A decisão de tornar-se professor está cada vez mais difícil. Os baixos salários somados à falta de um plano de carreira atrativo e à desvalorização da profissão, fazem com que apenas 2,4% dos jovens brasileiros de 15 anos sonhem em ser mestres. O dado alarmante foi divulgado no ano passado pelo relatório Políticas Eficientes para Professores, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Vale salientar que, há 10 anos, o percentual era 5% maior, o que comprova que o interesse pela docência no país tem despencado. No Rio Grande do Sul, a situação dos professores estaduais é ainda mais grave, uma vez que eles estão sujeitos ao parcelamento dos salários há mais de três anos.
Entretanto, contrariando as expectativas mais pessimistas, a titular da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Viviani Devalle, afirma que existe um aumento no número de interessados por vagas _ ao menos para contratos emergenciais.
— No último ano, tivemos mais de 3 mil inscritos para o edital. Há candidato em todas as áreas. Sabemos que a condição dos contratos não é a ideal e que há muito de se fazer para melhorar a educação de nosso Estado, mas o indicativo é que a licenciatura ainda atrai as pessoas— diz.
Apesar do cenário turbulenta, ainda é possível afirmar que ainda existem professores que encaram o dia a dia puxado e os obstáculos com brilho nos olhos, acreditando no potencial da educação como principal ferramenta para transformar realidades e melhorar a sociedade. É o caso de Douglas Garcia, 34 anos, que há 15 anos atua em sala de aula, e de Valesca Carina Mano, 47, que há cerca de 27 anos se dedica a alfabetizar crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental.
Professor, mesmo que contando as moedas
O dia de Douglas Garcia começa cedo. O despertador soa às 4h45min. O trajeto até Antônio Prado leva cerca de 1h15min. É no município distante 54 quilômetros de Caxias do Sul, que ele ministra aulas para o 3º ano do ensino fundamental no Colégio Estadual Professor Ulisses Cabral, e para o 4º e 5º ano na Escola Estadual Narciso Verza. A primeira aula se inicia às 7h30min e Garcia só volta para seu kitnet no bairro Madureira, em Caxias, por volta das 19h.
Natural de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, o docente está há sete anos na Serra. Por aqui, além de aulas para as séries iniciais, ele também lecionou para o ensino médio. A carreira de Garcia começou em sua cidade natal, quando ingressou no magistério. Hoje, em vias de encerrar sua graduação em Geografia, ele conta não ter recebido apoio da família quando optou pela formação.
— Minha mãe foi a que mais "brigou" para que eu não fosse professor. Ela sabia das dificuldades e da desvalorização da classe ainda naquela época. Ela queria que eu ficasse em uma fábrica ou no comércio e ganhasse mais. Porém, argumentei que de nada valia eu estar em uma profissão na qual não me sentisse realizado. Então, bati o pé e disse "quero ser professor".
Contratado pelo Estado desde 2012, Garcia vivenciou todos os momentos de parcelamento do salário por parte do governo. Hoje, pelas 37 horas trabalhadas semanalmente, o professor recebe cerca de dois salários mínimos. Segundo o docente, 2016 foi sem dúvida o pior ano para os servidores:
— A gente não sabia o valor que ia entrar na conta. Foi um ano bem tumultuado. Hoje temos uma noção de quanto vai chegar para a gente. Ainda assim, continua sendo frustrante e desmotiva. O governo não respeita os professores, tanto nomeados, quanto contratados. É desgastante. Às vezes a gente pensa "será que vale a pena?". Mas como você estudou, se preparou para esta função e tem vocação, que é o mais importante, você não desiste. Então, mesmo que a gente tenha que andar catando moedinhas para vir dar aula, nós viemos com a maior boa vontade porque os alunos não são culpados da situação do governo.
Diariamente, Garcia leciona para 36 estudantes com idades entre 8 e 10 anos. Em 2017 chegou a ministrar aulas para 300 adolescentes todos os dias. Mas precisou reduzir o ritmo para melhorar sua qualidade de vida pessoal e profissional, uma vez que o tempo gasto para preparar as aulas, corrigir trabalhos e provas e ainda estudar para a graduação o exauriam física e psicologicamente.
