As últimas quatro semanas têm requerido de técnicos em enfermagem, enfermeiros e médicos que atuam nas unidades básicas de saúde (UBS), Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs), hospitais e outros serviços uma dose extra de dedicação, empatia, coragem e até paciência.
Leia mais
#juntoscontraovírus: cervejaria de Gramado agora é linha de produção de álcool gel
#juntoscontraovírus: caxiense ajuda a criar "nova fórmula" para o álcool gel
#juntoscontraovírus: UCS busca doações para produzir álcool gel
#juntoscontraovírus: mãos que produzem protetores faciais
#juntoscontraovírus: mãos engajadas na causa do Hospital São Carlos
#juntoscontraovírus: mãos que fazem TNT virar proteção
#juntoscontraovírus: mãos que costuram solidariedade
#juntoscontraovírus: mãos que distribuem segurança
Desde que os dois primeiros casos suspeitos de contágio por coronavírus foram registrados em Caxias do Sul, há um mês, em 28 de fevereiro, esses profissionais têm mantido suas atividades enquanto a maioria dos demais serviços pararam. São eles que acolhem, atendem, ouvem – muitas vezes, duras críticas – e prestam assistência aos pacientes. De suspeitos a confirmados, todos aqueles que precisam são assistidos.
Nesta hora, em que as forças se unem em medidas que possam conter a pandemia, eles são a nossa primeira linha de combate. Mas é preciso lembrar que eles não são super-heróis, não têm poderes especiais nem são imunes ao vírus. Como todos, sentem ansiedade e medo e tentam manter o equilíbrio.
– Todos estamos com medo. Não tenha dúvida disso, por trabalhar no interior também temos o desafio de lidar com a aflição de uma população que não tenta se proteger, pois se sente mais segura achando que está mais longe desta pandemia. Por vezes, precisamos lembrar os nossos pacientes que, ao vierem na UBS, se tornam alvo em potenciais. Toda a equipe é de Caxias, vamos e voltamos. Não sabemos como será, pois temos muitos pacientes idosos. Orientamos que fiquem em casa. Sou técnica de enfermagem há mais de 20 anos, atuo na rede de saúde pública desde 2013, mas já atuei em hospitais, jamais vivi algo assim – relata Sônia Cristovao, que trabalha na UBS de Vila Oliva, no interior do município.
O sentimento de Sônia é replicado por profissionais de outras unidades e de hospitais. Além de lidar com o risco do contágio, eles ainda precisam redobrar os cuidados porque são elos entre o sistema e as famílias, muitas delas resguardadas em casa nesse período de distanciamento social. Um médico que prefere não ter o nome divulgado, disse que se distanciou da família, pais, sogros e amigos para preservar as pessoas que ama:
– Só venho do trabalho para casa e mercado. Acho que a gente tem que prestar assistência para as pessoas porque se não formos nós, não tem quem atenda. Estou fazendo a minha parte. Me cuidando, usando o máximo de proteção, comprei o que achava que precisava a mais. Enfim, acabo não pensando muito, porque se for diferente não conseguimos trabalhar, mas acho que a maioria das pessoas está bem paranoica com tudo isso.
– É muito difícil. Meu esposo é hipertenso, trabalha no comércio e está parado devido ao decreto. Tenho dois filhos, o mais velho de 21 e o mais novo de 13. Quando chego (em casa), mesmo sem nenhum caso em Vila Oliva, já vejo aquele olhar (dos familiares) de que parece que eu sou o próprio coronavírus entrando pela porta (risos). Entro em casa e vou para o banho direto, pois eles (familiares) ficam em casa e pegam muitas informações, nem sempre boas. Não trata-se de uma gripezinha. É uma situação muito complicada. Todo o mundo está assustado. E nós, profissionais da saúde, também. Temos que lidar com isso da melhor forma possível. Todos juntos venceremos. Eu acredito – conta Sônia.
