Não demorou para que a expectativa se transformasse em pesadelo, mais uma vez. Reaberta no apagar das luzes do dia 19 de dezembro pelo então prefeito Daniel Guerra (Republicanos), após mais de um ano de reformas, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Central 24 Horas voltou a se transformar em dor-de-cabeça para os usuários, que diariamente mendigam por atendimento, mas esbarram em esperas intermináveis.
O fato é que são poucos os médicos disponíveis para fechar minimamente uma escala de plantão na UPA Central sem que ocorra uma jornada de trabalho que, conforme o presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Alexandre de Almeida e Silva, pode chegar a 48 horas ininterruptas.
— A escala está lá na parede. Ouvi dizer, lá de dentro, que há médicos que estão fazendo até 72 horas. Como vão atender sem dormir? É humanamente impossível. Ou, então, eles estão dormindo. E se estão dormindo, não estão atendendo — destaca Silva.
O CMS foi criado em 2014 para, dentre outras atribuições, fiscalizar a situação da saúde pública no município. O presidente da entidade acompanhou in loco, segunda-feira (13) à noite, verdadeiros dramas na UPA Central. Como o de Vinícius Calebe dos Santos, cinco anos, que chegou com a mãe, Ariane Santos Amaral, 23, após ter caído de bicicleta e sofrer um corte na cabeça. Ele estava sangrando e teve o atendimento negado em razão de a UPA Central ainda não contar com pediatras.
— Eu que peguei ele no colo e coloquei na ambulância do Samu. Houve negligência. Vamos encaminhar um documento solicitando explicações para a secretária. A saúde não pode esperar — diz Silva, que pretende levar o fato ao conhecimento do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers).
— Nos encaminharam para a UPA Zona Norte e ainda ficamos esperando uns 30 minutos. Não foi preciso fazer pontos. Agora ele está melhor — relata Ariane.
Na tarde de terça-feira (14), a secretária-interina da Saúde, Marguit Weber Meneguzzi, aguardava por um parecer do Instituto Nacional de Pesquisa e Gestão em Saúde (InSaúde) para pedir explicações aos responsáveis pela administração da UPA Central.
— Preciso esperar por esse relatório. Tenho que entender o que está acontecendo. Quando tivermos todas as informações, se houve mesmo negligência em algum atendimento, vamos cobrar — salienta. — Com relação às escalas de médicos, elas estariam praticamente completas a partir do dia 15 — complementa Marguit.
O InSaúde foi contatado durante toda a tarde de ontem pela reportagem, mas não deu retorno sobre a situação envolvendo a UPA Central.
Nem idosos têm a preferência
Histórias de pessoas que encaram cinco, oito ou até 10 horas à espera de atendimento nas duas UPAs da cidade — Central e Zona Norte — existem aos montes. Na segunda-feira (13) à noite, conforme relatos do presidente do CMS e de outros usuários da unidade central, um senhor de 89 anos, entubado, não teve permitida a presença de um acompanhante da família.
— Eu levei minha filha, esperamos oito horas e desistimos. Mas há casos que causam indignação, como o desse senhor — relata o chaveiro Dalmir Greggio da Silva, 35 anos, que procurou atendimento para Adriele, 14, que sofre de crises de ansiedade.
— Eles falaram que quando o paciente está na urgência, não é permitido acompanhante — complementa Alexandre Silva.
A situação não estava muito diferente na tarde de terça-feira (14). Uma das salas de espera da UPA Central estava completamente lotada, com pessoas em pé, e poucos eram chamados para as consultas. Segundo funcionárias do atendimento, três médicos estavam trabalhando por volta das 15h. No entanto, a espera chegava a cinco horas em alguns casos.
Nem idosos tinham a preferência. Jandira Müller, 84 anos, chegou às 13h, acompanhada da nora Virgínia, 57, e da filha Terezinha, 53. Em uma cadeira de rodas, ela passou pela triagem, mas ainda estava longe do atendimento.
— Ela tem dificuldade para evacuar, um pouco de febre e também tem Mal de Alzheimer. Nos falaram que tinha muita gente na frente e que até o final da tarde não iam chamar — lamenta Virgínia.
Pior ainda foi a situação da telefonista Raquel da Silva Silva, 31, que aguardava em uma das cadeiras desde as 10h30min. Com problemas de garganta, ela foi chamada para a consulta às 15h40min. Ou seja, deixou o local após mais de cinco horas de espera. E sem a amoxicilina, medicação receitada pelo médico.
— Aqui não tem. Vou ter que pegar em um postinho. Dizem que tem quatro médicos, mas só um está atendendo. Você passa pela triagem e depois precisa ter paciência e esperar. Fazer o quê? — resigna-se.
Na Zona Norte, movimento diminui
A reportagem do Pioneiro também foi até a UPA Zona Norte, no bairro Centenário. Lá, a situação estava bem mais tranquila na tarde de terça (14). A reabertura da UPA Central acabou, de certa forma, diminuindo o movimento no local por motivos óbvios: o deslocamento das pessoas é muito mais fácil para a área central da cidade.
Mesmo assim, a unidade da Zona Norte não foge das reclamações frequentes de longa espera, apesar de o presidente do CMS afirmar que a escala de médicos lá não se repetir, como ocorre na UPA Central:
— Mesmo assim, o aparelho de raio X está quebrado e o pessoal lá costuma mandar as pessoas para a UPA Central. Isso é inacreditável. Parece que há uma briga entre as duas gestões.
O Instituto de Gestão e Humanização (IGH), que administra a UPA Zona Norte e avisou que deixaria de prestar o serviço até 29 de janeiro, tem reunião agendada para a manhã desta quarta-feira (15) com a nova administração municipal. Conforme a secretária interina da Saúde, Marguit Meneguzzi, a prefeitura tentará prorrogar o contrato com o IGH até encontrar uma solução definitiva para o caso.