Quem se dedica à proteção animal é movido por um sentimento forte: a vontade de mudar uma vida. O amor aos animais motiva voluntários e protetores independentes a se levantar, todos os dias, e seguir adiante na causa animal, mesmo quando o desânimo toma conta. Assim descreve Corina Libera Pivotto Meletti, 79 anos. Uma das fundadoras da Sociedade Amigos dos Animais (Soama), a senhora simpática e de sorriso franco não lembra exatamente das datas, mas guarda na memória a maioria dos cães e gatos que passaram pela chácara ao longo dos primeiros anos.
A Soama nasceu em 31 de agosto de 1998, no lugar da Associação Riograndense de Proteção aos Animais (Arpa). O terreno localizado em São Virgílio da 6ª Légua pertencia à prefeitura e foi doado à Arpa pelo então prefeito Pepe Vargas (PT). Após conversas, os voluntários decidiram criar a Soama, que seria uma entidade caxiense de proteção ao bem-estar animal. Dois anos depois, a ONG firmou convênio com o município, após solicitar ajuda ao Ministério Público para manter os cães e gatos que eram recolhidos ou abandonados nos portões da chácara.
Para Corina, o maior desafio era conscientizar as pessoas que os animais têm sentimentos, dor, medo, e precisam de atenção e carinho, não apenas de comida e água:
— Se hoje é difícil, imagina há 20 anos. Para poder alimentar os animais que mantínhamos na chácara, íamos aos restaurantes buscar restos de comida, cozinhávamos arroz e pedaços de frango. Ração era algo que sonhávamos em ter, mas não tínhamos dinheiro para comprar.
Há 20 anos, a área da chácara era ainda mais afastada da cidade, e para abrigar os animais era preciso construir casinhas. Corina conta que, com madeiras doadas, o marido dela, Adarcy Meletti, 80, a acompanhava na missão de cuidar dos bichinhos.
— Íamos todos os dias até São Virgílio. Não tínhamos sábados, domingos ou feriados. Na época, poucos veterinários nos ajudavam, então, às vezes, me diziam o que fazer, como medicar, e nos virávamos. Perdemos algumas vidas, mas salvamos muitas outras. Passamos muito trabalho, sofremos muito, mas eu sou feliz por cada vida que conseguimos mudar — afirma.
A diretora de marketing da Soama, Natasha Oselame Valenti, 41, é filha de outra fundadora e que continua na entidade: Dinamara Maria Oselame Valenti, 66. Ela lembra as dificuldades enfrentadas:
— Meu maior orgulho é a minha mãe, que está na Soama desde o início. Muitas pessoas passaram pela entidade e contribuíram pelo bem dos animais. Eu lembro de acompanhar a minha mãe e a dona Corina. O desespero delas para conseguir recursos para comprar alimentos, remédios, dedicando todo o tempo para mudar a vida dos bichinhos. Ninguém nos atendia, éramos visto como pessoas que não tinham o que fazer. Nos mandavam lavar uma louça e nos diziam: "Bicho é bicho" — lembra.
Após deixar administração da chácara, Soama precisa se reinventar
Até outubro de 2016, a prefeitura repassava uma verba mensal à Soama. Naquele ano, surgiram denúncias de maus-tratos, houve protestos e o Movimento Gaúcho de Defesa Animal (MGDA) entrou com ação civil pública contra a entidade. A Comissão Temporária Especial de Proteção e Defesa dos Direitos dos Animais, da Câmara de Vereadores, apresentou um relatório sobre a Soama. As denúncias começaram em maio e se intensificaram ao longo dos meses. Em agosto, um cachorro foi retirado da chácara por ordem judicial. Em 1º de setembro, um dia após a Soama completar 18 anos, a direção decidiu deixar a administração da chácara onde estavam 1,2 mil cães e gatos.
Natasha lembra que, nesses 20 anos, a Soama teve conquistas, mas também enfrentou uma série de adversidades:
— Enfrentamos resistência para adotarem animais adultos, mais velhos, e cães de médio e grande porte, porque a cultura de comprar um bichinho ainda é muito forte. Pela falta de dinheiro, a maioria dos animais ficava em casinhas, presos em correntes.
A chácara chegou a ser conhecida como "Cãodomínio" e "A Favela de Cães do Brasil". Não era o sistema o ideal, admite Natasha, acrescentando ter ouvido críticas como a de que manter o abrigo não era ajudar, mas sim acostumar a cidade a abandonar seus cães e gatos.
— Nós sabíamos que era a hora de não recolher mais e de fechar às portas, mas fomos levando, porque eles precisavam de nós. Todos que nos criticaram não se dão conta de que assumimos a responsabilidade de uma cidade inteira, de quem abandonou, não cuidou e não castrou — lamenta.
Há dois anos, desde que deixou a administração da chácara, a entidade tem se dedicado a ações de conscientização. Ela ressalta que quatro voluntárias resolveram se reinventar para seguir na defesa dos animais:
— Não vamos abandonar a proteção animal, porque é uma missão de vida. Desde 2009 temos o projeto Plantando Sementes e intensificamos as palestras: mais de 43 mil sementes já foram plantadas. São 43 mil crianças e adultos que participaram dos encontros, nos quais instigamos a mudança de concepção e o cuidado com os animais.
As crianças que participam recebem uma carteirinha de protetor. A Soama também continua com atendimento pelas redes sociais, divulgação de animais perdidos e para adoção, campanha de castração gratuitas e com preço de custo com verba do Bazar de Usados Mi-Au. Mantém ainda ajuda veterinária, doação de ração e projetos como as campanhas #SomosTodosViralatas e a campanha Identifique seu Amigo.
LUTAS E CONQUISTAS
- Contra a criação de um Centro de Controle de Zoonoses, que iria sacrificar animais abandonados.
- Pela criação da Lei Estadual 13.193, que proíbe animais abandonados de serem mortos pelo Estado, inspirados em lei aprovada em SP.
- Castração de mais de 17 mil cães e gatos.
- Cultura da microchipagem na cidade.
- Contra a castração química que iria mutilar e causar sofrimento aos cães e gatos machos.
- Conscientização da UCS para não usar cães nas aulas práticas.
- Resgate e abrigo de mais de 10 mil cães e gatos, além de pombas, urubus, galos e cavalos.
- Doação de mais de 9 mil animais.
- Averiguação de maus-tratos.
- Campanhas a favor do veganismo e do vegetarianismo e contra a exploração animal.
- Criação da Gatinha Preta da Sorte, para acabar com o preconceito para com os gatos pretos.
- Campanhas de conscientização na mídia, exposições, personagens super-heróis, tirinhas.
- Distribuição de cartilhas educativas para tentar combater o abandono e os maus-tratos.