Desde a última segunda-feira, moradores de Caxias podem pedir autorização para podar árvores no espaço público da cidade. Até então, o serviço era de responsabilidade exclusiva da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma). O Decreto 19.571 visa "desburocratizar" o serviço e coibir as podas ilegais, conforme anunciado pelo município. Hoje, a poda de árvores pode levar até seis meses para ser realizada, entre o pedido na pasta e a realização do corte pelos servidores.
A mudança, porém, é alvo de questionamentos. Entidades de proteção ao meio ambiente temem que o decreto libere o corte indiscriminado das plantas.
— É um absurdo, não é só perigoso para a própria população, que não tem preparo para realizar esse tipo de serviço, mas pode danificar de forma permanente as árvores — reclama Otávio Valente Ruivo, que é biólogo e integrante do movimento Conselho das Árvores.
A entidade deve questionar o decreto junto ao Ministério Público (MP). No ano passado, o Conselho das Árvores já havia levado denúncias ao órgão sobre as podas realizadas por equipes da Rio Grande Energia (RGE). Na última semana, o MP pediu que a Semma verifique os locais onde teriam sido feitas podas irregulares.
O decreto que permite que moradores executem cortes de galhos veda a "poda drástica o excessiva" que "afete significativamente o desenvolvimento natural da planta". Mesmo assim, o biólogo acredita que a proteção não é suficiente.
— Não adianta fiscalizar depois, com o estrago já feito — defende.
Conforme o diretor de serviços da Semma, Luiz César Vacchi, a pasta já começou a receber pedidos de autorização para podas. No entanto, nenhuma foi emitida ainda, porque cada solicitação necessita passar por análise técnica.
— É o processo normal, os técnicos têm que fazer a vistoria no local e depois emitir a autorização — explica.
Vacchi justifica o decreto como forma de aliviar a demanda do município, que conta com 10 servidores para realizar o serviço. São feitas feitas entre 12 e 25 podas por semana, mas a equipe tem que priorizar casos mais graves.
Para ele, não há risco de dano às plantas porque na autorização será detalhado exatamente como o corte deve ser realizado.
— Não é ir até a Semma, voltar e podar. Vai ter a vistoria para acompanhar o caso. A autorização vai prever o que pode fazer na árvore, como pode cortar e o tipo de equipamento que tem que usar. A pessoa não pode fazer com um facão ou um machado, por exemplo. Vai estar tudo especificado na autorização. E o pedido também pode ser indeferido, como vários são hoje — afirma.
Vacchi acredita que em cerca de um mês seja possível avaliar a eficácia do novo modelo.
— No inverno, quando as árvores estão dormentes, geralmente é o momento para a poda. Nossa intenção é regularizar essa demanda até o verão — projeta.
Em Porto Alegre, medida parecida gera polêmica
O decreto da prefeitura de Caxias entra em vigor enquanto uma medida similar é objeto de intensa discussão na Capital gaúcha. Um projeto de lei do vereador Moisés Barboza Maluco do Bem (PSDB), com apoio do Executivo, também busca acelerar as podas de árvores no espaço público urbano.
A medida, porém, é mais drástica: se o município não emitir parecer sobre pedido de podas em até 90 dias, os moradores ficam autorizados a contratar serviço particular para avaliar a situação e realizar o serviço.
O projeto gerou o repúdio de entidades ambientalistas, que temem pela criação de um mercado de licenças e também impacto que uma desregulação do serviço pode causar em uma das cidades mais verdes do país. Dezesseis entidades já estão unidas para promover um abaixo-assinado contra a medida.
Quem observa a situação de Porto Alegre, agora, começa a temer por Caxias do Sul
— É um arboricídio. São as duas cidades com as Secretarias (do Meio Ambiente) mais equipadas do Estado, que são exemplo para todo o país na gestão da vegetação urbana, e agora vêm com essa involução — afirma Flávio Barcelos Oliveira.
Oliveira é biólogo, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana e trabalhou por quatro décadas na área de arborização da prefeitura de Porto Alegre. Para ele, a lei proposta seria inclusive inconstitucional, já que transfere para particulares a responsabilidade sobre um serviço público.
— O passeio público tem que ser destinado 50% para os pedestres e 50% para serviços públicos, como os postes de energia e as árvores. A arborização é serviço público. A prefeitura não repassaria para a população colocar os postes, por exemplo — compara.
O projeto de lei está em análise na Procuradoria da Câmara de Vereadores.
A secretária do Meio Ambiente de Caxias, Patrícia Rasia, porém, diz que o decreto lançado em Caxias foi amplamente discutido pela Comissão de Arborização Urbana e já passou por análise da Procuradoria-Geral do Município.
— Utilizamos alguns exemplos de outras cidades brasileiras, bem a experiência da própria secretaria e e de seus técnicos em congressos, fóruns e encontros de Arborização Urbana. Não estamos delegando ao cidadão uma obrigação, e sim compartilhando a responsabilidade que já é de todos, nos termos da Constituição Federal, se essa for a sua opção. O novo decreto traz um detalhamento maior sobre as técnicas de podas que são adotadas e aceitas pela Semma, sendo um avanço em relação ao anterior — aponta.
O QUE MUDA
:: A partir de agora, quem solicitar uma poda à Semma poderá optar pela execução por parte da prefeitura ou por conta própria. Nesse caso, no entanto, será necessário aguardar a autorização da secretaria.
:: Quem já fez a solicitação de poda para a Semma, mas deseja fazer o procedimento por conta, deve comparecer à pasta e manifestar o desejo por meio de um requerimento próprio fornecido pela secretaria. A partir daí, o pedido será avaliado.
:: Tanto a alteração em pedidos antigos quanto a solicitação de novos precisam ser feitas presencialmente na Semma (Av. Ruben Bento Alves, 8.308), das 10h às 16h. Informações: % (54) 3901-1445.
:: O decreto prevê que as árvores podem ser podadas em caso de interferência com equipamentos urbanos, impedimento da visibilidade do trânsito, ataque por parasitas, necessidade de remover galhos secos ou mal distribuídos e, emergencialmente, em casos de risco de queda comprovado por órgão técnico.
:: Nos casos de conflito com a rede de energia elétrica, a poda é de competência da empresa responsável.
:: Se o proprietário de imóvel optar por executar a poda, ele fica responsável pelo recolhimento e destino dos resíduos.
:: Na autorização emitida, deve constar o tipo de poda, a validade da autorização e todas as condicionantes a serem seguidas pelo requerente.
:: A autorização pode ter duração de 90 dias a cinco anos.
:: O decreto trata também da remoção de árvores e dos meios de compensação em caso de retirada de exemplares exóticos.
:: O município pretende, ainda, concluir em dois anos o Plano Diretor da Arborização Urbana (PDAU), que trará normas para a arborização de Caxias.