maior é em passar com clareza pela pandemia:
— Desde o início, preferimos usar de toda transparência possível para demonstrar qual era a realidade de Bento. Se eu tenho 17 casos ou 82, minha postura não será diferente. Com esse número, a população entende que hoje a situação é mais grave do que duas semanas atrás, com 15 casos. Mas se ela enxergar só o dado que vem do Estado, vai achar que está tranquilo, que dá para andar na rua e que isso é uma invenção da mídia. E não é.
“Ninguém em Bento Gonçalves vai morrer por falta de atendimento”, diz secretário
Para enfrentar a pandemia do coronavírus, Bento Gonçalves foi além da construção de um hospital de campanha improvisado. Uma estrutura que estava abandonada ao lado da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) foi reformada e 40 leitos foram disponibilizados. A obra, que amplia o complexo hospitalar, foi realizada com apoio de setores da indústria, do comércio e de outros segmentos da sociedade, além dos voluntários.
Em menos de 30 dias a cidade recebeu um reforço importante com grande parte feita pelos próprios moradores. Além desses, ainda há os que já existiam na própria UPA e no Hospital Tacchini. Desde que iniciaram as aquisições de materiais para que a cidade encarasse o coronavírus, o número de respiradores chegou a 75 — até a sexta-feira, apenas 15 estavam sendo usados.
Como os hospitais de Bento são referências para outros municípios menores, há possibilidade de que pessoas sejam transferidas de outras cidades. No caso de UTI’s, é feito um cálculo estadual. Neste momento, não há preocupação com falta de leitos.
Para o prefeito Guilherme Pasin (Progressistas), as mudanças e conquistas para a saúde repercutem em uma condição melhor para a cidade passar por esse momento:
— Qualificamos as estruturas. Os 40 leitos, feitos em parceria com a sociedade civil, podem virar 80. O Hospital Tacchini adicionou 10 leitos de UTI. Muito embora nossa política pressuponha um aumento nos casos, a nossa estrutura de retaguarda é muito boa.
Com as estruturas para encarar os casos e o mapeamento completo, o secretário é taxativo ao afirmar a condição de Bento para o enfrentamento à covid:
— Sabemos que a covid é uma doença que, no momento em que ela instala e tem uma evolução no paciente que tem alguma dificuldade de resposta, ela é muito rápida. Esse paciente vai evoluir numa questão de horas de uma dificuldade de respirar para quase uma parada respiratória. Ninguém aqui em Bento vai morrer por falta de atendimento. Vamos ter óbitos, mas pela agressividade da doença, pela letalidade — diz Siqueira.
Mais movimento, mas longe da normalidade
Na comparação com as primeiras semanas da quarentena, a movimentação nas ruas de Bento Gonçalves aumentou. O retorno das atividades do comércio e da indústria foi determinante para que houvesse esse acréscimo. No entanto, isso não quer dizer que a vida voltou ao normal. Para quem passa o dia a dia dependendo do movimento na rua, isso é muito claro.
— O movimento do táxi caiu 70%. Pessoal está assustado, todo mundo apavorado. Eu chego em casa e vou direto para o banho, para não correr risco de levar alguma coisa pra família. Sempre uso máscara e tenho o álcool no carro. Mas tenho que trabalhar, não adianta — afirma o taxista Alexsandro Trasel.
Também com contato constante com o público, Fairuz Shalab depende de movimento nas ruas para que possa vender as loterias. A ambulante acredita que a população entendeu a necessidade de se cuidar:
— As pessoas respeitam bastante, têm mantido uma distância de mim. Logo que eu comecei, na quinta-feira passada, tinha muita gente sem máscara. Agora está quase todo mundo usando.
Nos restaurantes, a rotina também é diferente. Nos buffets, quem serve a comida é um funcionário. Mesmo com a possibilidade da modalidade e com a possibilidade do atendimento local, o movimento caiu.
— É bem apavorante. As contas vêm chegando e tu não tem o que fazer, não tem de onde vir uma renda, o pessoal não vai para a rua, todo mundo apavorado — diz o empresário Rodrigo Rubbo, que admite que seu faturamento caiu até 80%:
— Nesse momento, só consigo manter com ajuda de banco e de financiamento. Do jeito que está, estamos pagando para trabalhar.
Segundo o prefeito de Bento, a abertura do comércio não significa que o isolamento acabou e alerta que os cuidados vão precisar seguir.
— Sabemos que essa próxima semana vai ser de mais movimento, com o dia das mães. Recomendamos que as pessoas não saiam em família. Assim como já indicamos na ida ao mercado — afirma Pasin.