Atualmente, apesar dos horários apertados, diz que seu dia a dia é relativamente tranquilo. Segundo ele, em municípios pequenos, a valorização da profissão é maior, assim como o engajamento da comunidade, o que o motiva para continuar acreditando no poder transformador da educação.
— Se fosse pelo salário eu já teria desistido, fico por amor. O que me motiva é saber que meus alunos, futuros cidadãos, podem mudar esse cenário de desvalorização. Amo o que eu faço. É gratificante, principalmente com os pequenos, porque tu vê o resultado do teu trabalho no fim do ano, no brilho dos olhos dos alunos. Hoje, minha mãe me vê realizado naquilo que eu escolhi para mim.
"A gente acredita, mas está desacreditada"
Entre as aulas ministradas em escolas municipais e estaduais, Valesca soma 26 anos e meio atuando como professora. Dessas quase três décadas em sala de aula, 24 anos anos são dedicados exclusivamente ao Estado. Ela conta que antes de ingressar no município, há nove anos, fazia diversos "bicos" para conseguir pagar as contas, já que o salário não era suficiente para sustentar as duas filhas.
— Uma época dava aula somente no Estado, mas decidi prestar concurso para o município. É mais estável, ao menos a gente tem a certeza de que vai receber — explica.
Professora nomeada, atualmente trabalha 20 horas na Escola Estadual João Triches e outras 20 na Escola Municipal de Ensino Fundamental Prefeito Luciano Corsetti. Assim como Garcia, Valesca também lecionava no Estado quando os parcelamentos nos salários começaram a ocorrer:
— Eu peguei aquela fase que o governo anterior pagava um pouquinho para todos. Era humilhante. Tu ia pegar teu extrato e tinha depósitos de R$ 60, R$ 50. Eles iam fazendo isso até completar o salário. Hoje, apesar dos parcelamentos continuarem, ela acaba recebendo porque está na primeira faixa de salário. Recebo uma merreca, mesmo com 24 anos de sala de aula e pós-graduação. Esse governo pelo menos nos diz o dia que vai pagar. Isso já é um certo alívio. Afinal, as contas da gente não esperam. Eu tenho outra fonte de renda, mas e quem não tem?— reclama.
Valesca afirma estar em dúvida se continuará lecionando para as crianças do João Triches. Afinal, apesar de não ter idade, ela pode aposentar-se por tempo de serviço em um ano.
— Eu nunca fiz greve em consideração aos meus pequenos, mas a gente não vê a luz no fim do túnel. O governo está querendo tirar nossos benefícios. Dependendo do pacote de medidas que for apresentado vou deixar de dar aula no Estado. É muito triste ver essa desvalorização. Quando uma das minhas filhas estava decidindo o que queria ser e me contou que pretendia ser professora, disse para pensar bem. Como é que você vai incentivar alguém nesse cenário? Parece que a educação está banalizada — protesta a professora.
O esforço de Valesca para convencer a filha mais velha a não ser professora foi tanto que ela graduou-se em Tecnologia da Informação. Porém, anos depois, a jovem acabou se tornando professora de robótica, contrariando as expectativas da mãe.
— É uma profissão desgastante, não tem como negar, mas amo muito o que faço. Desde que me conheço por gente pensava em ser profe. É vocação. Então, acho que acabei passando esse amor para ela— conta orgulhosa.
Mesmo sobrecarregada pela burocracia, pela desvalorização e pelo serviço que se acumula em casa. Valesca é categórica ao afirmar:
— Nunca iria desistir do magistério. Amo o que eu faço, não me vejo fazendo outra coisa. Isso é o mais importante. Na minha visão, a educação é a única forma de transformar alguma coisa. A gente (os professores) acredita, mas está desacreditada. Por isso fazemos tudo e mais um pouco, damos o nosso melhor todos os dias.