O parto humanizado é tema cada vez mais debatido e se consolida como preferência principalmente entre mulheres com maior faixa de renda ou acesso à informação, já que a prática dificilmente está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, um projeto desenvolvido no novo Centro Obstétrico do Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, coloca em evidência este atendimento humanizado e prioriza a ideia da mulher como protagonista do parto. Além de beneficiárias de plano de saúde e de serviço particular, o projeto também atende pacientes do SUS e beneficia os 21 municípios atendidos pela região de Bento, que inclui cidades como Boa Vista do Sul, Garibaldi e Carlos Barbosa. A ideia é que, além da gestante identificar preferências em um documento chamado plano de parto, também tenha acesso a uma estrutura que possibilite conforto, privacidade e métodos alternativos para aliviar as dores e ajudá-la na hora de parir. O novo espaço faz parte do Projeto nacional 'Parto Adequado', criado pelo Hospital Albert Einstein e Institute for Healthcare Improvement (IHI), com apoio do com apoio da Agência Nacional da Saúde (ANS) e Ministério da Saúde.
_ O hospital foi convidado para integrar o projeto e tentar fazer a melhoria real da qualidade dos partos e a inversão das taxas de cesárea, passando para índices maiores de parto normal_ explica a médica Liane Xavier Domingues, que coordena o Processo Materno Infantil no Hospital Tacchini.
O desafio é grande, conforme ilustram as estatísticas do Tacchini: dos partos realizados na instituição pela rede privada, 82% são cesáreas. Somada à rede pública, o índice de cesáreas reduz para ainda significativos 58%. A OMS indica que a taxa ideal de cesáreas é de 15%. É por isso que o novo espaço, por exemplo, tem cinco salas de pré-parto, parto e pós-parto, chamadas de PPP, e somente duas salas de cirurgia. Médicos que atendem gestantes em Bento Gonçalves também foram apresentados à ideia, já que exercem papel fundamental na hora de transmitir estas informações as pacientes. Isto porque ter o médico de confiança também na hora do parto é um dos argumentos que mais atrai mulheres à cesárea. No entanto, no Tacchini, a garantia é que a equipe multidisciplinar que atende ali garantirá atendimento completo para a mulher.
_ Todo cuidado é centrado na paciente. Ela terá o protagonismo do momento dentro dos limites de segurança. A ideia é que a adoção das boas práticas, com menos intervenção, e se que faça coisas que a paciente realmente queira fazer_ afirma Liane.
O centro começará a operar neste fim de semana.
Em Caxias, projeto tem adesão
— Não é sobre respeitar a agenda do médico, da mãe, do pai. É sobre querer o melhor para o bebê, é esperar o momento que ele quer nascer — explica a médica Liane Xavier Domingues, que coordena a área Materno Infantil no Hospital Tacchini.
Banho para aliviar a dor, água quente nos pés para relaxar, massagens e a companhia de quem se ama podem contribuir - e muito - nas diferentes sensações que a mulher tem ao dar à luz. Práticas do parto humanizado, que durante anos foram esquecidas dentro dos hospitais, também recebem atenção em Caxias do Sul. O Hospital do Círculo construiu uma ala específica para este atendimento e oferece à comunidade desde janeiro deste ano. A sala PPP comporta a gestante, seu acompanhante e a doula com leito específico, equipamentos e materiais que podem aliviar as dores do parto. Além disso, há uma equipe multidisciplinar à disposição da gestante. A ideia é também reverter o alto índice de cesáreas no Hospital do Círculo, referência no atendimento materno-infantil há 20 anos: estima-se que 90% dos partos sejam cesáreas na instituição, afirma a coordenadora da área materno-infantil Lidiane Basso Bortolini.
— É um serviço novo e que vem crescendo, e que pode reverter o cenário da preferência do parto. Durante todo nosso atendimento, preconizamos manter mãe e bebê juntos, durante todas as 24 horas — explica.
É justamente por permanecer ao lado do primeiro bebê logo após o nascimento dele que Mayara Siqueira decidiu que seu filho Pedro irá nascer na sala especial do Hospital do Círculo. O nascimento está previsto para agosto e a opção de parto humanizado surgiu ao buscar informações sobre dignidade ao parir e mais saúde ao bebê. Mayara também decidiu que terá uma doula, e chegou a trocar de obstetra para ter a garantia de um profissional que aceite participar do parto humanizado.
— Muitas pessoas nos falam relatos traumáticos sobre partos naturais, mas quanto mais busquei informações, mais me empoderei da escolha sobre parto normal. Fomos nos apaixonando pela ideia, eu e meu marido, e hoje nem cogitamos a ideia de uma cesárea — define.
Doulas podem atuar em Caxias
Moradoras de Caxias do Sul que se interessam por menos intervenções médicas na hora de parir têm direito a doulas, desde que o prefeito Daniel Guerra (PRB) sancionou a lei, no dia 17 deste mês. Conforme o texto aprovado, as maternidades, estabelecimentos de saúde e os hospitais tem até 90 dias para tomarem as providências necessárias para o cumprimento da medida. A nova lei expõe que a presença da doula independe da presença do acompanhante permitido pela legislação federal. Ela poderá entrar nos ambientes de trabalho de parto, parto e pós-parto com seus instrumentos de trabalho. No entanto, não poderá realizar procedimentos privativos de profissões da saúde, ainda que tenha formação na área. O Unidoulas Serra Gaúcha, coletivo de doulas que atuam em toda a região, comemorou a decisão, pleiteada há mais de uma década. A proposta é da vereadora Denise Pessoa, defensora do parto humanizado e que deu a luz ao filho Eduardo de parto natural.
— Depois que minha filha nasceu em um parto humanizado, aquilo foi tão transformador que eu senti que precisava me dedicar a isso, também como profissional — conta a doula e fonoaudióloga Larissa Simon, 36 anos.
Larissa é mãe de duas meninas e é uma das 17 profissionais que integram o Unidoulas. Atua como braço-direito de muitas gestantes do pré-parto até a amamentação, transmitindo segurança, compartilhando informações e ajudando a mulher a se empoderar no momento do parto. Antes da lei permitir a atuação das doulas em hospitais caxienses, as profissionais indicavam atendimentos em instituições de saúde de outras cidades. Agora, trata-se de um novo momento para a categoria e para gestantes. A enfermeira Aline Triches, 40 anos, deu à luz a Lívia em 25 de fevereiro deste ano. A bolsa estourou às 21h30min, e Lívia veio ao mundo às 2h53min do dia seguinte. Foram algumas horas em que atestou o quanto o acompanhamento de uma doula mudou seu trabalho de parto.
— Ela te ajudar a sentar na bola, a ir para o chuveiro, a passar um óleo, a suportar as dores. Ela te lembra que você vai ter força para tudo isso, te empodera, te dá segurança — lembra Aline.
Lívia nasceu com 2,8 quilos e medindo 46 centímetros, despertando o instinto materno da enfermeira que sempre defendeu parto natural, e que perpetua a frase que lhe deu força durante os meses que gestou Lívia:
— Eu digo para todas que estão grávidas: bebês sabem nascer e mulheres sabem parir. É um mantra que me lembrava que tudo ia dar certo, como deu, e foi perfeito.
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