A falta de cadastramento para garantir o desconto no valor das contas da água por meio da tarifa social, a inadimplência no pagamento pelo serviço e a cobrança da taxa de lixo, considerada muito elevada, estão tirando o sono de moradores do conjunto habitacional Campos da Serra, em Caxias do Sul.
A tarifa social prevê descontos de 30% a 50% na taxa para famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único da Fundação de Assistência Social (FAS). Mesmo que a lei determine o benefício, para ter acesso ao desconto e garantir a redução nos valores, os moradores do Campos da Serra precisam atualizar os dados no Cadastro Único.
Conforme o Samae, 1.340 economias do Campos da Serra estão cadastradas para obter o desconto. Destas, 280 não atualizaram cadastro no ano passado e perderam o direito à tarifa social. Além disso, outras 240 economias precisam atualizar a documentação até o próximo dia 10, e outras 80 até o dia 25.
Para que os moradores recebam o desconto, 80% das moradias que utilizam uma mesma ligação de água (no caso do Campos da Serra, o mesmo bloco) precisam ter renda familiar de até três salários mínimos, informação que precisa ser repassada à FAS. E esse é o problema que angustia os moradores: nem todas as pessoas que residem no conjunto estão com a documentação em dia ou sequer pretendem se recadastrar, o que compromete o desconto dos demais.
— O problema é que no meu prédio, por exemplo, o Campos da Serra 7, dos 100 moradores, apenas 42 pagam pelo abastecimento de água. Os demais estão inadimplentes e alguns nunca pagaram pelo serviço, muito menos se cadastraram na FAS. Muitas pessoas estão indo embora por inúmeros motivos, e não vão renovar o cadastramento que garante o desconto para todos os outros moradores — reclama a presidente da Associação de Moradores (Amob) Campos da Serra, Janaína dos Ouros.
Ela acrescenta ainda que a dívida dos moradores com a administradora do Campos da Serra está exorbitante e, a cada mês, a apreensão aumenta porque não se sabe como as famílias irão regularizar a situação.
— Nossa dívida está enorme. Estamos inadimplentes e corremos o risco de ficar sem água. As famílias de bem que moram aqui estão indo embora e estão ficando aqueles que não querem nada com nada. Vamos ficar sem o desconto nas contas da água porque não está ocorrendo a renovação do cadastro. Vamos perder os 50% da tarifa social e as dívidas vão aumentar ainda mais. Temos uma realidade diferente aqui. As famílias não têm renda para quitar todas as contas, e isso não vai mudar. Precisamos de uma alternativa para que os outros não sejam prejudicados.
Inadimplência alta e lacres nos hidrômetros
Como a inadimplência é alta, em assembleia de condomínio ficou determinada a colocação de lacres no hidrômetros dos moradores que não pagam a conta. A medida foi autorizada judicialmente. A dona de casa Grasiela Costa, 40 anos, está apreensiva com a situação:
— Nos mudamos para cá acreditando que teríamos uma chance de resolver nossos problemas. Mas começaram a chegar as contas e são valores altos demais, que pesam no nosso orçamento. A maioria quer pagar, mas agora, com essa questão dos cadastros, ainda poderemos perder os descontos. Eu paguei a conta da água tirando esse valor de um alimento. E aqui no Campos da Serra é assim: ou tu come ou tu paga as contas.
O gerente de Negócios do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae), Luís Fernando de Vargas, reforça que usuários mantenham o cadastramento em dia:
— No caso do Campos da Serra, cada torre conta com um hidrômetro, contabilizando o gasto individualmente a cada prédio. Contudo, apesar dos atrasos, raramente ocorrem cortes no fornecimento, já que a maioria dos moradores procura o Samae para negociar as dívidas e liberar o auxílio da tarifa social novamente. Porém, para que garantam os descontos, é essencial estar com a documentação em dia na FAS.
