É límpida a lembrança que o seu Franklin Gonçalves Pereira, 71 anos, tem das pescarias que costumava fazer com os amigos no Arroio Tega, em Caxias do Sul, há mais ou menos 50 anos. Olhando o curso d'água correr turvo e sem vida no fundo da casa onde mora com a família, no bairro Reolon, ele contou que saía do bairro Cinquentenário, onde residia à época, e ia até um ponto um pouco mais abaixo de onde, hoje, fica a casa dele:
– Antes de vir morar aqui, vinha pescar no arroio. Não era poluído, não tinha casas, não era bairro... era tudo capoeira. A gente pegava jundiá aí – rememorou o aposentado.
Clique para ver alguns dos pontos do Tega percorridos pela reportagem:
No mês do meio ambiente, o Pioneiro percorreu os caminhos que costeiam o Tega, arroio responsável pela drenagem da maior parte da área urbana de Caxias do Sul. No trajeto, a reportagem encontrou o retrato da degradação em inúmeros pontos de lançamento direto de todo o tipo de lixo e de esgoto residencial e industrial. Em contraste, existem locais preservados onde animais se banham e bebem a água transparente.
Nossa incursão pelo Tega começa junto a uma praça no bairro São Ciro, naquela que é considerada a nascente mais afastada do ponto onde o arroio deságua. A imagem do pequeno canal de concreto coberto pelas folhas caídas dos plátanos, em uma lateral da área de lazer, impressiona e gera até uma certa descrença de que dali surge um arroio das proporções do Tega. Mas é assim, tímido, da união de várias vertentes, que ele vai se formando até virar um único grande curso d'água no bairro São José. Bem mais adiante, na 9ª Légua, já na área rural do município, ele recebe as águas de outro arroio e se torna ainda mais volumoso seguindo em direção a Nova Pádua, onde desemboca no Rio das Antas.
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A doutora em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento, Vania Schneider, estuda o Tega há mais de 20 anos. Ela explica que o curso d'água que vemos correr pelo município, em galerias ou ao ar livre, é o caudal principal de uma bacia hidrográfica inteira – a Bacia do Tega – que fica sob a cidade. Durante cinco anos, de 2011 a 2015, um grupo de estudos coordenado pela especialista fez o monitoramento da qualidade da água e uso do solo nas diferentes bacias hidrográficas de Caxias, entre elas, a do Tega.
– Qual é a grande evidência que temos destes estudos? Que as principais nascentes das principais microbacias do Tega estão todas embaixo da área urbanizada. Então, ele já nasce comprometido – analisa.
A especialista se refere ao aterramento das nascentes, ao processo de impermeabilização e às construções erguidas sobre elas. Com isso, as canalizações acabaram sendo as vias de escoamento da água que vem das nascentes somada à da chuva e que, ao longo do curso, recebe também esgoto sanitário e industrial. Por ter sido "soterrado" pela cidade, o Tega foi degradado e descaracterizado por décadas. Mesmo assim, as autoridades da área ambiental de Caxias consultadas pelo Pioneiro concordam que o Tega tem papel fundamental para a cidade.
O QUE DIZEM
"Ele é importantíssimo para cidade por dois aspectos: o de drenagem, porque dá fluidez para as águas da chuva e águas que sobram da represa (Dal Bó), dando escoamento e não criando regiões alagadas, e, também, o aspecto da paisagem, porque tem uma beleza natural."
Gerson Panarotto, diretor da Divisão de Planejamento do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Samae)
"É uma macrodrenagem importante para evitar problemas de inundação, de enchentes, para receber todo o aporte de chuvas em Caxias. Então, é importante que ele tenha condição de receber tudo isso. Mas como APP (Área de Preservação Permanente), com o conceito de preservar fluxo de flora e fauna, de estabilidade geológica, preservação da água em si, na parte da cidade, não se encontra mais essas funções nele."
Caio Vinícius Torques, geólogo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma)