Uma estudante com ares de empreendedora, uma professora no primeiro emprego e um DJ sem balada para animar contam como é enfrentar os dilemas da juventude num mundo transformado pelo coronavírus.
Para adolescentes e gerações subsequentes, em que o avesso da liberdade tem sido um teste emocional e social, está em jogo o futuro do trabalho, os planos de ingressar na faculdade e o medo de ver a própria família declinar em razão da crise econômica e da doença. Pesa também a vida longe dos amigos, da sala de aula e do lazer. Devido à lógica dos decretos de distanciamento social, provavelmente serão eles os últimos a sair do confinamento, se isso for de fato possível nas próximas semanas. Embora o funcionamento do comércio e da indústria tenham sido flexibilizados, espaços que atraem a juventude como escolas, faculdades, parques e casas noturnas seguem fechados.
Nos próximos dias, o Conselho Municipal da Juventude (Comjuve) pretende propor formas de aliviar essa tensão diante da nova normalidade imposta pela pandemia. Uma ideia seria avaliar como as áreas de convivência poderiam ser aproveitadas de maneira segura, o que exigirá planejamento e adaptações, mas permitiria uma saída momentânea do isolamento.
— Temo outras duas maiores frentes, em que é tratada a questão do emprego, do jovem aprendiz, embora seja uma situação recente e não tenhamos dados. Na área de proteção social, foi articulada, após reunião com o movimento estudantil, a distribuição de cestas básicas para jovens que não tendo acesso à alimentação que tinham na escola — diz a presidente do Comjuve, Georgia Tomasi.
Em outra ação, está sendo articulada a realização de conversas vias redes sociais com as equipes de saúde mental do município para que as gerações mais jovens possam compartilhar seus anseios e suas experiências e amenizar a carga emocional desse período. São tentativas de apontar caminhos para lidar com um estilo de vida sem parâmetros anteriores.
— Ansiedade é algo muito comum neste momento porque está relacionada ao medo. É o medo de não saber quando tudo isso vai acabar, o medo de como vai terminar. Está muito relacionada ao controle. Tínhamos controle de muitas coisas na nossa vida e, de repente, tu não pode trabalhar, não pode estudar. Os teus planos, aquela festa, os teus amigos, tudo vai por água abaixo. Nós, profissionais da saúde mental, notamos que a ansiedade tem crescido muito — alerta a psicóloga Nadaby Pites.
“TU SENTE FALTA DESSES MOMENTOS DE LAZER”
O primeiro emprego é o orgulho da estudante do curso de magistério Maiara Pauletti, 17. Em outubro do ano passado, conquistou a vaga de professora auxiliar numa escola de Educação Infantil. De repente, essa função tão essencial passou a transitar pela corda bamba. Assim como outros estabelecimentos privados de ensino, os profissionais da educação enfrentam os dilemas em razão das discussões sobre a cobrança de mensalidades. Com menos recursos diante de descontos concedidos ou cancelamento de matrículas, empreendedores da educação não descartam desligar funcionários, a maioria deles no início de carreira, caso de Maiara. Uma amiga da estudante já perdeu o posto de trabalho em outra escola.
— Ela tem 16 anos, estava há dois anos nesse emprego desde que começou a estudar no magistério — lamenta a jovem.
Desde o início da pandemia, as diferenças sociais ficaram ainda mais evidentes para Maiara. Ela se coloca no lugar de outros jovens. Quem imaginaria que a solução do ensino a distância poderia representar um suplício para quem não tem acesso ou internet de qualidade em casa?
— Agora no momento, o EAD é uma solução, mas vejo mais desvantagens porque nem todos têm acesso às atividades, cada pessoa aprende de um jeito diferente, muitos não conseguem se concentrar. As realidades são precárias também: tem quem ajuda em casa, cuida dos irmãos, faz tarefas domésticas.
Maiara tem usado os dias de isolamento para redescobrir o que estava esquecido entre quatro paredes. A casa era quase um endereço tão somente para dormir. Hoje, virou o recanto dos prazeres em família. Tem tempo para brincar com o irmão Gustavo, 11, e ajudá-lo nas atividades escolares. A jovem bota o pé para fora somente para levar o cão passear. Ainda assim, apesar da adaptação, sobra um vazio no peito. Sente falta das oficinas de teatro, do contato com as amigas, do olho no olho.
— O teatro sempre foi uma terapia, o lugar onde eu me liberto, me permito e onde tudo é possível. Tu sente bastante falta desses momentos de lazer, precisa dessa socialização na escola. Tu assiste as lives, às vezes mantém contato por chamada de vídeo. Mas essa experiência de agora acaba te fazendo dar valor às pequenas coisas de antes, de ver os amigos, de elogiar presencialmente, de abraçar.
A jovem cita também o calendário complicado no magistério, o que não é muito diferente de outros cursos em diferentes níveis. Como está no terceiro ano do processo de formação, teria o pré-estágio neste ano e o estágio de um semestre em 2021. Com tudo parado, não sabe o que virá pela frente.
