Na casa de Marines Bresolin Zanon, 47 anos, é assim: pelo menos uma vez por mês um dos disjuntores da rede que fornece energia elétrica para a localidade de Entre Rios, distante 10 quilômetros da área urbana do município de São Jorge, desarma e os moradores ficam às escuras. O último episódio ocorreu no dia 24 de fevereiro, um domingo.
– E o olha que só deu uns pingos – disse indignada a produtora da agroindústria familiar.
É que em dias de temporal, vento ou chuva fortes a falta de luz é recorrente. De tanto perder alimentos, a família comprou um gerador. O equipamento garante que os mantimentos não estraguem e que a produção de massas e biscoitos não pare. Mas o custo é alto. Dois dias de gerador ligado ininterruptamente equivalem a R$ 100 em gasolina, segundo ela.
Em geral, conforme relato da moradora, a religação por parte dos técnicos leva menos de cinco minutos mas o tempo para que uma equipe desloque até o interior para atender ao chamado demora dias.
– Nós aqui há anos temos esse problema. Já chegamos a ficar três, quatro dias sem luz e é bem seguido. Tem vezes que dá até três vezes num mês – relata Marines.
Nos períodos de apagão, os vizinhos de Marines que trabalham com gado leiteiro fazem queijo para não perder o leite mas já houve vezes em que o produto de dias foi jogado fora.
São 13 famílias na comunidade atingidas por longos períodos sem luz em casa e para tocar a produção. A maioria dos moradores aderiu ao uso de geradores, mas os aparelhos não têm potência suficiente nem são tão eficazes quanto a energia elétrica para manter os freezeres no grau de resfriamento adequado e as máquinas funcionando.
Há cerca de três meses, a RGE concessionária de energia na região fez a troca de postes que estavam danificados na localidade. Era a esperança de que os problemas na rede fossem acabar. Porém, isso não aconteceu.
Na localidade de Faria Lemos, interior de Bento Gonçalves, a família do agricultor Marcelo Moro, 42 anos, passa pela mesma dificuldade. Ele mora com os pais, Maria e Walter Moro, de 70 e 81 anos, respectivamente, e trabalha com cultivo de verduras e uva em uma propriedade rural que fica a 18 quilômetros da área central de Bento. No final de janeiro deste ano, eles e outras três famílias dos arredores ficaram sem energia elétrica por três dias seguidos, depois que um temporal danificou a rede. Os tios de Marcelo, que moram perto da casa dele, também ficaram sem água porque não tinham como acionar a bomba que puxa água do poço artesiano.
– A gente estava na safra (colheita de uva). Tinha mais pessoas em casa. A gente jantava e tomava café a luz de vela. Além disso, perdemos as carnes do freezer. Na cidade, se liga e eles (funcionários da RGE) vêm direto. No interior é complicado – lamentou o agricultor que também atesta passar pela situação frequentemente.
Moradores se sentem abandonados
As queixas de descaso, tratamento desigual e abandono ganham eco no interior de Nova Roma do Sul. Agricultores e produtores de leite da localidade de Capela São Roque, na Linha Castro Alves, relatam inúmeros protocolos de chamados nos últimos dois anos e, com eles, prejuízos. Mais do que isso, amargam indignação e sentimento de impotência diante de um problema que ressurge a cada chuva.
Neste ano, já foram pelo menos três ocorrências num total de sete dias sem luz entre janeiro e fevereiro.
O agricultor Luiz Antônio Sundstron, 45 anos, mora distante sete quilômetros da área central de Nova Roma e refere a dificuldade de ter a luz restabelecida:
– A gente liga para operadora e eles dizem que está sendo encaminhado com urgência, mas não vêm. Somos sempre segundo plano. A gente carneia o boi em casa, faz a massa, o pão, tira o leite... a gente tem muito mais dificuldade do que quem mora na cidade porque tem que armazenar essas coisas e manter em freezer, geladeira. E três dias sem luz, nada aguenta. Temos um geradorzinho a gasolina, mas não dá conta. Em janeiro e fevereiro, duas vezes, tive que carregar o freezer de trator e carreto e levar até o salão da comunidade, onde tinha energia, para não estragar tudo.
A falta de luz ainda impede a fabricação de ração para o gado e o funcionamento das ordenhadeiras. Além disso, as famílias ficam praticamente incomunicáveis.
