* Carlos Ritter é médico
Domingo, sete horas da manhã. Barulhos estranhos, como bombas, estalidos e coisas caindo. A comunidade acorda sobressaltada e pergunta: “O que está acontecendo?”. Logo sabemos, já que moramos a trinta metros do local onde tudo ocorre: o Mercado Camassola está pegando fogo.
As pessoas começam a chegar. Chambres, pantufas, cabelos em desalinho e algo em comum: a expressão. Surpresa, horror e, principalmente, compaixão. Logo veem o dono, a esposa, os familiares e os funcionários que se misturam aos vizinhos, incrédulos, sem nada poder fazer. O fogo é voraz e tudo consome, em minutos, talvez segundos. O que sobra é o olhar, o abraço, as palavras agora vazias, sem sentido e inócuas. Um extintor de incêndio vazio, vermelho como deve ser, permanece a frente do mercado, testemunha que foi do que ocorreu, porém, mudo, como todos que ali estão.
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Os que têm casa ao lado ficam em pânico. Suas casas correm risco de queimar, de desaparecer. Uma sirene é ouvida. Alívio geral, pois pelo menos alguns serão poupados do que poderia ser bem pior, pois chegam os bombeiros. Como um balé, a coreografia começa, com leveza e ensaio perfeito, contrastando com o peso do que está ocorrendo. Assumem o protagonismo do momento fatídico exprimindo que tenhamos fé que eles farão o possível e até o impossível.
E assim é o roteiro do que foi, sei lá porquê, por Deus estipulado: tudo queimou, as casas ao lado ficaram ilesas e as pessoas, como eu, pensando muito. O que pensei?
Ora, pensei que nada substitui a comunidade e sua compaixão. Nestes momentos percebemos que não precisamos de pessoas que só pensam em si e em suas vidas. Nem naquelas que tiram vantagens das desgraças que ocorrem com as pessoas. Temos que pensar antes, em prevenção, em cordialidade e harmonia. Depois, o que sobra é a compaixão e a comunidade. O abraço e a memória do extintor jogado na frente do mercado, “ alguém tentou que não fosse assim”. Isso vale ouro e crença de que esta vida vale a pena.
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