Quem está longe quer estar perto
Lia Barbosa trabalha no Centro Especializado de Saúde (CES). Ela está afastada por motivo de saúde, mas não vê a hora de voltar para ajudar os colegas.
– Estou ansiosa pra voltar a trabalhar, ver meus colegas precisando de ajuda e não poder ajudar causa muita angústia – disse a psicóloga.
A maior parte da família dela é da área da saúde e Lia não queria seguir essa carreira, mas fez concurso para agente de regulação e entrou para o quadro da prefeitura. Passou pelo antigo Postão e agora no CES.
– A vida toda vi minha família atendendo e tendo orgulho disso. Eu tenho um carinho muito grande pelos meus colegas. Vê-los na linha de frente com menos material do que é o ideal é sofrido, porque meus colegas são minha família. Muitos estão com medo. Não tem como não ficar, mas um pouco é bom, ele (medo) nos deixa mais atentos e mais cuidadosos. A gente tem família, amigos, uma vida toda fora o trabalho, e quem gosta da vida não quer ficar doente, não quer morrer. Então, se colocar em risco é sempre difícil – explana Lia.
A prefeitura disponibiliza serviço de atendimento psicológico para os profissionais da rede. Além disso, por meio da Secretaria de Recursos Humanos e Logística, enviou nos últimos dias mensagens de apoio aos servidores com o intuito de fortalecer a importância da continuidade dos serviços prestados à população caxiense, mesmo em momentos de crise. A campanha foi divulgada em duas frentes: com o slogan #somostodosgratosavocê, em um agradecimento direcionado aos profissionais da saúde que estão na linha de frente de todo o atendimento; já a mensagem #estamosaquiporvocê é destinada aos servidores das demais secretarias a fim de valorizar o trabalho daqueles que continuam atuando para prestar o melhor serviço à comunidade.
E os pacientes, como chegam às unidades?
Segundo os profissionais da saúde ouvidos pela reportagem, o número de pessoas que procuram os pronto-atendimentos reduziu significativamente nos últimos dias.
Muitos que chegam com síndrome gripal até as unidades de saúde são de setores que ainda estão em atividade e querem atestados porque estão com medo de ir trabalhar. Ao mesmo tempo, as pessoas estão buscando atendimentos por telefone, que foram disponibilizados pelos serviços de saúde para prestar orientações. Algumas pessoas também chegam com crise de ansiedade devido ao confinamento.
Falta de EPI ainda é problema em alguns locais
A cada dia, mais e mais empresas e voluntários se mobilizam para tentar ajudar os profissionais das áreas da saúde, da segurança e trânsito a se protegerem contra o coronavírus. Foram diversas as doações, principalmente de máscaras, mas também de óculos protetores e luvas. A prefeitura também fez uma compra emergencial de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para distribuir aos servidores do município. Somadas, as ações deram um pouco mais de tranquilidade a quem trabalha no atendimento direto à população. Mas, em alguns locais, a falta de EPI específicos persiste.
Um profissional que trabalha na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Zona Norte diz que foram muitas as denúncias de funcionários atuando sem EPI em semanas anteriores. Os trabalhadores chegaram a ameaçar parar as atividades se eles não fossem entregues. Nos últimos dias, foram recebidas máscaras cirúrgicas, luvas, óculos de proteção e aventais descartáveis. Porém, segundo o funcionário, a administradora não fornece roupas para os funcionários, que acabam utilizando as próprias vestimentas.
– Alguns médicos compraram essas roupas de hospital, porque eles não fornecem. Foi uma briga para dispensarem máscaras e aventais – relatou o profissional, referindo às máscaras com a especificação N95, que são mais resistentes do que às cirúrgicas.
