Não é de hoje que moradores dos dois principais residenciais populares de Caxias do Sul – o Campos da Serra e o Rota Nova – se queixam da carência ou da inexistência de serviços públicos básicos no entorno dos conjuntos habitacionais. Com dificuldade de acesso à saúde, sem escolas perto de casa para os filhos nem áreas de lazer para o convívio social, além de pouca ou nenhuma segurança, as populações desses locais permanecem imersas em um processo de segregação social do qual deveriam ter sido retiradas quando deixaram seus locais de origem, em geral, áreas ocupadas ou de risco.
Em Caxias, o Campos da Serra e o Rota Nova são exemplos de como a proposta de inclusão que deveria nortear os programas residenciais para população de baixa renda se descaracterizaram, mantendo as comunidades nas periferias, tanto no aspecto territorial quanto social. A explicação para a localização pode estar relacionada a uma questão de mercado, no qual as incorporadoras e construtoras procuram terras afastadas para minimizar custos e aumentar a lucratividade dos empreendimentos. Porém, o aspecto social é uma consequência direta da falta de planejamento na execução dos projetos. De início, esse condomínios previam unidades de saúde, escolas, parques ou pracinhas de brinquedos, mas, na prática, a maior parte desses aparelhos acabou não saindo do discurso ou do papel.
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A doceira Ariane Silveira da Silva, 26 anos, mora em um apartamento de 44 metros quadrados do residencial Rota Nova, no loteamento Mattioda, com o marido, o auxiliar de pedreiro Marcos Antônio Santos da Silva, 30, e os três filhos – de 10, quatro e dois anos. Ela conta que o sonho da casa própria se concretizou, em setembro, quando mudaram para o imóvel, mas afirma que falta muito para conseguir levar uma vida normal com a família.
– Quando a gente soube que ia ser removido, ficamos felizes porque onde morávamos, no Santa Fé (bairro), às margens da Rota do Sol (RSC-453), era muito perigoso, as crianças não tinham área de lazer, o esgoto era a céu aberto... Para nós, a mudança era uma condição de vida melhor. Teria um posto (de saúde) aqui próximo que iriam construir, uma escola que seria na frente do condomínio. Só que, chegando aqui, tudo mudou. Tudo o que falaram não cumpriram – reclama a moradora.
Situação semelhante vive há mais tempo a cuidadora de idosos Rosana Rodrigues da Silva de Almeida, 29. Ela morava em uma casa de aluguel no bairro Santa Fé com o marido e três filhos quando recebeu a notícia que havia sido contemplada com uma das unidades do Campos da Serra, para onde mudou há dois anos.
– Quando me disseram que eu tinha sido sorteada foi uma alegria muito grande. Era um sonho para todos nós, ter o que é da gente. Mas o Campos da Serra sempre foi abandonado. Não tem uma farmácia. Não tem um lugar para fazer uma atividade com os filhos e a escola nunca foi construída – relata Rosana.
Em Caxias, são diversas as instituições que acompanham a problemática dos condomínios. Entre eles, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores de Caxias, o Conselho Tutelar e os órgãos de de segurança pública. Além disso, na 4ª Promotoria Especializada tramita um inquérito civil com foco na criança e no adolescente.
Habitação não pode ser tratada como problema quantitativo, diz especialista
Segundo a arquiteta e urbanista Lizia De Zorzi, especialista em Planejamento Urbano e Regional e professora de Urbanismo no Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), os casos dos condomínios de Caxias do Sul, infelizmente, não são exceções. Ou seja, reclamações como essas são cada vez mais comuns nas cidades brasileiras, revela.
– Com foco no caráter emergencial, muitas vezes os atuais programas habitacionais acabam sendo frágeis como soluções para o complexo problema habitacional ao não considerarem que as reivindicações relativas à habitação ultrapassam o acesso à moradia e envolvem outros aspectos como saneamento básico, equipamentos comunitários, transporte e vida em condições ambientais dignas. O fato de os condomínios estarem localizados em áreas periféricas e distantes da "vida urbana" faz com que, ao invés de funcionarem como instrumentos de transformação e requalificação da estrutura urbana, eles acabem reproduzindo lógicas que acentuam os problemas sociais e urbanísticos das periferias – pondera Lizia.
