O Ministério Público Federal (MPF) informou recentemente que os valores bloqueados das contas da Indeal não são suficientes para quitar o débitos. A instituição também anunciou que trabalha em um inquérito para buscar a devolução de dinheiro dos clientes da empresa, mas não divulgou prazo sobre essa ação. Supõe-se que parte do montante em falta estaria convertida em moedas virtuais, o que não está devidamente esclarecido.
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É por esse e outros motivos que o advogado Fausto Pinheiro Santos, de Caxias do Sul, cita a importância de buscar garantias, procedimento que deve ser realizado via Justiça comum. Por enquanto, ele representa 20 clientes lesados por atrasos de pagamentos da Indeal, do Bitcoin Banco e da NegocieCoins.
Apesar de milhares terem feito investimentos e reclamações em redes sociais contra as empresas, poucos formalizaram a intenção na Justiça. Numa pesquisa no Tribunal de Justiça (TJ), a reportagem identificou, por exemplo, 270 ações contra a Indeal em todo o Estado. É um volume considerado baixo, pois seriam 23,2 mil pessoas que aplicaram R$ 1,1 bilhão no negócio, conforme dados da Receita - a empresa alegou, no início de agosto, que tem 15 mil clientes. Somente em Caxias, Bento Gonçalves, Carlos Barbosa e Nova Petrópolis, a Indeal captou R$ 182 milhões, segundo a Receita.
— No caso da Indeal, estamos oficiando para que o juiz reserve o valor no montante bloqueado pela Justiça Federal. Com a ação rescisória de contrato, a chance de receber aumenta para quem formaliza. Na última vez em que consultei o sistema havia pouco mais de 100 processos que identificamos na Serra, é pouco diante do volume de pessoas. O juiz vem dando liminares a nosso favor, mas ainda não tivemos retorno da Justiça federal — explica Fausto.
Conforme o advogado, o processo é semelhante contra o Bitcoin Banco e a Negocie Coins. Como nesses dois casos não há bloqueio judicial, o objetivo é identificar os recursos disponíveis e exigir a devolução. A 7ª Vara da Justiça Federal, em Porto Alegre, onde tramita o processo contra a Indeal, confirmou à reportagem o recebimento de diversos pedidos de reserva ou transferência de valores da conta da empresa para os clientes. O juiz responsável, porém, está apenas autorizando a reserva de valores no processo principal.
— A questão da Indeal pode ser resolvida rápida, pode até mesmo ocorrer acordo coletivo para quem tem processos, mas também pode continuar sem uma resolução até o final da ação penal, o que pode levar anos. Quem tiver bloqueio judicial e entrar com ação, vai ter prioridade, é claro — ressalta Fausto.
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Baixa adesão
São variados os possíveis motivos para o baixo número de pessoas interessadas em reaver valores pelas vias legais. Um deles seria a aplicação de dinheiro não declarado na Receita Federal, o que levanta o medo de uma investigação de tributos por parte do governo. Nesse caso, diversos moradores da região optaram pelo silêncio. Outros mantêm esperança de que os pagamentos serão regularizados administrativamente e temem sofrer represálias, o que seria um equívoco, uma vez que é direito do consumidor rescindir um contrato não cumprido.
Há situações em Caxias de pessoas que usaram todo o dinheiro de rescisões trabalhistas. Com vergonha, uma moradora da cidade evitou contar o caso para a própria família. Uma técnica de enfermagem passa por situação semelhante. Em maio, aplicou R$ 3,5 mil na Unick. Imaginava que obteria rendimentos extras, mas o dinheiro está trancado e não há uma resposta clara. O último prazo informado pela Unick era para o dia 14,o que não ocorreu.
— Vivem prometendo que vão liberar o pagamento um dia, depois remarcam e adiam de novo. Era a única reserva que eu tinha. Estou muito brava com tudo isso. É um dinheiro meu, da minha rescisão e quero de volta — reclama a técnica de enfermagem, que mostra o extrato da aplicação à reportagem. Ela pede o anonimato.
Como os pagamentos da Indeal e e outras empresas não estão acontecendo, o advogado Fausto sugere o armazenamento das provas das negociações para futuras ações.
— O problema é que muitos têm pouca documentação, sequer tinham impresso seu contrato, por exemplo. Vale reunir conversas de WhatsApp, troca de e-mails, prints das telas com os saldos investidos — sugere o jurista.