Nova Pádua ganhou notoriedade nas últimas eleições presidenciáveis por um número impressionante. No segundo turno do pleito, o município da Serra teve 92,96% dos votos válidos no presidente Jair Bolsonaro, à época no PSL, e se tornou a cidade do Brasil com o maior percentual de votação no candidato vencedor. No primeiro turno, foram 82,75% dos eleitores escolhendo o 17 na urna eletrônica.
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Passado um ano e meio deste fato, no entanto, os cerca de 2.500 moradores da cidade mais bolsonarista do país vivem uma realidade diferente daquilo que tem pregado o presidente da República sobre a pandemia da covid-19. Ruas vazias, comércios quase sem consumidores e o ritmo de vida totalmente alterado.
Nova Pádua votou em massa em Bolsonaro, mas o caminho seguido pela cidade sobre o coronavírus não vai tão ao encontro do que pensa o presidente. Ainda assim, algumas ideias vindas do Palácio do Planalto reverberam no município.
— Se acreditam 100% ou não no presidente, não posso falar por toda população. Mas essa liberação gradual pode acontecer, sim. Têm as questões técnicas de saúde que precisam ser respeitadas, mas ao lado das questões econômicas, que são muito importantes também — afirma o prefeito Ronaldo Boniatti (PSDB).
Apesar desse pensamento, que se assemelha em partes com o que prega Bolsonaro, Nova Pádua é uma cidade que encarou de maneira intensa as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde. Todos os protocolos para atendimentos de pessoas que chegam com sintomas suspeitos são levados para uma área separada na Unidade Básica de Saúde (UBS) do município. Além disso, todas as pessoas que entram no posto para atendimento recebem uma máscara descartável.
Nas ruas, um decreto municipal determina que as pessoas só podem entrar em lojas e demais estabelecimentos com a peça de proteção cobrindo parte do rosto.
— Não tem que fazer o lockdown total, tem que haver ponderação. É preciso também a sensibilidade das pessoas de saber que é preciso realizar a higienização a todo o momento, quando for entrar em uma loja — afirma Boniatti.
Como característica geral das cidades menores, 46% da população de Nova Pádua é formada por idosos. Até por isso, há dificuldade de algumas mudanças de hábitos para as pessoas deste grupo de risco.
— Os próprios familiares estão segurando mais eles em casa. Mas, a maior dificuldade é no domingo. Havia o hábito de vir para a missa. Então, eles ficam com esse tempo ocioso. E era o dia em que a igreja enchia. Mas é a dificuldade de todos — diz o secretário de administração e fazenda, Pedro Quintanilha.
Para o secretário, também é impossível afirmar que os moradores de Nova Pádua conseguem ter uma linha parecida com a de Bolsonaro por conta das incertezas que ainda existem durante a pandemia:
— Acredito que isso não interfira tanto na forma das pessoas agirem. O pessoal ainda está tentando ver uma direção para encarar esse momento. E, hoje, nenhuma pessoa, nenhum governante têm essa receita de como fazer.
Referência italiana
Logo no pórtico de entrada de Nova Pádua, a frase "pequeno paraíso italiano" revela a forte ligação com o país europeu. Há inclusive uma relação de irmandade do município com a cidade de Fontaniva, na região do Vêneto. Toda a crise vivenciada por conta do coronavírus, com mais de 25 mil mortos, acaba mexendo com a população paduense.
— Temos visto bastante informações vindas da Itália. Não dá para dizer que não interfere no comportamento das pessoas. Cerca de 90% das pessoas aqui são descendentes de italianos. Isso sensibiliza. Ver o que eles passaram — afirma o prefeito.
Além da forte influência da imigração, outra característica forte de Nova Pádua está na agricultura. Isso fez com que a prefeitura exercesse um trabalho específico com os trabalhadores que vão seguidamente na Ceasa de Caxias do Sul e de Porto Alegre, centros onde o vírus está mais ativo.
Para quem fica em casa e na cidade, foram criados serviços que auxiliam os moradores de Nova Pádua no atendimento de saúde e psicológico, mesmo sem ir até a UBS.
— Temos o serviço de teleconsulta e de telescuta, onde um psicólogo vai trabalhar em função dessa ansiedade que as pessoas estão sentido com todas essas informações que estão recebendo. Tenho notado que as pessoas estão nervosas e com medo — diz o diretor de saúde pública e vigilância sanitária de Nova Pádua, Paulo Paliosa.
A rotina da cidade
No comércio local e para as pessoas de Nova Pádua, o reflexo é imediato. Para o pintor Valdir Fasspinter, o trabalho acabou há quase dois meses. Esperando o fim das restrições para que consiga o retorno das pinturas, ele tenta se virar antes do dinheiro acabar.
— Não está fácil. Eu fazia uma média de três casas por mês. Tinha umas obras contratadas desde o começo do ano para fazer em abril, mas não entrou nenhuma. Estou gastando aquilo que tenho. Depois que terminar, não sei como vai ser — conta Fasspinter.
Na loja de móveis planejados em que Franciele Salvador trabalha, o ritmo está completamente diferente. O estabelecimento retomou as atividades no final da semana passada, quando os novos decretos de flexibilização entraram em vigor. Fazendo 50% da carga horária normal, ela só trabalha três dias por semana. Nesse período já é possível perceber a diferença.
— O movimento diminuiu. As pessoas estão mais receosas, em todos os sentidos. Em fazer alguma compra ou adquirir alguma coisa e fazer um gasto maior. Como nossa linha é de móveis planejados, tem um valor agregado. Estão todos sem saber o que vai acontecer depois da pandemia — afirma Franciele.
Quando as pessoas de Nova Pádua vão ao comércio no centro da cidade, os cuidados têm sido respeitados por conta do decreto e da consciência com a saúde.
— As pessoas que frequentam estão prevenidas. Elas vão de máscara, usam álcool gel. Pessoal está bem consciente — diz a comerciante Marivone Paviani.
Sem aulas, sem vendas
Há um ano e meio, Adriane Tonet montou uma padaria em frente à Escola Estadual de Ensino Médio Luiz Gelain, no centro de Nova Pádua. Como o colégio não tem cantina, o estabelecimento de Adriane veio para suprir uma carência dos alunos com o lanche do intervalo. Com um "delivery" no portão da escola, a empresária encontrou o ponto certo para que seu negócio pudesse render.
Porém, há mais de um mês sem aulas, o prejuízo tem sido grande.
— É muito tempo sem atender a escola. E não parece, mas é 70% do meu faturamento. Baixou bastante. E nos períodos que eu podia abrir quando o horário era mais reduzido, o pessoal não vinha, porque a maioria das pessoas vem do interior. Então, estou com 20% daquilo que entrava normalmente — detalha Adriane.
A redução dos atendimentos fez com que até mesmo a ordem de trabalho fosse alterada. Para Adriane, seria possível uma abertura maior da cidade para que os rendimentos de vários estabelecimento pudessem ser reativados.
— Trabalhamos a minha mãe e eu, além de uma funcionária, que demos férias. E nós revezamos. Então, o trabalho de três reduziu para uma. Deveria ter uma flexibilização maior, principalmente dos bancos. O pessoal do interior costuma vir para isso na cidade, mas agora está tudo fechado. Essa vinda que movimenta muito o comércio mais central — concluiu a empresária.