Profissionais que atuam na triagem dos pacientes compraram por conta própria protetores para o rosto, com medo de se contaminarem. A alegação da administradora aos funcionários seria a inviabilidade na lavagem das roupas, já que todas as peças da unidades são enviadas a Torres para higienização. Médicos, enfermeiros e técnicos estariam com medo de ir trabalhar na tenda que está sendo montada para receber pacientes com suspeita de contágio. Entre eles, por causa disso, surgiu a informação de que a administradora contrataria profissionais de forma emergencial. Mas, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, será feito remanejo dos funcionários para atender em ambos os ambientes. A SMS disse ainda que os EPIs para as UPAs estão incluídos na compra que a prefeitura fez.
A presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de Caxias do Sul (Sindiserv), Silvana Piroli, disse que a entidade está em contato com a administração desde o início da pandemia para que o município providenciasse a compra dos EPIs necessários para que as unidades básicas de saúde (UBSs) possam enfrentar a situação. Ainda conforme Silvana, a prefeitura fez uma compra e as primeiras máscaras começaram a ser entregues na sexta-feira da semana passada, dia 20:
– As UBSs, em geral, têm. Essa máscara que foi adquirida agora tem uma durabilidade maior e uma proteção maior para o profissional. Também chegaram, em algumas unidades, roupas para quem vai atender as pessoas. São poucas. Estive em alguns locais e os profissionais estavam usando os EPIs.
Silvana também disse que não tem notícia de que esteja faltando álcool gel nas unidades. Servidores confirmaram que algumas salas não tinham o produto, mas que foi entregue nos últimos dias.
Além da saúde, servidores que atuam na segurança e assistência também necessitam dos EPIs. O sindicato garante que acompanhará a questão.
– A prefeitura não tinha isso em estoque. É compreensível que vá chegando. Mas estamos vigilantes – afirmou Silvana.
O presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Alexandre de Almeida, disse que há cerca de duas semanas houve falta de equipamentos, mas que, com as doações feitas à prefeitura e com uma compra emergencial, a situação está se normalizando pelo menos nos EPIs mais básicos.
Em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), a do bairro Mariani, há máscaras (dos dois tipos) e aventais, mas os servidores se mobilizaram para ter roupas protetoras. A coordenadora da unidade deu o tecido e uma moradora da comunidade se voluntariou para costurar as peças. O resultado é que todos usam roupas semelhantes àquelas de bloco cirúrgico para trabalhar. Com isso, reduzem a possibilidade de contaminar as próprias roupas e de transmitir o vírus para os familiares.
– O kit é composto por blusa manga longa, calça e uma sapatilha de tecido para proteger os calçados – conta a médica da unidade, Caroline da Costa Pires.
Em outra unidade, a de Vila Oliva, no interior de Caxias, não faltam EPIs, segundo a técnica em enfermagem Sônia Cristovao. Mas, ela mesma diz que a situação na área rural é diferente por serem comunidades pequenas, com poucos pacientes.
– Temos materiais, EPIs para toda a equipe. Sei que existem reclamações por falta de EPIS. Nós já tínhamos óculos, máscaras adequadas, aventais. etc. Mas não podemos comparar. O número de atendimentos é bem menor – ponderou Sônia.
No Centro de Especialidades da Saúde (CES), os servidores receberam máscaras cirúrgicas. A modelo N95, apenas para os pneumologistas. Um médico que atua em hospital no município relatou que, por lá, foram entregues roupas usadas em blocos cirúrgicos para os profissionais que trabalham no pronto-atendimento. A roupa especial é lavada após cada plantão. Também forneceram máscaras com a especificação N95 para atender a pacientes com quadro gripal. Porém, a instituição disse que forneceria uma por mês a cada profissional, tempo que excede a validade do item. Toucas e luvas também são entregues. Ou seja, em alguns itens a dificuldade em relação aos EPIs é a mesma entre as redes pública e privada.
O que diz a prefeitura
“Primeiramente, é necessário esclarecer que o município planeja suas compras dentro de um período anual, com quantidades que suprem a demanda habitual com um pequeno coeficiente de segurança para atender as situações atípicas que possam ocorrer. Observando o avanço da pandemia pelo mundo, o município adotou as medidas necessárias para atender as demandas decorrentes da pandemia. De forma subsequente e contínua instalou-se um gabinete de crise objetivando o enfrentamento da mesma.
