Faz um ano que São Francisco de Paula viveu uma catástrofe natural sem precedentes na história do município. Na manhã de domingo, 12 de março, um tornado varreu quarteirões da cidade em questão de minutos. Seis bairros foram atingidos pela tempestade que matou uma pessoa e destruiu 110 casas, além de danificar outras 700, em seis bairros diferentes.
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São Francisco de Paula ainda aguarda recursos para reconstrução de prédios destruídos por tornado
— Eu estava na cozinha, tomando café, e de repente escureceu. De um lado estava escuro e do outro fazia sol. Então começou um vento, cada vez mais forte, e fechou tudo. Ficou de noite. Eu só tive tempo de sair e a minha casa levantou completamente — lembra Maicon Jonas Santos Silva, 21 anos, um dos 1,6 mil moradores desabrigados pela tempestade.
Ao todo, três mil pessoas foram, de alguma forma, afetadas pelo fenômeno com ventos de até 150 quilômetros por hora. Elas guardam na memória os momentos de terror daquele dia. São histórias variadas, que tratam das perdas, do luto e do descaso, mas também da recuperação, da solidariedade e da resiliência dos sobreviventes.
Um ano depois, ainda são aguardados quase R$ 1 milhão para a reconstrução de prédios públicos e o auxílio para reerguer as residências perde-se em trâmites burocráticos. Apesar disso, a população dos bairros atingidos restabeleceu a vida, com graus variados de sucesso.
Maicon conseguiu reconstruir, aos poucos, a casa onde vive com a mãe. Enquanto conversava com o Pioneiro em frente ao mercado onde trabalha na última segunda-feira (12), no bairro Santa Isabel, porém, apontava diversas casas pelo quarteirão cuja reconstrução havia recém começado.
A lembrança mais marcante de Maicon é a da morte do amigo, Claudemir Gomes Freitas, 24. O jovem foi atingido na cabeça por uma barra de ferro durante a tempestade e não resistiu.
— Eu vi de perto. Era meu amigo, trabalhava aqui (no mercado). Ninguém sabia que ia acontecer aquilo. Foi de repente, né? Agora qualquer ventinho que dá, todo mundo aqui fica com aquela preocupação de novo — relata.
Confira, a seguir, como estão os moradores de São Francisco de Paula atingidos pelo tornado um ano após a tragédia:
Reconstrução deve levar mais dois anos
Apesar de ter recebido os tijolos para auxiliar na reconstrução da casa do filho já nas semanas após o tornado, o aposentado Luiz Ribeiro Marchezini, 67, recém tirou o empreendimento do chão.
— A gente vai construindo aos pouquinhos, de acordo com o dinheiro, já que a ajuda não vem — explica.
Seu Luiz vive na Rua Afonso Pena, atrás da Escola Castelo Branco, uma das vias mais atingidas pelo fenômeno do ano passado. Ele estava fora da cidade no momento da tempestade, mas foi avisado do estrago em seguida.
— Cheguei pelas 10h e vi tudo, estava tudo no chão. Foi a coisa mais triste do mundo — lembra.
Das casas existentes ao redor, só sobrou a dele:
— É de madeira, não sei como, mas só levantou um pouco o telhado. É como dizem, foi o "pai véio" que me ajudou — acredita.
Entre as construções arrasadas, estava a do filho André, 37, que ficava ao lado. Somente o neto ocupava a residência do momento da ventania, com um amigo. Eles conseguiram escapar antes da destruição. Agora, o filho mora de aluguel até que a casa seja reconstruída.
— Só sobrou o piso. Eu contratei um pedreiro para me ajudar, combinei que pago conforme posso. Ainda preciso comprar umas vigas de ferro para a estrutura. Vou esperar o mês que vem, quando o guri recebe o salário —projeta seu Luiz.
Nesse ritmo, ele prevê que em dois anos mais André poderá voltar a viver na casa própria. Seu Luiz diz que está tentando erguer uma construção mais reforçada, mas, como seus vizinhos, acredita que não há como estar preparado para este tipo de desastre.
— Com certeza não (estamos mais preparados), a gente vai fazer o quê? A gente é fraco, trabalha de dia para se manter de noite e o salário aqui não é muito — lamenta.
Da antiga casa, só sobrou a janela
Mais adiante, na mesma rua de seu Luiz, vive Maria da Glória Pocomaier, 51. Ela é mãe de Willian Faistauer, 13, um dos feridos pelo tornado do ano passado. Atingido por um objeto durante a tempestade, o jovem foi levado ao hospital com um corte profundo na cabeça.
— Eu estava no serviço, no Centro. Meus três filhos estavam dormindo em casa. Deu aqueles minutos de vendaval, lá também sentimos, e eu liguei para casa. Ninguém atendia, pensei que estavam dormindo. Aí consegui falar com a vizinha da frente e ela disse, "tu não consegue ligar para eles porque não tem mais casa" — relembra Maria.
A mulher deixou o trabalho e foi direto para o hospital, onde Willian ficou internado por uma semana. Os filhos mais velhos ficaram no local tentando recuperar pelo menos os documentos da família.
Quando soube que o Willian estava fora de perigo, Maria se instalou com a família na casa de uma irmã, no centro da cidade. Foram longos oito meses até que conseguisse reconstruir a casa.
— No início, a gente se concentrou em que ele (Willian) se recuperasse, ficasse bem. Depois, começamos a reconstruir — conta.
Os primeiros materiais foram doados pelo poder público e por uma entidade religiosa. Após, a família se uniu para completar o trabalho.
— Ainda faltam alguns arremates e a garagem. Era uma casa de madeira, nem o assoalho sobrou. Para não dizer que não foi aproveitado nada, conseguimos reutilizar uma janela. O resto, foi tudo ganhado e comprado aos poucos — explica Maria
Willian só conserva uma cicatriz, acima do olho esquerdo. A família lida com as lembranças de forma diferente: o filho não gosta de recordar, enquanto a mãe sente medo a cada novo temporal.
— Ele não gosta de ver fotos, nem de falar no assunto. Mas ficou bem, sem traumas, não fica nem com medo de vento, como a gente. É uma criança tranquila, estudiosa, está terminando o Ensino Fundamental. Só não gosta de voltar para aquele momento — revela a mãe.
Apesar do susto, Maria considera que a família conseguiu dar a volta por cima.
— Acho que serviu para todo mundo se unir mais. A gente já era uma família unida. Mas os vizinhos, que nem se visitavam, agora, se acontece qualquer coisa, uns ajudam os outros. Se não fosse por eles, não tinha conseguido voltar. Acho que com o tempo a gente esquece (da tragédia). Começamos tudo de novo — declara.