A Procuradoria-geral do município deve ingressar na próxima semana com uma ação para tentar reverter ou amenizar a cobrança da dívida milionária com a família Magnabosco. A prefeitura não revela qual será a estratégia jurídica, mas a reportagem apurou que um dos caminhos é a discussão dos juros em um novo processo em Caxias do Sul, o que poderia reduzir o valor da conta pela metade ou para pouco menos disso.
Na quarta-feira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que o município é sim responsável por estimular a permanência dos moradores na área que pertencia aos Magnabosco e deve pagar a indenização, frustrando as expectativas.
Até então, a estimativa era de que a compensação aos Magnabosco girava em torno de R$ 820 milhões. Contudo, com base nos cálculos determinados em sentença, a defesa estima que a dívida atualizada é de cerca de R$ 680 milhões. O valor correto, porém, só será conhecido por meio de uma avaliação contábil da Justiça, o que não tem prazo para ocorrer, uma vez que ainda tramitam recursos em diferentes instâncias do judiciário que impedem a cobrança imediata.
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Dúvidas e reflexos com decisão do Caso Magnabosco
Uma hipotética reversão do caso no Supremo Tribunal Federal (STF) até vem sendo cogitada, mas com chances remotas ou nulas. O entendimento é de que a manifestação dos ministros do STJ apontam para um caso que não fere a Constituição e, portanto, o processo não deveria ser tratado no Supremo.
— Teoricamente caberia recurso para o supremo, só que a chance de êxito é muito pequena. Porque é uma ação rescisória bem específica, não tem violação à Constituição. Quatro ministros concluíram que não era cabível a rescisória e o Supremo não revê esse tipo de matéria. Não é uma questão constitucional, era uma questão legal. Nem houve discussão de matéria constitucional nesse julgamento, um ministro apenas mencionou en passant (ligeiramente) — pondera o advogado Jorge Galvão, sócio do Escritório Ilma Galvão, que representou Caxias do Sul na ação rescisória no STJ.
O jurista acredita que a discussão dos juros é algo mais concreto:
— Essa dívida pode ser diminuída, caso a municipalidade consiga aplicar o entendimento novo do Supremo em que não incide juros em terra improdutiva (caso da área dos Magnabosco). Aí reduziria essa dívida pela metade, um pouco menos da metade. Seria apenas correção monetária. Haveria juros de mora, mas só a partir do trânsito em julgado (o que ocorreu em 2009). Na verdade, incidiria juros compensatórios até a data da medida provisória que foi de 1998. De 1998 a 2009 não incidiria nada.
A procuradora-geral do município, Cássia Andréa Azevedo Kuhn, diz que já havia um plano no caso da ação rescisória não dar certo. Até então, uma das ideias era retirar o município do polo passivo do Caso Magnabosco e, com isso, não haveria a obrigação de pagar a indenização.
— Com certeza a procuradoria-geral já tinha um plano de ação para o caso de derrubada da ação rescisória. Temos um plano B e está alinhado. Acredito que até a próxima semana já tenhamos ajuizado a ação pertinente para o caso em tela — disse Cássia, sem revelar o teor.
— Foi uma decisão esdrúxula, nunca foi requerida a condenação do município nesse valores e de repente o TJ (Tribunal de Justiça) incluiu o município e ele deveria pagar em substituição aos invasores — critica Galvão.
A possibilidade do município ingressar com nova ação ou recurso pode até postergar o pagamento da dívida, mas não deve ser suficiente para anular uma condenação. Pior: pode aumentar ainda mais o endividamento. O advogado dos Magnabosco, Durval Balen, alerta para o aumento da conta diante da insistência do município. Ele diz que a família sempre esteve aberta para uma conversa entre as partes, o que abre porta para um acordo.
— Uma coisa que realmente não entendo: qualquer advogado que se debruçasse sobre o caso iria ver o resultado final desse processo — lamenta Balen.
Entenda como a invasão do Magnabosco transformou uma dívida original de R$ 53 milhões em cerca de R$ 680 milhões e pode chegar a R$ 1 bilhão dependendo de uma nova decisão judicial:
:: Os devedores
Após 25 anos de discussão na Justiça, o município de Caxias do Sul e moradores do bairro Primeiro de Maio foram condenados em todas as instâncias a pagar uma indenização aos 9 herdeiros do comerciante Raymundo Magnabosco. O motivo foi a invasão de uma área de 57 mil metros quadrados entre os anos 1970 e 1980 por dezenas de famílias. O processo foi aberto em 1983 contra os moradores do Primeiro de Maio e o município foi incluído no polo passivo em 1996.
