Centenas de pessoas que enchiam galões diariamente no poço artesiano conhecido como Tronco Água, instalado junto a uma empresa no bairro Pio X, foram surpreendidas, no início deste mês, com a retirada da torneira que dava acesso à água. O fechamento da bica ocorreu por ordem da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). A surpresa é a mesma ao chegar ao Convento Imaculada Conceição, ao lado da Igreja dos Capuchinhos. A torneira que permitia que a população tomasse água ou a levasse para casa em garrafas ou bombonas foi retirada e um bilhete informa que a água antes disponível para consumo passou a ser usada apenas internamente. A determinação partiu dos freis capuchinhos, em virtude da demanda, que aumentou nos últimos anos.
Sobre a interdição do Tronco Água, o governo do Estado alega que o abastecimento, onde há rede pública, não pode ser feito por terceiros e sem que a água seja tratada. A decisão atende à Resolução 255/2017, do Conselho de Recursos Hídricos, e ao artigo 45 da Lei Federal 11.445, de 2007. Até recentemente a legislação permitia o uso da água de poço artesiano, onde existia rede de abastecimento, apenas para indústrias e floriculturas. Entretanto, no ano passado alterações na lei ampliaram as possibilidades e, agora, a única restrição é para o consumo humano.
Em Caxias, portanto, apenas o Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) tem autorização para fornecer água para ser consumida pela população. Por isso, além da retirada da torneira, a comercialização de bombonas para abastecer condomínios, fábricas e hospitais pela Tronco Água também está suspensa.
O diretor do Departamento Estadual de Recursos Hídricos, Fernando Meirelles, explica que em 2008 a empresa foi notificada por irregularidades. Passados dez anos, uma nova denúncia levou ao fechamento da bica após vistoria:
— O poço artesiano seguia abastecendo moradores de Caxias do Sul, o que é irregular. Não é possível em um local com rede pública ter água de poço para consumo humano. Tem vários usos da água de poço, como, por exemplo, limpar piscinas, lavar carros e demais atividades — pontua ele.
Para se adequar às novas regras é preciso manter o cadastro atualizado no site da Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Os dados devem ser preenchidos no sistema de outorga de água do Estado no site www.siout.rs.gov.br. Locais com poços que não forem cadastrados podem pagar multas que vão de R$ 5 mil a R$ 170 mil.
"Nossa água tem qualidade", diz proprietária da Tronco Água
A proprietária da empresa Tronco Água, Ivanilde Tronco Ferronatto, conta que há anos tenta regularizar a situação do poço artesiano, mas a licença tem sido negada. A empresa recorreu, mas em todas as ocasiões, devido à legislação vigente, a liberação não foi concedida. A última análise na água retirada do poço foi feita em março:
— A lei diz que água potável é a que recebe tratamento com cloro, e aceitamos isso, mas a água é retirada de um poço que está a 120 metros da superfície e todos os testes apontam que nossa água tem qualidade. Gostaríamos muito de manter a torneira aberta, porque sabemos que tem pessoas que só usavam a água daqui, tanto para beber quanto para cozinhar, e que melhoraram de problemas estomacais, por exemplo, depois que começaram a usar essa água — destaca ela.
Ela explica que a bica foi fechada, os caminhões estão parados e os funcionários estão de férias, enquanto decidem se irão entrar com novo processo para permanecer com o comércio de água:
— Estamos analisando se vale a pena buscar uma nova outorga apenas para o uso industrial. Nós podemos vender a água para determinado fim e mesmo assim ela ser usada para consumo humano. Não teremos como controlar essa prática e isso nos preocupa. Vamos analisar a situação.
Ela questiona por que as demais bicas seguem abertas:
— Gostaria de saber por que apenas a bica da nossa empresa foi fechada, enquanto em outros locais ainda é possível que a população busque água. Afinal, a lei é para todos.
População aprovava água do Tronco
A reportagem do Pioneiro esteve no Tronco Água em março deste ano. Na ocasião, a dúvida entre os consumidores era se a instalação de hidrômetro por ordem do Samae iria provocar aumento da cobrança da tarifa mínima nesses pontos e se isso provocaria mudanças.
O cabelereiro Volmir Kirchoft, 37 anos, foi um dos entrevistados. Ele contou que há 15 anos, pelo menos duas vezes por semana, buscava água no local, porque a considerava mais pura que do que a que chega nas residências. O aposentado Verildo Teodoro, 76, que foi diagnosticado com gastrite, usava a água para beber e cozinhar e considerava que as dores diminuíram após a troca da água tratada pela do poço artesiano.
Capuchinhos também retirou a torneira
De acordo com o administrador do Convento Imaculada Conceição, que também é responsável pela Casa de Saúde e pela Legião Franciscana de Assistência aos Necessitados (Lefan), frei Claudelino Brustolin, foi preciso retirar a torneira onde ás pessoas buscavam água para não comprometer o abastecimento interno:
— Essa água era fornecida aos moradores há cerca de 50 anos, quando não tinha abastecimento público na região do Rio Branco. O nosso complexo cresceu e temos de atender a paróquia, as emissoras de rádio, ginásio, convento, casa de saúde, museu e a Lefan. Tivemos de optar pelo fechamento da torneira porque a bomba já apresentava desgaste devido à demanda de consumo. Para substituir, o custo seria muito alto, e não podemos deixar sem abastecimento interno.
Bica aberta em São Pelegrino
Em São Pelegrino, a água do poço artesiano continua à disposição dos moradores. A bica está instalada na entrada do estacionamento ao lado da Igreja.