Para a urbanista, a questão da habitação "não pode ser tratada como um problema meramente quantitativo de unidades habitacionais", ignorando as demais dimensões do direito à moradia adequada.
– As políticas públicas devem ter como objetivo final a promoção de bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos e, como consequência, a promoção da justiça social. Sendo, esta última, indicada por a acesso à moradia, educação, assistência à saúde, lazer, transporte e trabalho. Ainda que os conjuntos e condomínios sejam de grande valor de uso para os beneficiários, que passam a ter casa própria, observa-se que eles costumam manter um padrão periférico de segregação sócio espacial – analisa a especialista.
Um dos resultados desse modelo é a má-qualidade de vida das pessoas, que precisam percorrer longas distâncias para ter acesso a um posto de saúde, à escola dos filhos, ao trabalho e para fazer tarefas simples do dia a dia como ir ao mercado. Para a urbanista, o modelo ideal seria aquele que promovesse a integração da população com o restante da cidade.
RESIDENCIAIS
ROTA NOVA
– O empreendimento do Minha Casa Minha Vida foi erguido no loteamento Mattioda para abrigar pessoas removidas de áreas invadidas às margens da Rota do Sol, entre os bairros Santa Fé e Cidade Industrial.
– O sinal de celular é ruim. Apenas aparelhos de algumas operadoras conseguem fazer ligações.
– Tem 420 famílias, numa média de cinco a seis pessoas em cada apartamento, com cinco andares cada prédio e quatro apartamentos em cada andar.
– O valor do condomínio é R$ 100, o salão de festas ainda não foi totalmente equipado.
– Não há área de lazer para os condôminos.
– A promessa de uma escola infantil perto do residencial não se concretizou, assim como a construção de uma unidade de saúde e persiste a escuridão da Rua Pedro de David, que não tem iluminação pública.
– Conta com câmeras de segurança, mas há registros de furtos/arrombamentos em apartamentos e em veículos.
– Os moradores já receberam a cobrança de IPTU.
CAMPOS DA SERRA
– O Campos da Serra fica na localidade da Nossa Senhora das Graças da 8ª Légua, a cerca de 40 minutos do Centro, e recebeu famílias de diferentes locais do município.
– O sinal de celular ruim. Alguns moradores só conseguem se comunicar pela internet.
– O Campos da Serra é formado por 1.340 apartamentos do Minha Casa Minha Vida, divididos em 10 conjuntos de prédios.
– Conta com uma unidade básica de saúde, mas não tem escola nem creche para as crianças.
– A iluminação é razoável, mas a segurança é precária, com registros de crimes graves como homicídios e tráfico de drogas.
– O valor do condomínio é R$ 190.
– Tem área ao ar livre, mas considerada inadequada pelos condôminos.
O QUE DIZEM
– Sobre as demandas do Rota Nova, a Secretaria de Habitação informou que os assuntos referentes ao condomínio devem ser resolvidos com a empresa administradora, a Prolar. Da mesma forma que foi escolhida pelos condôminos, pode ser destituída. A cobrança de IPTU é regular porque os moradores têm a propriedade do imóvel. A licitação para escola teve problemas e um novo processo está em tramitação.
– A Secretaria de Obras e Serviços Públicos disse que houve atraso na licitação para instalação de iluminação pública na Rua Pedro de David, mas que o processo "já foi concluído e está em fase de assinatura e publicação, tendo como prazo para início do trabalho de implantação, até o final de março."
– Sobre a unidade básica, a prefeitura disse que a UBS Reolon teve acréscimo de um médico de Estratégia Saúde da Família e que o novo prédio já foi projetado para atender aos moradores do Rota Nova.
_ O município disse que não há previsão para construção de escola no Campos da Serra.
– A Brigada Militar e Guarda Municipal disseram que atendem aos chamados de ambas as comunidades quando solicitadas.