Não haverá o glamour visto pela televisão dos carnavais do Rio de Janeiro ou São Paulo. Também não haverá os milhões de foliões de Olinda ou Salvador. Dinheiro, então, muito menos. Mas algumas coisas são certas e terão de sobra neste sábado (29) de enterro dos ossos, a partir das 19h, na Rua Sinimbu: coragem, paixão e, principalmente, o sentimento de retomada no desfile das escolas de samba de Caxias.
Depois de três anos sem movimentação em razão do cancelamento do repasse financeiro da administração municipal, as comunidades voltaram a abraçar a festa de momo na cidade. Que tem como ingrediente extra a volta às origens, na Rua Sinimbu após cinco anos (os dois últimos eventos foram realizados na Plácido de Castro). Serão apenas dois desfiles em 2020, da Acadêmicos do Arsenal, do loteamento Vale da Esperança, e da Acadêmicos do São Vicente, do bairro de mesmo nome. Na sequência, ainda haverá apresentações das baterias da Incríveis do Ritmo, Protegidos da Princesa e Pérola Negra.
Pouco para uma Caxias que já contou, nos bons tempos, com cerca de 20 entidades atuantes e ânimos acirrados durante a apuração dos resultados. No entanto, trata-se de um importante alento, motivo de comemoração para o diretor de Carnaval da Associação Carnavalesca de Caxias, Elvino Santos.
— Não se trata propriamente de um desfile, que tem outros critérios envolvidos. Será uma retomada mesmo, muito significativa. Acho que Caxias precisa de uma recuperação geral na questão cultural, muitas coisas pararam, e principalmente os movimentos populares. Mais que a falta de dinheiro, isso também desmotiva as pessoas. As comunidades gostam de viver o Carnaval — destaca.
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Em razão das incertezas, nem todas as oito escolas que hoje permanecem em atividade na cidade conseguiram se mobilizar a tempo de participar do desfile deste sábado. A São Vicente é a única que conseguiu aproveitar parte do material de 2016, que ficou guardado no barracão em razão do corte anunciado pelo poder público. Já a Arsenal contará com apoio de parceiros de outras entidades do Estado, que fornecerão as fantasias, por exemplo. Está prevista a participação da Escola Corujão, tricampeã do Carnaval de Tapes (RS).
— O Carnaval é um trabalho coletivo de todos. A partir do ano que vem, quem sabe com maiores garantias, poderemos incrementar mais o desfile, envolver todas as comunidades. O que as pessoas precisam entender é que Carnaval não é desperdício de dinheiro. É como qualquer festival cultural ou segmento artístico — salienta Santos.
O diretor ressalta também que, passado o desfile deste sábado, a Associação Carnavalesca começará a se mobilizar para definir, com a prefeitura, um norte no futuro das escolas de samba pensando na preparação, que geralmente começa em março, para a organização de uma festa maior em 2021.
— Foi um período muito triste para quem vive o Carnaval diariamente. Porque todos acabam se mobilizando, até mesmo as crianças, que gostam de participar daquilo. Mas é página virada, agora é vida nova — diz.
"Isso mexe com a tua vida"
A emoção e a alegria pelo retorno do Carnaval de rua em Caxias são flagrantes nos rostos de quem voltou a ter dedicação quase exclusiva a costurar fantasias, bordar, passar, colar, enfim, a ajustar todos os detalhes para que a comunidade esteja bem representada. Carla Patrícia Borges da Fonseca, a Neguinha, é uma dessas pessoas.
Presidente da Acadêmicos de São Vicente, uma das duas escolas que teve forças de se remobilizar para se apresentar na Sinimbu neste sábado, não cabia em si de felicidade por ter conseguido, com a ajuda de mais de 30 pessoas do bairro, a reconstruir seis alas inteiras da escola de cerca de 350 componentes, que comanda desde 2012, em tempo recorde. Nos últimos dias, o grupo trabalhou durante boa parte da madrugada para conseguir deixar tudo em ordem.
— O resultado compensa demais. Isso mexe com a tua vida, é coração, é garra. E é para mostrar para as pessoas que Carnaval não se faz só com dinheiro público. Carnaval envolve união, respeito, é uma oportunidade que a gente tem de mostrar não só as coisas que não prestam, mas a beleza. É só você se puxar que você consegue fazer. Mesmo que o básico, mas você faz — ensina.
Carla diz que, inicialmente, a São Vicente não iria desfilar. No entanto, a agremiação mudou de ideia justamente pelo envolvimento que percebeu na comunidade após a confirmação de que haveria desfile.
Com o enredo em homenagem à Nossa Senhora Aparecida, a escola até tinha algum material guardado que utilizaria no desfile em 2016, como as saias das baianas, mas grande parte das fantasias precisou ser reconstruída pelo tempo que ficou parada no barracão.
— Não queríamos ser apenas um grupo, um bloco. Se fôssemos sair, tinha que ser como escola mesmo. Somos muito unidos e isso ajudou bastante. É maravilhoso. Até teve uma época que pensei que não iria voltar. Mas agora temos que nos mobilizar para nunca mais acabar — ressalta Carla.
Prefeitura cederá a estrutura
O único valor investido este ano pelo poder público nas apresentações será de R$ 1.014, destinado para a colocação de banheiros químicos no local do evento, conforme informou o secretário da Cultura, Paulo Périco. A prefeitura também irá fornecer as estruturas para a montagem de palco, som – com carro fornecido pelo Sindicato dos Metalúrgicos — e fechamento das ruas por onde passarão as escolas.
Além disso, Guarda Municipal, Brigada Militar, Codeca, Samae e ambulâncias darão apoio ao evento. O trecho da Sinimbu entre a Alfredo Chaves e Dr. Montaury será fechado a partir das 17h. Também não serão montadas arquibancadas.
— Lógico que a estrutura não é a ideal para um desfile de rua. Mas trata-se de um primeiro passo para que a mobilização volte às comunidades — frisa Elvino Santos.
Em 2016, último ano em que as escolas organizaram os desfiles com dinheiro público, o município gastou cerca de R$ 380 mil (R$ 200 mil a menos do que em 2015). A premiação para as escolas ficou em R$ 318 mil, divididos entre nove agremiações. A campeã recebeu R$ 57,9 mil, e a vice, R$ 45,4 mil. A partir de 2017, o corte foi total.
PROGRAMAÇÃO
:: O quê: Desfile das Escolas de Samba de Caxias do Sul
:: Quando: sábado, dia 29
:: Onde: Rua Sinimbu, entre a Alfredo Chaves e a Dr. Montaury
:: Quanto: gratuito.
:: 19h: Abertura oficial e apresentação dos DJs Gui Correa e Rafa Oliveira
:: 20h: Desfile da Escola Acadêmicos do Arsenal
:: 21h: Desfile da Escola Acadêmicos do São Vicente
:: 22h: Apresentação da bateria da Escola Incríveis do Ritmo
:: 22h50min: Apresentação da bateria da Escola Protegidos da Princesa
:: 23h40min: Apresentação da bateria da Escola Pérola Negra
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