A série traz informações sobre gastos públicos. O objetivo é acompanhar os investimentos, as despesas e seus desdobramentos, além de estabelecer comparativos para que o cidadão acompanhe melhor como os gestores empregam os recursos do contribuinte
Em tempo de contenção de gastos, o cafezinho se mantém como encargo soberano nas repartições públicas. A bebida é rotineiramente incluída como despesa pública nos orçamentos, mas boa parte é consumida internamente pelo quadro funcional, incluindo secretários e CCs, além de visitantes.
Na aparência, pode não representar um grande custo se comparado a outros investimentos, contudo, ganha relevância porque atrás do café vem o açúcar, a xícara, a garrafa térmica e outros itens adquiridos com recursos lançados em orçamentos.
O volume consumido varia de cidade para cidade, mas Caxias do Sul, por ter mais servidores, é a que mais aplica dinheiro no produto. Juntas, nos últimos 41 meses a prefeitura e a Câmara de Vereadores gastaram R$ 890,6 mil com café, chá e açúcar. Professores e funcionários das unidades básicas de saúde não estão incluídos no benefício.
Leia mais da série de Olho nos Gastos
Contrato antigo do Sistema Marrecas é alvo de processo judicial em Caxias do Sul
Déficit previdenciário exigirá financiamento de R$ 1 bilhão da prefeitura de Caxias em cinco anos
A prefeitura de Caxias garante que boa parte do café e do açúcar é usada no atendimento do público em serviços de convivência e abrigos que acolhem adultos e crianças em situação de vulnerabilidade. O dinheiro empregado no período teria dado para comprar 20 mil cestas básicas para famílias pobres — a Fundação de Assistência Social (FAS) compra os mantimentos por R$ 44 cada e fornece 655 unidades todos os meses. Na vice-liderança está Farroupilha. Há gestões que aboliram a despesa do orçamento, caso de Bento Gonçalves.
Especialista em vasculhar as entrelinhas dos gastos públicos, o economista e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco, lembra que empresas privadas raramente fornecem café gratuito aos seus funcionários. Num cenário inverso, o poder público saca recursos sem pudor para fazer um agrado interno que não traz resultados à população.
— Prevalece a cultura do café na administração federal e isso se reproduz nos Estados e municípios. Só que tem o conjunto de despesas atreladas _ cita Gil.
A Associação Contas Abertas, com sede em Brasília, diz que o gasto anual na esfera federal gira em torno de R$ 55 milhões com café e serviços de copa. Recentemente, ele detectou a redução do cafezinho em setores do Distrito Federal.
— Já vimos situações que ao lado do café vem o biscoito, o lanche, isso ocorre no tribunais superiores, tomam lanche com dinheiro público. Claro que o corte do café não vai reequilibrar as contas públicas, mas isso jamais pode ser visto como uma despesa obrigatória — reforça o economista.
"Isso nunca se discutiu, apenas se aceita"
Na conta do cafezinho demonstrada nesta reportagem, não está incluído o encargo de outros componentes complementares como filtros de papel, copos, xícaras, garrafas térmicas e cafeteiras. No Centro Administrativo e nas secretarias de grande porte de Caxias, por exemplo, há ainda o trabalho de servidores no preparo da bebida. Em outros locais, como subprefeituras, quem faz o café é o funcionário do setor.
Doutor em Direito e ex-servidor público aposentado, com passagens pelos gabinetes da prefeitura, o professor e advogado Adir Rech diz que a distribuição de café começou inicialmente para prefeitos e secretários. Com o tempo, as administrações foram incluindo a bebida para os servidores de todos os setores.
— Isso nunca se discutiu, apenas se aceita. Mas não há apontamento contrário do Tribunal de Contas — lembra.
A Secretaria de Recursos Humanos e Logística garante que a FAS e a Secretaria da Saúde recebem o maior volume adquirido para uso na prestação de 26 serviços que atendem à população, alguns com preparo de alimentos. Nas unidades administrativas, há direcionamento para disponibilizar o café especialmente para os serviços de acolhimento como o Centro de Referência da Mulher e a Casa de Apoio Viva Rachel. A outra indicação é usar os produtos para atendimento a público externo, que exige período maior de permanência, a exemplo da Sala do Empreendedor e sessões de licitação, e no apoio na prestação de serviços com atividade exposta ao clima ou trabalho noturno. Em outros locais, o café fica disponível em reuniões e treinamentos, entre outros.
