Caxias do Sul fica na Serra Gaúcha, cortada por pequenos arroios, em geral poluídos, é abastecida por um conjunto de barragens e está distante do mar. Não há pescadores artesanais em Caxias, mas isso não impediu uma fraude pela concessão de 6.988 benefícios do seguro-desemprego pescador artesanal, o seguro-defeso, que desviou mais de R$ 20 milhões dos cofres públicos. Os valores foram destinados a mais de 3 mil CPFs.
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Gerente do Ministério do Trabalho de Caxias do Sul é preso por fraude em seguros para pescador
Após prisão de gerente do MTE, atendimento para seguro-desemprego no Sine segue normalmente em Caxias
Esse contrassenso entre a localização geográfica do município e a liberação do benefício, uma assistência financeira destinada a pescadores, chamou a atenção do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). As investigações da Polícia Federal (PF), que fizeram parte da Operação Timoneiro, tiveram início a partir de um relatório elaborado pelo próprio MTE. A fraude foi mostrada em reportagem na edição desta quarta-feira do jornal O Globo.
Suspeito de operar o esquema, o gerente regional do MTE em Caxias, Julio Cesar Goss, 51 anos, foi preso na manhã desta quarta-feira. O Rio Grande do Sul conta com 16,1 mil pescadores artesanais, segundo dados do Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP), usado como base para pagamentos do seguro-defeso. Um único login, o de Goss, aparece relacionado à concessão dos cerca de 7 mil benefícios, o que equivale a quase metade dos segurados no Estado. Os policiais cumpriram dois mandados de busca e apreensão: um na residência do suspeito e outro na sede do MTE, na Rua Bento Gonçalves, bairro São Pelegrino. Os agentes apreenderam cerca de R$ 4 mil em dinheiro, quatro celulares, extratos bancários em nome de Goss, o HD do computador de trabalho e anotações com números de CPFs.
Segundo a delegada da PF e coordenadora da Operação Timoreiro, Paula Santos Fontanelli, a fraude acontecia após o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) negar o seguro-defeso para pescadores. O órgão é responsável por conceder a assistência financeira desde 2015. A investigação aponta que, com o pedido indeferido, o gerente regional acessava os benefícios e iniciava a alteração de dados cadastrais dos requerentes como nome, número do PIS, filiação e sexo, pois possuía senhas que permitiam a ele o acesso a registro de cidadãos em outras regiões do país.
Saques em outros Estados
A delegada conta que cerca de 70% dos saques foram realizados no Estado do Amapá, onde, segundo a reportagem de O Globo, Goss atuou até 2015. Ele tornou-se réu na Justiça Federal daquele Estado em dezembro passado pelos crimes de estelionato e inserção de dados falsos em sistemas de informações. No Amapá, o crime teria ocorrido em 2014, segundo o Ministério Público Federal (MPF). O restante dos saques foi feito em outros Estados. A denúncia, no entanto, não o impediu de seguir operando o sistema. Em Caxias, a investigação apurou que a fraude ocorreu de agosto de 2016 até março deste ano, mas não identificou nenhum saque feito na cidade. Depois de atuar no Amapá, Goss veio para Caxias, mas só tornou-se gerente regional dois meses antes de virar réu na Justiça Federal, no ano passado.
— A partir de 2015, quem recebe esse pedido (de benefício) é o INSS. Com o pedido indeferido, ele (Goss) tinha acesso e alterava os dados (dos requerentes). Tem uma circular que proíbe o servidor do Ministério do Trabalho de fazer qualquer tipo de alteração — disse a delegada.
— Foram apreendidos extratos bancários que demonstram que ele (Goss) recebeu parte desses valores. Não temos o saldo dos extratos, mas a gente sabe que é uma movimentação incompatível com a renda que recebia como servidor do ministério — afirmou o delegado da PF Noerci da Silva Melo.
O procurador da República Fabiano de Moraes disse que o MPF vai investigar por que o sistema está deixando que membros do Ministério do Trabalho consigam operar a liberação desse benefício.
A delegada Paula informou ainda que a investigação deve apontar os demais envolvidos na fraude. Goss teve decretada a prisão temporária de cinco dias. Após esse prazo, a PF deverá solicitar a prisão preventiva do suspeito por 30 dias. Por decisão da 5ª Vara da Justiça Federal de Caxias, o gerente regional do MTE está afastado do cargo por 30 dias. Aqui, ele responderá pelos crimes de peculato, inserção de dados falsos em sistema de informações e organização criminosa. (Com Gaúcha Serra)
CONTRAPONTOS
O que diz o MTE (trechos de nota oficial)
Sobre a matéria divulgada pelo jornal O Globo "Sem rio ou mar, Caxias do Sul tem 7 mil seguros para pescador", o Ministério do Trabalho informa que o servidor Júlio César Goss foi preso, na manhã desta quarta (25), em operação deflagrada pela Polícia Federal em conjunto com o Ministério do Trabalho. É importante destacar que todas as ações do servidor vinham sendo monitoradas pelo Ministério do Trabalho e que a sua prisão só foi possível porque o próprio Ministério do Trabalho encaminhou informações para embasar o inquérito policial.
A Superintendência Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (SRT-RS) afastou o servidor e o Secretário-Executivo do Ministério do Trabalho, Leonardo Arantes, determinou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar os fatos. Desde dezembro de 2016, a pasta tem intensificado as ações de combate a fraudes no Programa do Seguro-Desemprego.
O que diz a defesa de Júlio César Goss
O advogado Vinícius de Figueiredo negou qualquer acusação e disse que a senha de seu cliente pode ter sido utilizada por outras pessoas.
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