– A gente usa triturador para fazer ração e quirela. Daí, falta (luz), para tudo. Para ordenhar vaca é só manual. Tomar banho só de bacia ou de água fria. E quando anoitece é lampiãozinho, janta e cama. Fazer o quê? Celular tem que colocar a carregar no rádio do auto, se não, não tem nem telefone – diz indignado o agricultor.
Na casa de Sundstron são seis pessoas – o casal, duas crianças (filhos deles, de 12 e seis anos) e dois idosos (pais dele, com 70 e 71 anos).
O que diz a RGE
Demora no atendimento na área rural:
O tempo para a religação da energia depende de cada ocorrência. Em temporais, a prioridade inicial é afastar qualquer risco ao sistema elétrico e à população, e, na sequência, religar os clientes dos serviços essenciais (como serviços de captação e distribuição de água, serviços de saúde, segurança pública, etc.). A recomposição também segue uma lógica técnica referente aos componentes da rede elétrica: as subestações, as linhas de transmissão e subtransmissão e os alimentadores são priorizados tendo em vista que a energia não chegará às redes de baixa tensão (clientes residenciais) se esses componentes não estiverem em operação.
Uma das principais causas da falta de energia, principalmente em dias de vento, é o toque de galhos e quedas de árvores na rede elétrica. O acesso a alguns locais, principalmente na área rural, também é difícil em função de estradas muitas vezes bloqueadas ou com solo que impossibilita o tráfego de um caminhão, por exemplo.
A RGE prima pela segurança dos seus funcionários e dos clientes em todas as suas operações. Quando há desligamentos, a rede elétrica só é religada após uma completa inspeção a fim de garantir que nenhum componente apresente defeito.
Logística para atender municípios onde não há unidade da empresa:
A maior parte das equipes da RGE se concentra em cidades de médio e grande porte, por questões de logística e maior demanda, e delas partem para os municípios menores quando há ocorrências a serem atendidas. No entanto, há equipes de manutenção fixas também em municípios pequenos. A RGE tem bases regionais em várias cidades da Serra, como em Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Flores da Cunha, Nova Prata e São Marcos. As equipes que atendem as ocorrências de rotina, em geral, partem dessas bases. Contudo, em situações de contingência, nos temporais, a RGE pode deslocar equipes de outras bases para atender a região.
Verificação da rede de energia:
Cada ocorrência tem a sua particularidade. Com a instalação de equipamentos tecnológicos nas redes, como os religadores automáticos, é possível que um defeito seja identificado sem que uma equipe tenha que se deslocar presencialmente até o local. Em outros casos, é necessário percorrer a rede para identificar a causa do desarme. Cabe ressaltar que, em muitos casos, o defeito que causa falta de energia não está próximo da residência do cliente. Como as redes são todas interligadas, a causa do desarme pode estar a quilômetros de distância. As equipes da RGE têm todo o preparo para identificar o problema e proceder os reparos necessários. Todas as equipes da RGE são direcionadas pelo Centro de Operações Integrado (COI). Elas saem das suas bases com uma ocorrência pré-determinada que deverá ser atendida seguindo avaliações técnicas de operação e de segurança. As equipes só podem atuar com a devida autorização.
Cálculo do consumo no interior e desconto na conta de luz dos dias sem energia elétrica:
Nas áreas rurais, os clientes de residências e pequenos comércios têm as leituras dos seus medidores feitas a cada três meses. Nos meses dos intervalos, o cliente poderá informar, pelos canais de atendimento, o seu consumo para que a fatura do mês equivalha ao seu consumo real ou, então, serão faturadas as contas desses meses por média. Um eventual consumo a mais será cobrado no mês subsequente. Em relação as compensações individuais, o Prodist (Procedimentos de Distribuição), assim como a Resolução 414/10 da Aneel, estabelece critérios e metas individuais de tempo e frequência de falta de energia para cada consumidor, neste sentido sempre que violados estes, a concessionária realiza automaticamente uma compensação financeira (desconto) aos consumidores diretamente em suas faturas de energia elétrica em até dois meses subsequentes ao ocorrido.
Ressarcimento de perdas em função da falta de luz:
Os consumidores que tiveram algum tipo de dano causado por problemas na rede elétrica podem entrar em contato com a RGE através dos canais de relacionamento. Os pedidos de indenização são avaliados conforme a Resolução Normativa n. 414/10, da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).