Com base nas orientações definidas por este grupo iniciou-se o processo de aquisição dos EPIs e insumos necessários; aventais cirúrgicos, toucas descartáveis, óculos de proteção, macacões impermeáveis, máscaras cirúrgicas e PFF2, álcool em gel e líquido. Os quantitativos adquiridos atendem de forma mediata as necessidades do município, ao mesmo tempo em que esta em elaboração processo licitatório para futuras aquisições
Cabe salientar que em função da falta de muitos materiais a nível nacional, os insumos estão sendo entregues diariamente, sendo que aventais cirúrgicos, toucas descartáveis, óculos de proteção, máscaras e macacões impermeáveis estão sendo disponibilizados aos servidores de forma permanente conforme recebimento, priorizando os setores de ponta, em especial à Secretaria Municipal da Saúde.
O valor investido pelo município em compras emergenciais, até o momento, gira em torno de R$ 230 mil".
Valéria Wormann, secretária de Recursos Humanos e Logística
Outros profissionais não têm a chance de parar
Na rua, em farmácias, mercados ou padarias, outros profissionais além dos da saúde se arriscam para manter atividades essenciais aos cidadãos. Para Beatris Guerra, 53 anos, as ruas são o ambiente de trabalho. Há seis anos, ela acorda cedinho para varrer as vias urbanas e calçadas para deixar tudo limpo para quando a cidade acordar e começar a se movimentar. Nos últimos dias, ela viu esse movimento decrescer e voltar a aumentar.
_ A cidade precisa estar limpa. É o trabalho da gente. Temos que fazer _ diz resignada deslizando com a vassoura e a pazinha na Rua Pinheiro Machado.
Perto dali, em frente à Praça Dante Alighieri, a enfermeira Tcharla Conrado Branco, 33 anos, estava pronta para atender aos clientes que chegassem na farmácia em que trabalha. Ela faz aplicação de medicação, medição de pressão e de glicose e atendimento.
_ Quando nos formamos fazemos um juramento e não podemos deixar a população desassistida. Até acabamos tendo que estudar um pouco mais sobre o que está acontecendo para informar as pessoas, porque eles vêm cheios de dúvidas e a gente passa confiança para eles _ lembrou Tcharla.
A situação se repete nos bairros, onde os mercados e padarias são os locais mais procurados pelos moradores que, nesse período, estão tendo que permanecer em distanciamento social. Os funcionários desses locais acabam tendo a percepção de quem está ou não ficando em casa:
_ Os idosos estão vindo um pouco mais cedo, mas muitos vêm duas ou três vezes ao dia. Problema também são alguns pais que trazem as crianças junto. A gente fica assustada porque todas nós temos família, filhos. A gente chega em casa e tenta fazer higienização antes de entrar. Ficamos inseguras, porque atendemos cerca de 300 pessoas por dia, e não conhecemos todos, não sabemos a rotina deles. Fizemos a marcação no chão para manter a distância, limpamos o caixa com álcool toda a hora. Tentamos fazer o possível, mas as pessoas que estão em casa tem que ter consciência que a gente também têm família, têm filhos, têm medo... mas não podemos passar isso para os clientes, procuramos atender o melhor possível _ diz Luiza Silva, 45 anos, caixa de um mercado do bairro Santa Lúcia Cohab.
Situação semelhante vive a sócia-proprietária de uma padaria do mesmo bairro.
_ Estamos aqui, atendendo bem, fazendo a nossa parte porque o pessoal precisa comer _ declarou Carine Borges, 41 anos.
Em outro estabelecimento, a caixa de um supermercado Alessandra Rodrigues Leite, 19 anos, sente um misto de satisfação e temor:
_ Me sinto um pouco preocupada por estar correndo risco, mas, ao mesmo tempo, me sinto bem em saber que estou ajudando para que as famílias abasteçam as suas casas.