A sentença transitou em julgado em maio de 2009. No caso, com mais de um devedor, a parte credora pode escolher de quem cobrar valores, segundo a lei. Como são diversos moradores no Primeiro de Maio e muitos não moram mais no local e outros já morreram, a defesa dos Magnabosco optou por cobrar a dívida do município. Em contrapartida, o município pode exigir o ressarcimento dos moradores até o limite de 50% do valor total da dívida.
:: O valor original
Em 2011, uma perícia da Justiça avaliou a área de 57 mil metros quadrados em R$ 53 milhões.
:: Juros, correção e honorários
Sobre os R$ 53 milhões, incidiram correção monetária e juros compensatórios de 12% ao ano contados a partir de 1983, data de ingresso de ação na Justiça. A partir do trânsito em julgado da decisão, passaram a contar também juros de mora de 6% do ano. Isto é, desde maio de 2009, os juros totais passaram a ser de 18% ao ano ou 1,5% ao mês. Na conta, também aplicou-se 15% de honorários advocatícios sobre o valor total da dívida.
:: Valor
Considerando a correção monetária, os juros compensatórios desde 1983, os juros de mora desde 2009 e os honorários, a indenização foi calculada pela Justiça, em julho de 2013, em R$ 345,23 milhões.
:: Desmembramento da dívida
O município questionou judicialmente os juros calculados sobre a soma de R$ 87 milhões da dívida. Os valores, então, foram desmembrados. Ficou definido que R$ 258 milhões eram valores incontroversos (aceitos pela parte contrária, ou seja, pelo município) e seguiriam para a cobrança. O restante, no caso, os R$ 87 milhões foram considerados valores controversos (não aceitos pela parte contrária) e foram incluídos em um novo processo. A defesa reconheceu que havia R$ 14 milhões a mais e essa parte da dívida baixou para R$ 73 milhões. Esse valor ainda está sendo discutido até hoje na Justiça e deve ter um desfecho em breve.
:: Atualização
Em junho de 2015, os valores incontroversos da dívida foram inscritos como precatórios (requisições de pagamento à Fazenda Pública relacionadas a uma sentença judicial). Na ocasião, os R$ 258 milhões de julho de 2013 subiram para R$ 304 milhões em 2015. Essa indenização deveria ter sido paga até dezembro de 2016, o que não ocorreu até hoje em função das disputas judiciais por meio de recursos interpostos pelo município em diferentes instâncias, incluindo a ação rescisória no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No caso de precatório, a atualização de valores é diferente: vale apenas a correção monetária e os juros de mora (6% ao ano). Hoje, os R$ 304 milhões de 2015 estão estimados em cerca de R$ 453,96 milhões, segundo cálculos da defesa. Convém lembrar que o valor exato pode ser maior ou menor, pois o resultado final depende de uma perícia contábil, o que ainda depende do avanço dos processos.
Os outros R$ 73 milhões da parcela controversa da dívida estariam hoje, em valores atualizados, em R$ 225,7 milhões (juros e correção monetária). Essa parte da conta está sendo discutida na Justiça.
Os R$ 453,96 milhões da parcela incontroversa são os valores estimados dos precatórios atualmente, que já deveriam ter sido pagos por determinação da Justiça. Entretanto, a prefeitura recorreu no STJ por meio da ação rescisória e de um recurso especial, o que levou à suspensão temporária do pagamento. Como o município perdeu a ação rescisória, falta o julgamento do recurso especial em que município tenta impugnar os precatórios.
Somados ao valor atualizado da outra parcela que está sendo discutida na Justiça, isto é, R$ 225,7 milhões, a conta já chega a cerca de R$ 680 milhões.
:: Cenário hipotético
Uma possível vitória do município no recurso especial no STJ faria com que os valores do precatório, hoje estimados em R$ 453,96 milhões, fossem cancelados. A dívida, porém, seria mantida. O valor desse processo já transitado em julgado, portanto, se somaria a outra parcela da dívida.
Considerando o cenário acima, os juros compensatórios, a correção monetária e os juros de mora da parte da dívida já vencida (precatórios) passariam ser contados novamente a partir da data original da estipulação da indenização, isto, é julho de 2013. No total, em caso de vitória do recurso especial, a conta total subiria para R$ 1,02 bilhão (R$ 476,26 milhões corrigidos + R$ 549,74 milhões de juros).
Por que isso ocorre: porque o precatório deixa de existir e a dívida passa ser uma só. No caso, a Justiça deve considerar o valor original da indenização em 2013, fazer a correção monetária até a data de hoje, o que atinge os cerca de R$ 476,26 milhões e acrescer os juros. Reforçando que são dados hipotéticos.