A série De olho nos gastos trará informações sobre os gastos do Executivo e do Legislativo. O objetivo é acompanhar os investimentos, as despesas e seus desdobramentos, além de estabelecer comparativos para que o cidadão acompanhe melhor como os gestores empregam recursos públicos.
Está marcada para quarta-feira, 27 de março, a primeira audiência do processo que julgará supostas irregularidades na contratação do projeto executivo do sistema produtor de água da Barragem do Marrecas, em Caxias do Sul. O contrato de R$ 1,034 milhão foi celebrado entre o Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) e a empresa STE Serviços Técnicos de Engenharia Ltda em março de 2008.
É o único caso que virou ação judicial em meio a uma série de denúncias recebidas pelo Ministério Público (MP) de problemas na aplicação de recursos financeiros na construção do Sistema Marrecas entre os anos 2007 e 2012. A promotoria questiona a falta de licitação e valores que teriam sido pagos a mais em alguns itens do contrato.
Foram denunciados criminalmente o ex-diretor do Samae e atualmente diretor de expansão da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), Marcus Vinicius Caberlon, e o ex-procurador jurídico da autarquia, Natalino dos Santos. Como a acusação do MP foi aceita pela Justiça, testemunhas e possivelmente os dois réus devem ser ouvidos no dia 27 de março na 4ª Vara Criminal do Fórum, onde tramita o processo.
Em relação ao mesmo contrato, Caberlon e Santos e a STE são réus numa ação pública de improbidade administrativa na 2ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública, processo também movido pelo MP.
Argumentos do MP
Conforme a denúncia, o contrato entre a empresa de engenharia e o Samae foi assinado no dia 25 de março de 2008 com dispensa/inexigibilidade de licitação, o que, segundo o MP, fere o artigo 37 inciso XXI da Constituição Federal e a lei federal 8.666/93. Assinada pelo promotor Cassiano Marquardt Corleta em maio de 2017, a denúncia diz que Caberlon, por ser diretor do Samae, e Natalino, por ser o representante jurídico da autarquia, não observaram os artigos 24, 25 e 26 da lei federal, que elencam em quais situações cabe a dispensa ou inexigibilidade de licitação.
Num documento interno do Samae e anexado ao processo, o diretor da autarquia justificou a dispensa porque o serviço a ser contratado tinha caráter de urgência e o não atendimento no prazo traria grandes prejuízos financeiros e políticos sociais para Caxias do Sul. Conforme o promotor, o prazo citado no documento fazia referência a uma projeção de déficit no abastecimento de água em 2025 — ou seja, um problema previsto para ocorrer em 17 anos.
Outro argumento citado no documento era necessidade de apresentar projetos executivos para buscar recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. As duas situações, na visão do promotor, não se enquadravam nas hipóteses de inexigibilidade ou dispensa previstas na lei. Corleta ressalta que não há menção de decreto da prefeitura ou instrumento equivalente no processo administrativo do Samae sobre situação emergencial ou calamitosa que justificasse a dispensa e inexigibilidade de licitação.
Além disso, segundo o MP, o Samae pagou valores mais caros em relação ao que era praticado no mercado por alguns servidos do contrato. A STE recebeu R$ 260 por cada metro de sondagem de percussão (exploração e reconhecimento do subsolo) enquanto uma concorrente forneceria o mesmo serviço pelo valor de R$ 30 ao metro. Da mesma forma, o Samae pagou R$ 110 por cada metro de sondagem a trado (perfuração para a coleta de amostras para análise), sendo que uma concorrente cobrava R$ 32 pelo mesmo trabalho. Conforme o MP, a partir de cálculo realizado pelo Gabinete de Assessoramento Técnico (GAT), o Samae pagou a mais um total de R$ 51.320 (valores de 2008), na comparação entre o preço contratado com a STE e o valor ofertado pela concorrência na época.
VERSÕES DA DEFESA
O que diz Paulo de Vasconcellos Chaves, um dos advogados da empresa STE
"Por força do contrato nº 026/2008, a STE foi a empresa responsável pela elaboração de projeto executivo da estação de bombeamento de água bruta (EBAB), da adutora de água bruta, da estação de tratamento de água (ETA), da adutora de água tratada e do reservatório de chegada. Nesse contexto, a participação da STE foi fundamental para o êxito do empreendimento e constitui-se em motivo de orgulho para a empresa e seus gestores, primeiro por ter executado um trabalho de alta qualidade técnica e preço justo, e segundo por ter contribuído para estancar o recorrente problema de falta d´água junto à comunidade caxiense.