Corte
O Fórum e o Ministério Público de Caxias do Sul não fornecem cafés e chás para os servidores.
Três cafeteiras por R$ 32,6 mil
Dos gastos previstos com café para este ano em Caxias do Sul, chama a atenção a compra de 3 cafeteiras modelo industrial ao custo total de R$ 32,6 mil. Uma cafeteira, de 50 litros, custará R$ 11,2 mil. Outras duas, de 20 litros, custarão juntas R$ 21,4 mil. Foram licitadas 18 cafeteiras elétricas, de seis litros, a R$ 730 cada uma, totalizando R$ 13.140. Somados, os gastos chegarão a R$ 45,7 mil.
A cafeteira de 50 litros e uma de 20 litros serão usadas no Centro Administrativo da prefeitura. A outra cafeteira de 20 litros irá para a sede da Secretaria Municipal da Educação (Smed).
As cafeteiras menores serão distribuídas na Secretaria da Cultura e na Secretaria do Meio Ambiente. Segundo a prefeitura, a compra foi autorizada para substituir os antigos equipamentos, uma vez que a área de segurança apontou risco de acidentes e há de ajustes de instalações por recomendação dos Bombeiros. Devido às características dos prédios, considerando a condição técnica e financeira, a opção mais viável foi a substituição.
COMO É EM OUTRAS PREFEITURAS
Depois de Caxias do Sul, Farroupilha é a que mais gasta com café entre as principais cidades da região. Segundo informações da prefeitura, em 2018 foram adquiridos um total de 831 quilos de café e 7.645 quilos de açúcar. Do total, 3.240 quilos ou 38,3% foram consumidos no Centro Administrativo, no Centro de Atendimento ao Cidadão (CEAC) e nos demais departamentos e secretarias. O restante, 5.326 quilos, ingressou no estoque das escolas municipais.
Em Flores da Cunha, a compra de café para consumo interno não é realizada por meio de pregão como em Caxias ou Farroupilha. A prefeitura loca duas máquinas de café e chá por R$ 160 por mês e disponibiliza os equipamentos no Centro Administrativo. A matéria-prima da bebida é adquirida pelo município e está disponível gratuitamente para o público. Em média, é comprado cinco quilos de café, cinco quilos de açúcar e dois quilos de pó de chá por mês.
Em Vacaria, o café é adquirido para o gabinete do prefeito e um pequeno volume para os demais setores. Mas o estoque é pouco e, no restante do ano, os funcionários pagam o café com dinheiro próprio.
Em São Marcos, a bebida também não é disponibilizada com recursos da prefeitura. Se servidores e CCs quiserem consumir, precisam juntar dinheiro para adquirir o pó e o açúcar.
Em Bento Gonçalves, a compra de café para consumo interno está suspensa desde 2013. O café é distribuído apenas no gabinete do prefeito para visitas, o que consiste na compra de 10 pacotes de 500 gramas por mês. Em outros setores, os servidores e CCs dividem a conta. Conforme o secretário interino de Governo, Carlos Henrique Sehn de Quadros, a medida foi aplicada dentro de um pacote de redução de gastos. Na época, com as finanças municipais em crise, o prefeito Guilherme Pasin elencou cortes, o que abrangia a gasolina, diárias, telefonia e cafezinho, entre outros.
A água mineral paga com dinheiro público também foi abolida. Hoje, as bombonas são compradas pelos próprios funcionários.
— Houve questionamento sobre o corte do cafezinho. Muitos disseram que não faria diferença no orçamento, mas tudo é uma soma. Por outro lado, tem um efeito educativo para fazer com que se economize no que for preciso — diz Quadros.
Leia também
Daer libera parcialmente o trânsito na Rota do Sol, em Itati
Pais de alunos que foram transferidos para estudar em capela mortuária temem fechamento de escola em Caxias
Caminhoneiro morto em acidente em Bento Gonçalves será sepultado em Candelária