A pequena São Jorge, quase na divisa entre a Serra e o Planalto Médio, vive momentos de apreensão por conta da pandemia de coronavírus. Com 2.864 habitantes, segundo estimativa do IBGE, o município, emancipado em 1987, é um dos menores do Rio Grande do Sul que já tiveram pessoas que testaram positivo para a covid-19 — só tem população superior a Nicolau Vergueiro, que possui 1.754 habitantes, e similar com Tio Hugo e São Domingos do Sul.
A média de um caso para cada 1.400 habitantes já seria motivo suficiente para preocupação. Só que, segundo os indícios e os sintomas apresentados, o número de contaminados na cidade deve ser ainda maior.
— Teve um pessoal em um cruzeiro, que retornou para São Jorge em 15 de março. Nisso começou a preocupação. Já estávamos com uma equipe de enfrentamento pronta por conta da pandemia no país. Os que voltaram da viagem logo tiveram índices gripais — afirma o secretário da Saúde de São Jorge, Vilmar Caron, evitando culpar os 27 moradores que navegaram pela costa da América do Sul, mas explicando o agravamento da situação:
— Foi quando iniciou a contaminação no nosso município. Claro que não condenamos essas pessoas, mas foi o que desencadeou o coronavírus na cidade. De lá para cá, tivemos várias pessoas com indícios da covid-19, e que não precisaram ser hospitalizados. Os dois pacientes que testaram positivo tiveram que ser internados.
Como a cidade tem apenas uma Unidade Básica de Saúde (UBS), a participação regional foi importante. Dentro da rede de atendimento para os casos mais graves, que possam ocorrer na localidade, estão o Hospital Beneficente São Pedro, em Guabiju, e o Hospital São João Batista, em Nova Prata, onde ficou internado o caso mais grave até agora de São Jorge.
Entre os casos confirmados, um é funcionário da prefeitura, que estava no grupo que fez o cruzeiro. O segundo foi em uma contaminação local, após contato com pessoas que também fizeram a viagem marítima, mesmo sem estar presente nela.
Ainda que o risco esteja tão perto pelo número de pessoas que apresentaram os sintomas da covid-19, nem toda a população de São Jorge abraçou as medidas de prevenção. O comércio só retomou as atividades na quinta-feira passada, quando veio o decreto do governador Eduardo Leite. Antes disso, no entanto, o número de pessoas na rua, sem proteção, preocupava.
— Não tem o hábito e as pessoas estão tendo uma resistência. No interior, temos essa dificuldade de convencer as pessoas a ficar em casa. Aqui temos mais de 700 idosos, com mais de 60 anos. É um número muito alto. E procuramos fazer esse entendimento com a população para terem esse cuidado — admite o prefeito de São Jorge, Jorge Pivotto (PT).
Na busca por evitar o caos na saúde
Na UBS, o serviço de triagem ocorre em uma barraca instalada do lado de fora da estrutura fixa, para que os casos suspeitos não tenham contato com as outras pessoas que necessitam de outros atendimentos e com os servidores que ali trabalham. A intenção dos gestores de São Jorge é não ampliar o número de casos na cidade por qualquer tipo de falta de cuidado.
— O que mais nos preocupa é que haja uma infestação muito acentuada. A minha preocupação e da equipe da saúde é que, pelo fato de ter os dois casos e várias pessoas que apresentaram os sintomas, que isso agrave uma onda acentuada. Nós estamos fazendo de tudo para diminuir essa curva de infectados — afirma o prefeito, lembrando um fato que auxilia o município a manter o isolamento social:
— Nós temos uma vantagem por sermos um município pequeno, em que as pessoas estão mais afastadas. Cerca de 50% da população de São Jorge mora no interior. Isso nos ajuda e acredito que é um fator positivo para evitar essa contaminação.
Agora, a missão da pequena cidade é fazer com que o coronavírus não seja um problema maior no bem estruturado sistema de saúde local, que não suportaria um caos com muitos casos ao mesmo tempo.
— Nesses dois casos (confirmados), tivemos sorte. Os pacientes se recuperaram, mas não precisaram ser transferidos para UTI. Mas a gente lamenta que têm pessoas que não acreditam na gravidade da pandemia. Isso são uns que outros. Mas, no geral, a população atendeu nossas medidas — conclui Caron.
Reflexos no dia a dia de São Jorge
Pelas ruas de São Jorge, o uso da máscara é visto constantemente, mas não é uma unanimidade. Entre as pessoas que usam, existem aquelas que fazem parte de grupos de risco, as que tomaram ciência dos casos na cidade e ainda as que têm contato com o público e precisaram da prevenção.
A bancária Simone Pontel anda pelas ruas da cidade sempre com a máscara, até mesmo ao dirigir sozinha em seu carro. Mesmo que o contato com o público que vai ao banco onde trabalha tenha reduzido, a atenção com a saúde é primordial.
– Uso primeiro por um cuidado pessoal. E, segundo, porque a empresa exige que se tenha essa prevenção. Para nós e para os nossos associados. O movimento baixou bastante, não tem entrado muitas pessoas na agência, só quem não consegue o autoatendimento – afirma a bancária, mostrando incerteza sobre a possibilidade dos casos na cidade serem em maior número do que os divulgados:
– Preocupa, mas não sabemos qual a proporção de tudo isso, se é verídico ou não. Mas todo mundo está tomando os cuidados, cada um fazendo sua parte.
A redução do número de pessoas na rua tem sido um problema para o empresário Marcos de Matos. Há dois anos, ele abriu um restaurante na região central da cidade. Com as restrições impostas por conta da pandemia, viu seu público “desaparecer”.
– Diminuiu muito o movimento. Antes, servíamos de 30 a 40 almoços, e agora não passamos de 10. À noite, fazíamos aproximadamente 900 lanches e estamos com 90 – admite Matos, que atende outras cidades da região e manteve as atividades de forma restrita nas semanas antes do início da flexibilização do atendimento:
– Nesses dias em que estava a ordem de fechar, estávamos só com a telentrega e o pessoal vindo retirar na porta. Tomamos todos os cuidados com o uso de álcool gel, luva e máscara.
Mesmo com o retorno das atividades, com a possibilidade do atendimento no local, a maior parte da população de São Jorge ainda não retomou o costume de almoçar ou jantar fora de casa.
– O pessoal fica com receio de vir. Estão preferindo buscar a marmita e não ficar aqui dentro. Mantemos dois metros de distância entre as mesas e não deixamos acumular gente, só metade da ocupação – afirma o empresário, admitindo que os atendimentos realizados não são suficientes para dar tranquilidade ao restaurante:
– O que tem rendido nesse período só serve para manter o negócio.