A proposta da STE foi escolhida por ser a de menor preço para elaboração de projeto executivo da estação de bombeamento de água bruta; da adutora de água bruta; da estação de tratamento de água; da adutora de água tratada e do reservatório de chegada, entre outros. Apenas o preço de um item desses serviços é questionado pelo Ministério Público no processo, o de sondagens. A acusação de que a empresa teria recebido valores acima do preço de mercado para os serviços de sondagem parte de premissa equivocada. Os serviços foram prestados pela STE ao Samae pelo valor correto e de mercado. Os preços de sondagem, trazidos na ação, pelo Ministério Público, com relação à concorrência, são imprestáveis como parâmetro, pois são referentes a serviços que não podem ser comparados com aqueles prestados pela STE, nem em sua dificuldade (serviços executados em condições físicas e geográficas absolutamente distintas), nem em sua finalidade (elaboração de um projeto de obra de engenharia de grande porte), e a forma de cotação de preço de tais serviços também é diversa daquela feita pela STE. Esses fatos estão provados nos autos.
Ademais, importa destacar que o valor total de tal contrato de engenharia especializada _ preço do projeto executivo de sistema de abastecimento de água _ ficou em apenas 0,9367% do valor da obra pronta, o que está absolutamente dentro dos valores praticados no mercado e aceitos pelos órgãos financiadores internacionais (BID/BIRD/CAF e outros). Por exemplo, o Tribunal de Contas do Estado, em casos similares, aceitou como dentro dos parâmetros o custo de projeto correspondente a 1,77% do valor da obra (quase o dobro do que foi cobrado pela STE nesse caso de que ora se trata). O preço cobrado pela STE, pois, está muito aquém dos limites aceitos pelo Tribunal de Contas do Estado do RS, denotando a seriedade com que o assunto foi tratado no âmbito do Samae.
Além disso, os serviços de sondagem questionados pelo MP correspondem a 4,69% do valor do projeto, o qual por sua vez corresponde a 0,9367% do total da obra pronta. Traduzindo os números, estamos falando da discussão sobre serviços que representam 0,043% do total da obra. Isso também está comprovado nos autos."
O que diz Fabiano Barreto da Silva, um dos advogados de Marcus Caberlon
"Inobstante o ex-diretor do Samae e sua defesa técnica prestigiarem e respeitarem a competência e importância do Ministério Público na sociedade, no presente processo tem-se que houve um total e completo equívoco na confecção da denúncia. E, assim se afirma porque a suposta dispensa indevida de licitação para a contratação da empresa STE e o teórico prejuízo imputado pelo MP, na ordem de R$ 50 mil, supostamente advindo de um contrato de mais de R$ 1 milhão e que era integrante do Sistema de Abastecimento de Água do Arroio Marrecas, cujo orçamento era de mais de 130 milhões, não existiram por inúmeros motivos, sendo estes apenas os três principais:
1 - Porque previamente à contratação da empresa STE por dispensa de licitação, houve uma pesquisa de preços e o orçamento por ela apresentado foi o mais baixo dentre os três encaminhados para o Samae.
2 - Porque havia urgência na contratação de empresa para os serviços iniciais, os quais foram efetivamente executados pela STE, pois indispensáveis (levantamentos topográficos, prospecções geotécnicas, projetos de rede adutora, de estação elevatória e estação de tratamento e reservatório de água) para que não houvesse a perda de prazos em relação ao financiamento da União, com recursos do PAC.
3 - Porque não houve qualquer prejuízo ao Samae advindo da contratação da STE, sendo o valor apontado pelo MP fruto da sua própria confusão e falta de entendimento técnico, pois usou parâmetros de serviços diferentes aos que foram prestados para o Samae como comparativo.
Por isto e por tudo o mais que já está carreado aos autos, bem como pela instrução probatória que será realizada, tem-se absoluta convicção que a Justiça será, na maior brevidade possível, feita e, a única solução que poderá ser dada ao caso é a absolvição de Marcus Vinicius Caberlon, uma vez que não existiram os crimes que lhe foram imputados. "
O que diz a defesa de Natalino dos Santos
A defesa de Natalino preferiu não se manifestar sobre o processo.
SAIBA MAIS
De 12 inquéritos civis instaurados pelo Ministério Público (MP) desde 2007 para investigar supostas irregularidades nos contratos entre Samae e empresas para a construção do sistema Marrecas, 10 foram arquivados por inexistência de fraude ou má-fé. Uma denúncia ainda está sob investigação pelo MP e outra envolve o processo citado nesta reportagem. A obra total custou R$ 259,6 milhões.
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