Conforme a diretora de Proteção Social Básica da FAS, Heloísa Teles, o cadastro deverá ser atualizado a cada dois anos.
Valor da taxa de lixo é questionado
O valor da taxa de lixo inclusa no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é considerada exorbitante pelos moradores do Campos da Serra. O valor cobrado por contribuinte chega a R$ 379. A presidente da Amob, Janaína dos Ouros, ressalta que o valor seria maior do que em outras áreas. No bairro Bela Vista, por exemplo, o valor médio gira em torno de R$ 65. Conforme a prefeitura, a taxa varia entre R$ 60 e R$ 470, dependendo de critérios estabelecidos por lei municipal.
— As pessoas ganham R$ 50 de Bolsa Família e pagam cerca de R$ 25, que é o mínimo da parcela do apartamento. Não temos como pagar IPTU com essa taxa de lixo alta desse jeito. Pagamos R$ 450 de condomínio, mais água e luz. Aí, vem o IPTU com a coleta de lixo. Essa conta é muito alta para o nosso bolso, são famílias que não tem renda suficiente nem para comer — desabafa ela.
A situação da aposentada Izolina Dondone, 68 anos, é preocupante. Com problemas de saúde, ela não consegue dar a volta nas contas porque a maior parte da renda está comprometida com medicações.
— O mais caro é a taxa de lixo. Recebo um salário mínimo e não tenho condições de manter as contas em dia. Não tenho de onde tirar. Cheguei a pensar em pagar a taxa com o 13º salário para colocar em dia, mas não é justo que não possamos ter nada além das contas — lamenta ela.
O aposentado Albino dos Santos Nunes, 68, revela que neste ano o carnê do IPTU chegou a R$ 600. O do ano passado, de R$ 750, está atrasado e ele está apreensivo porque não sabe como vai pagar.
— Com o salário mínimo você se obriga a sobreviver, e só isso. Não me nego a pagar, apenas estou impossibilitado de pagar. Eu me aposentei o ano passado, mas acabei caindo na miséria porque antes tinha outras fontes de renda. Como aqui não pega telefone, perdi até os clientes que tinha — conta.
"Para que uma pessoa não pague a taxa, todas as outras terão que pagar mais
O responsável pelo setor de IPTU, Micael Meurer, explica que a quantidade de coletas, a metragem da área e destinação do imóvel (residencial, comercial, industrial ou se é um terreno baldio) são fatores determinantes para o cálculo do imposto e da taxa de lixo. Ele acrescenta que o valor pode ser diferente, inclusive, dentro do próprio bairro porque a quantidade de coletas muda conforme as rua. No caso do Campos da Serra, a coleta é diária porque existem contêineres de lixo orgânico e seletivo.
— O valor da taxa da coleta fica maior do que o do IPTU porque ela é cobrada pela prestação de serviço e a coleta é feita todos os dias, o mesmo que ocorre em bairros como o Centro. Ao contrário do IPTU, a taxa de coleta não é passível de isenção porque é uma prestação de serviço. Entendo que o valor é alto para a realidade desses moradores, mas o município tem despesas, ele paga a Codeca para a coleta, esse serviço tem um custo, e ele não irá mudar — justifica.
Ele acrescenta que, para deixar de tributar os moradores do Campos da Serra com um benefício fiscal, o município teria de criar uma compensação:
— Fiz uma estimativa e, para que os moradores do Campos da Serra deixassem de pagar, todos os outros contribuintes caxienses teriam de pagar R$ 1 a mais pela taxa de lixo. Existe interesse em deixar de tributar uma pessoa que recebe um serviço igual ao de outra, mas tributar apenas uma delas com um valor maior? Se essa for a saída, é preciso um projeto de lei, mas é complicado de fazer. Não existe benefício fiscal sem medida compensatória, ou seja, um aumento de carga tributária para os outros contribuintes. Para que uma pessoa não pague a taxa, todas as outras terão que pagar mais.
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