Além de processo no âmbito cível, a reforma na Catedral de Vacaria também motivou denúncia no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-RS). O arquiteto Cristiano Fabris é acusado de não ter apresentado projeto de restauração, entre outras irregularidades.
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Parte 1: Justiça analisa reforma da Catedral de Vacaria
Parte 2: Polêmica marca reforma da Catedral de Vacaria
Parte 4: Prefeitura de Vacaria licitará estudo para regularizar o tombamento de Catedral
— Não é um projeto de reforma ou construção convencional. Há outros documentos necessários para que se possa chamar de restauração, que seria o caso aplicado à catedral, porque é um bem de interesse cultural e em processo de tombamento. Há também a questão da responsabilidade técnica envolvida nos projetos e na execução. Até o momento, eu não tenho informação se ele emitiu esse registro — afirma Oritz de Campos, coordenador da Comissão de Exercício Profissional do CAU.
Conforme Campos, a análise da denúncia deve ser finalizada em agosto pelo relator do processo na Comissão de Ética e Disciplina. No processo, também consta que Fabris teria utilizado as mesmas soluções técnicas observadas na Catedral de Vacaria em outras igrejas do Estado, desrespeitando orientações para intervenções no patrimônio histórico.
Morador de Guaporé, Cristiano Fabris ainda trabalha com a restauração de igrejas e presta consultoria à empresa ARS. Ele diz se supreender e lamentar a repercussão negativa gerada pela reforma. Confira trechos da entrevista que ele deu ao Pioneiro:
Pioneiro: O que houve de errado na obra da Catedral?
Cristiano Fabris: O que eu posso dizer é que a nossa metodologia de trabalho sempre foi essa, e a gente fez muitas igrejas e continuamos fazendo. Na época, inclusive, o projeto foi encaminhado para a prefeitura e aprovado. Só no final da obra é que houve todo esse problema. Daí, começaram a cobrar algo que não existia. Quiseram levar para o lado da restauração, dentro de todos os trâmites burocráticos que tem de passar, quando nós trabalhamos mais com a questão prática. Lógico, que se soubéssemos que ia dar todo esse transtorno, talvez a condução tivesse sido diferente. Mas o projeto original dizia que nós íamos alterar as colunas. Toda a encrenca foi por causa das colunas.
As denúncias e a ação citam as colunas e os rodapés, entre outros elementos.
Os rodapés foram uma inclusão. Mas eu já estudei isso, já conversei com colegas, e não é proibido fazer aquilo desde que o órgão competente autorize, e eles autorizaram. Na Europa é feito isso direto, existem igrejas milenares que, vira e mexe, passam por intervenções modernas, porque eles querem revitalizar, querem dar soluções atuais. Sempre é um ponto polêmico. Se você pegar, por exemplo, a Catedral de Chartres, na França. Lá está acontecendo a mesma coisa (a igreja era famosa por uma estátua da Virgem Negra, mas o restauro "limpou" a imagem, recuperando a aparência que teria há mais de 800 anos, "embranquecida"). Existe muita gente revoltada porque foi tirada a originalidade, e lá foram gastos milhões de euros. Sempre que tu vai mexer com restauro, vai ter quem diga que "foge do que eu estava acostumado". Consta e eu provei no processo, em primeira instância, que nós estávamos tentando trazer de volta a originalidade do que havia sido modificado na década de 1980. Ou seja, aquela decoração interna que estava hoje, até iniciarmos nossa alteração, não era original da época da construção da Catedral.
Porque não houve a elaboração de um projeto global de restauro, como diversas entidades recomendavam?
Nunca nos foi exigido. Isso tudo apareceu com o processo, tudo no final (das obras). Foi uma surpresa. Nós temos uma metodologia de trabalho. Quando a igreja nos contratou, nós fizemos aquilo que estávamos acostumados a fazer. Apresentamos aquilo que costumamos fazer e depois apareceu tudo, UCS, Iphae...
O que faltou para concluir a obra?
Pelo que eu sei, até momento da paralisação faltava só o presbitério para fazer. Como o processo seguiu, nós paramos. Até ter uma conclusão do processo, a empresa não fará o serviço.
Qual é o desfecho que você espera para o processo?
Eu espero que a gente ganhe. Eu vou ser sincero: é a primeira situação que a gente pega e que é malhado desse jeito. Como profissional de artes sacras, sou chamado para fazer igrejas e catedrais Brasil a fora, até com obras no Paraguai hoje. E sempre que eu saio de uma obra de uma igreja, saio com aplausos, e não com pedradas. Então, eu não estou acostumado com esse tipo de coisa. Uma das questões que sempre é alegada contra nós é que nós fugimos das cartas patrimoniais. Mas uma coisa a gente sempre disse: essas cartas são recomendações, não existe uma lei. Uma carta recomenda uma coisa, outra já entra em contradição e recomenda outra coisa, e assim por diante. Uma coisa, por exemplo, gerou bastante discussão até entre nós, dentro da obra: algumas imagens foram encontradas sob a pintura recente da década de 1980. Algumas dessas cartas de restauro dizem que aquilo que foi perdido foi perdido, então se restaura o que permaneceu. Outras cartas dizem que pode se reconstituir completamente porque tem que mostrar como foi naquela época. Então, é sempre uma discussão. Uns querem nossa cabeça, outros gostaram da intervenção. É assim. A única falha que teve foi não sentarmos com a comunidade desde o começo e ter exposto uma coisa mais ampla. Só que isso são coisas que não condiziam com a nossa metodologia de trabalho.
A denúncia do CAU diz que a pedra rosada dos rodapés foi usada em reformas de diversas igrejas do RS. Por quê?
A gente utiliza comumente, é uma coisa recente. É uma pedra que transpira. Muitas igrejas têm problema de umidade e acabam colocando outros tipos de pedra no rodapé. E a umidade não ultrapassa um rodapé de granito, mármore, ela não vem para fora porque a dureza desse material não permite que a base respire. Então isso acaba subindo e vai estourar sempre no ponto mais fraco, acaba estourando no reboco, se é pintado, ornado. Até na Catedral de Caxias foi adotado esse método, porque é uma pedra que deixa a parede respirar. Usamos porque preserva as paredes, os rebocos, as pinturas. É uma solução técnica, que se mostrando válida acaba com o tempo. Todas as igrejas que continuamos fazendo aprovaram. Quem fala dessa pedra hoje? Só uma ou duas pessoas.
E por que a decisão pela nova pintura nas colunas?
A questão técnica é que a gente tentou tirar o material para trazer à tona as colunas como eram, só que o material que foi utilizado na década de 1980, uma massa plástica, não tinha como remover. A solução encontrada, foi, por meio de fotografias, ver como era antes, mas não existia muito material. Então, elas foram baseadas em cima desse pouco que tinha. As cores que utilizamos eram as cores originais. Lógico que no momento que tu vai fazer uma reprodução, tu nunca tem uma coisa idêntica. Está sendo muito divulgado que nós destruímos, que foi feita uma alteração de algo que era original. E não é original, está provado, tem foto antiga. Esse é o detalhe. Eu não estou acostumado a isso, e pegar uma situação como essa, em que houve desgaste de todas as partes... Estou lidando com uns três projetos, para igrejas de São Paulo e Mato Grosso. E eles ficam receosos com o meu trabalho.