— Mas isso tudo depois a gente recupera. Quando voltarmos, com certeza seremos pessoas melhores, mais gratas — conclui a futura professora profissional.
“TODA ESSA SITUAÇÃO AFETOU MINHA RENDA”
Pista vazia na balada é sinal de que o DJ não é bom. Luan Athayde, 25, não tem esse problema. Na Level, ele sabe como animar a galera. O problema é o silêncio que já dura um mês. Luzes apagadas, sem som, sem público, sem alegria, sem renda. Em oito anos, a casa noturna só havia fechado uma única vez, em 2013, em respeito às dezenas de jovens mortos no incêndio da Boate Kiss, conta Lídia Ribeiro, uma das comandantes da Level.
Parece pouco ter uma casa noturna de portas cerradas diante de uma pandemia. Os donos e funcionários não discordam quando o objetivo é poupar vidas. Mas há um outro lado. Dançar ou curtir a noite é uma maneira de transpirar frustrações, cansaços e temores. É viver. Para quem depende de entreter a juventude, a pista vazia soa como música triste e sem graça. A festa é onde Luan mostra seu trabalho, onde estabelece conexões com outras pessoas, onde todos socializam.
— Obviamente, e falo do ponto de vista privilegiado, toda essa situação afetou diretamente a minha renda, boa parte vinha disso, como DJ. Ainda tenho pessoas que podem me ajudar a passar por essa situação de isolamento. A pandemia mexe com muitas situações, principalmente nas questões de ansiedade, que afetam bastante as pessoas da minha idade — diz Luan.
Uma das maneiras de o rapaz lidar com a situação é fazer uma apresentação semanal nas redes sociais da Level ao lado de outros colegas de profissão. A equipe de casa também manda vídeos para os frequentadores, faz entrega de pizza, promoções e brincadeiras. É uma maneira de manter os laços num momento meio cinza.
Luan também é freelancer e desenvolve trabalhos como design gráfico. Tem publicado alguns trabalhos na internet pensando num retorno profissional quando tudo voltar ao normal. Pela coletividade, Luan pede apela que as pessoas não cancelem contratos com DJs, apenas prorroguem para quando a festa voltar em cada canto de Caxias. Sua amiga, Lídia, resume o momento:
— Muitos enxergam a Level apenas como um lugar para beber, dançar e namorar mas é muito além disso, os jovens que lá se encontram possuem uma média de idade entre 18 - 25 anos, uma idade onde as incertezas correm desenfreadas em nossa cabeça. Lá eles aprendem a se aceitar e gostar do que são, ser livres e conviver com as diferenças e a aceitar e respeitar opiniões contrárias às suas. Portanto, estar isolado em casa sem este espaço é frustrante não somente para nós da equipe como para todos estes jovens que não estão no seu local preferido.
“NÃO É FÁCIL. A GALERA ESTÁ FRUSTRADA”
Aos 16 anos, Jennifer Pereira descobriu seu lado empreendedor. Fã de hip hop, observou nas batalhas de rimas, eventos que reúnem fãs do ritmo, a venda de pasteis e refrigerante. Teve a ideia de assar bolos e comercializar fatias. O lucro pagaria as viagens que faria pelo Sul do país em busca de uma vaga em universidades federais. Desde novembro, as vendas iam bem, ocorriam em parques, praças e na escola. Queria passar por Santa Maria, Porto Alegre, Curitiba e Florianópolis. Com o dinheiro dos bolos, pagaria pela hospedagem e teria como se manter por algum período, caso obtivesse aprovação no vestibular de alguma das federais. No dia 20 de março, veio a notícia. As batalhas foram suspensas, não havia mais permissão para ir nos parques e a escola fechou.
A adolescente está reclusa e em dúvidas sobre o futuro que planejava há meses. Sua ideia era prestar vestibular para Biotecnologia em 2021. A liberdade que estava por vir foi substituída pelo isolamento.
— Para um jovem, ficar isolado não é fácil. Não pode sair mais, pararam os movimentos culturais, tem algumas lives na internet, mas não é a mesma coisa — lamenta Jennifer.
Na semana, sua rotina era ir a aula. Agora, tenta manter a calma e a mente ocupada com os estudos a distância. Jennifer lamenta pelos colegas que não tem internet de banda larga em casa e dependem das limitações do 3G do celular. Outros contam que conteúdo não chega da mesma forma. Não sabem o que perguntar porque não conseguem assimilar um forma diferente de aprendizado, onde sequer houve preparo.
— A galera está frustrada, tinha amigos que iam sair da casa dos pais para iniciar a própria vida, outros estavam com o primeiro emprego engatilhado e não puderam fazer nada — entristece-se.
Seu objetivo agora é acelerar as metas, conseguir produzir mais nos estudos e torcer para que encontrem uma vacina, mas a adolescente está pessimista e não acredita numa solução da medicina tão cedo.
— Minha mãe é técnica em enfermagem nos hospitais, diz que a situação está tensa, está bem preocupada, fora o medo de trazer a contaminação — teme a jovem.