— Minha amiga me colocou sentada na cama, na frente do espelho e fez olhar e me perguntar onde estava aquela menina que não deixava um homem sequer levantar a voz. Foi ali que percebi onde a situação tinha chegado.
Raquel (nome fictício) aceitou falar ao Pioneiro e, durante a entrevista, esteve acompanhada da filha de nove anos, fruto do relacionamento com um homem que a persegue há pelo menos cinco anos. Segundo ela, a criança podia ouvir os relatos porque estava ciente da situação.
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Aos 29 anos, prestes a deixar a cidade, ela afirmou que espera voltar a ter uma vida normal novamente ao lado da pequena. Confira abaixo trechos da entrevista:
Pioneiro: Quando foi que os problemas começaram?
Raquel: Começou a ficar ruim depois da primeira traição que descobri por parte dele. Comecei a namorá-lo aos 19 anos e, com 21, engravidei. Os problemas começaram logo depois. Após uma coisa ruim, ele pedia desculpas, eu aceitava, perdoava, até que recomeçavam as agressões. Tive medo de procurar ajuda e falar para as pessoas. Até que uma amiga me ajudou. Terminei o relacionamento com ele há cerca de três anos e fui para a casa de uma amiga para me refugiar. Comecei a procurar ajuda e ele continuava a vir atrás, até hoje faz isso.
Como foi a primeira agressão?
Ele me deu um tapa na cara. Isso foi com uns três anos de relacionamento. Antes só gritava, dizia palavrão... Sofri por cinco anos com isso. Meu objetivo era manter a família unida, fazia de tudo para isso. Mas conforme o tempo foi passando, vi que não tinha como, até se tornar insustentável. A gente se ilude, acha que é só o momento, mas aquilo se estende, cresce, piora.
Qual foi o último contato que você teve com ele?
Foi na minha casa, na segunda-feira (30 de julho). Ele queria ver minha filha à força, falou todo tipo de palavrão e depois foi embora. Minha mãe estava lá. Se ela não estivesse, acho que ele teria feito algo pior. De 20 dias para cá, ele está todos os dias marcando cerrado, mesmo com medida protetiva. Pretendo sair da cidade. Ele me ameaçou de morte se eu o colocasse na cadeia.
Ele já tinha lhe ameaçado de morte antes?
Sim, e eu retirava as ações contra ele quando me ameaçava. Ele é muito violento. Já me encheu de chute. Uma vez, me ergueu para o alto e me jogou com toda força contra o chão, como se eu fosse um objeto. Fiquei até sem ar.
A medida protetiva é um mecanismo eficiente, na sua opinião?
A medida protetiva é um direito para se defender mais adiante, mas não garante segurança. Falta muito para melhorar o atendimento à mulher ainda. A rede faz o que está no alcance, mas ainda falta orientação para as vítimas. Eu não sabia nem para onde correr na época.
O fato de ter demorado a buscar ajuda pode ter atrapalhado?
Com certeza. Hoje me arrependo. Sempre aconselho as mulheres a procurar ajuda já na primeira ameaça, no primeiro xingamento mais forte. Às vezes, isso pode ser essencial para evitar que a violência progrida. No primeiro momento que o namorado levantar a voz, vá atrás, procure ajuda, conte para a família. Eu deixei e estou me ferrando até hoje. Teria sido diferente se eu tivesse feito algo antes.
E o apoio de outras pessoas? Foi importante?
Minha amiga foi meu anjo da guarda e até hoje trabalha para me ajudar. Ter o apoio das pessoas é muito importante. Até hoje vizinhos não querem se meter, viram as costas. Até alguns familiares se afastam. Alguns te ajudam, mas ajudam com medo, o que é compreensível também.
Há pessoas que se incomodam com o termo feminicídio...
Feminicídio existe, sim, e pessoas morrem todos os dias por isso. Quem vive isso é que sabe. Sabe o que é se sentir impotente. E o julgamento atrapalha e muito. Até hoje, algumas pessoas não acreditam no que estou vivendo. E por todo esse contexto, não tenho mais expectativas de entrar num relacionamento que não violência. Parece uma coisa idiota querer uma vida normal, mas para quem vive isso, é um sonho. Estou presa nessa realidade há oito anos, me sinto um passarinho sem as asas.
Como a sua filha vê a situação?
Ela tem medo do pai, não quer mais vê-lo. Antes, ela era pequena e não entendia muito. Hoje, tem nove anos e entende todo o contexto. Mas foi natural, ela foi entendendo, percebendo e pedindo. Achei errado esconder, tento explicar que ele está doente. E para o futuro, ela já sabe: no primeiro momento que um homem levantar a voz, ela já deve tomar atitude.
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