“Só por hoje”. Essa expressão tem um significado imenso para quem enfrentou, ou ainda enfrenta, problemas com o uso de drogas. É uma expressão diária que renova a convicção por manter-se limpo. “Só por hoje” é também proferida por Rudinei Sperafico, 40 anos, há nove sem usar drogas, incluindo o álcool, lícito e socialmente aceito, mas porta de entrada para uma a lista sem fim de entorpecentes.
– Eu sou um dependente químico em potencial. Essa doença tem tratamento, mas não cura – avalia Rudinei, desde 2011 um dos monitores da Comunidade Terapêutica da Pastoral de Apoio ao Toxicômano Nova Aurora (Patna), de Caxias do Sul, uma das 15 entidades a ser beneficiada com a Feijoada do Pulita, que ocorre dia 13 de julho.
Rudinei se reconhece como um “dependente químico em potencial”, por isso, precisa discernir suas motivações, intenções e desejos:
– A maioria das pessoas que se interna tem um nível mais grave da doença. E não é simples assim manter-se firme. É uma doença do autoengano, da manipulação e da negação.
Rudinei foi usuário de drogas por cerca de 20 anos, sendo que nos três últimos ele viveu no que chama de “fundo do poço”. Músico profissional desde a juventude, perdeu o emprego em uma banda de baile, entre outros bens materiais, por causa da fissura:
– Eu ia buscar drogas vomitando. Eu dizia que se eu não fosse comprar drogas eu ia morrer. Mas, no fundo, eu sabia que se eu continuasse me drogando eu também poderia morrer.
O relato nauseante de Rudinei é mais comum do que se imagina. A Patna tem capacidade para atender a 42 pessoas, que enfrentam o dilema: usar para não morrer ou usar mesmo sabendo que drogar-se de forma intensiva pode levar à morte?
Primeira dose, doce
– A primeira vez que eu provei cerveja foi numa festa de criança, quando os adultos saíram de perto, eu experimentei. Achei amarga, então coloquei açúcar – revela Rudinei, que bebeu a primeira dose aos sete anos.
Rudinei acompanha muitos casos de dependentes químicos, muitas histórias bastante similares ao que ele vivenciou e explica que o álcool é socialmente aceito e muitos, como ele, começam a beber na infância.
– O perfil mais difícil de lidar é o alcoolista, ele é o mais teimoso. O dependente químico, que usa cocaína e crack, se mostra mais aberto, mas na verdade é manipulador, diz que está tudo bem, que já entendeu o recado, mas sabemos que não está nada bem. É uma “falsa aceitação” – avalia.
Uma droga leva à outra
Antes de completar 18 anos, Rudinei já havia transitado do álcool para a maconha e daí para a cocaína.
– Eu comecei a usar drogas para buscar afirmação. Quando eu entrei na comunidade terapêutica, então com 31 anos, eu não tinha essa idade que eu dizia ter. Não me reconhecia como um homem. Não tinha atitudes e responsabilidades de um adulto.
Rudinei disse que o fato de ser conhecido como o “cara que estava sempre bêbado” até ajudava a mascarar o uso de outras drogas.
Novo olhar através da fotografia
– Me tornei fotógrafo depois do tratamento na Patna. Meu olhar é para as coisas belas, relacionadas à natureza, como criação de Deus.
Depois dos nove meses acolhido na Patna, Rudinei foi encaminhado para um estágio em Lajes. A sugestão pelo estágio em outra comunidade, desta vez para trabalhar, funcionava como uma maneira de reforçar os 12 passos, metodologia utilizada no tratamento de dependentes químicos mundo afora.
– No estágio, levei um celular e passei a fotografar o que eu via. Comecei a perceber de novo as mudanças das estações – diz.
Intercessão e evangelismo
Rudinei chegou a participar das chamadas reuniões da Patna, com atendimento e aconselhamento psicológico. Ficou “limpo” por quatro meses, mas jogou tudo para cima. Entende hoje, que encarou as reuniões porque estava sendo pressionado por causa de um eventual desligamento da banda em que tocava. Quase três anos depois, resolveu desistir de resistir. Mas o que fez Rudiniei buscar ajuda?
– Acho que isso se deve à intercessão da minha mãe (Ana Maria Sperafico), que sempre rezava por mim, porque eu estava matando a minha família – desabafa.
Abraçada à fé, dona Ana agarrou-se ao último fio de esperança. A mesma fé que hoje o filho prega, louva e vive.
– Hoje eu sou casado, sou fotógrafo e tenho um grupo de oração, o Patna e Louvor, que traz a mensagem de Jesus através da música – conta Rudinei, há seis anos casado com Renata da Silva.
Os 12 passos acabam por ser o norte da vida, antes sem propósito. A primeira lei ensina: “Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas tinham se tornado incontroláveis”.
– Não são 10 anos que estou limpo que garantem alguma coisa.
É por isso que Rudinei, ao amanhecer, agradeceu a Deus por mais um dia e proferiu: “Só por hoje”.