Se durante a greve dos professores da rede estadual, pais de estudantes já manifestavam preocupação quanto à forma de recuperação, agora, com o fim da paralisação, o receio é maior. Desde segunda-feira, quando as aulas foram retomadas após 97 dias, alunos de algumas instituições de Caxias do Sul estão sendo submetidos a uma carga horária exaustiva para recuperar os conteúdos perdidos. A jornada de estudos praticamente dobrou, obrigando os estudantes a passarem quase oito horas em sala de aula.
É o caso da Escola Estadual Irmão José Otão, no bairro Panazzolo, que montou um esquema de recuperação com horários em três turnos. Em algumas turmas, caso dos anos finais do Ensino Fundamental, os alunos têm o período normal de aulas durante a tarde, somados a duas horas pela manhã e mais duas durante o vespertino e noturno. O esquema estendido engloba apenas as disciplinas em que os professores fizeram greve.
— Meu filho passa o dia na escola e, por mais que eu cobre responsabilidade e atenção dele, tenho certeza que o aprendizado está prejudicado. Dentro de casa, ele parece um zumbi. Era um guri cheio de energia e agora está psicologicamente desgastado. Minha preocupação é com a saúde dele e também, é claro, com a aprendizagem. Tenho medo que toda essa questão de greve e recuperação de aulas prejudique ele no futuro — desabafa o pai de um estudante do 8º ano, que pede para não ser identificado.
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Conforme o calendário de recuperação entregue para a família, onde consta o cronograma até o dia 22 de dezembro, as aulas em três períodos não ocorrem diariamente. Há dias em que, além do período normal, o adolescente vai para a escola por duas horas na manhã ou no vespertino. Porém, de acordo com o pai, o garoto, que tem 13 anos, precisou adaptar toda a rotina para não faltar à nenhuma aula. Ele, inclusive, parou de praticar atividades físicas, como o futebol, que jogava semanalmente.
A diretora da Escola José Otão, Fernanda Barea, explica que toda a questão extracurricular foi pensada antes de montar o calendário. De acordo com ela, nenhum conteúdo novo é repassado nas aulas de recuperação, justamente, para não prejudicar o desempenho e a vida social dos estudantes. Mesmo assim, a diretora afirma que será preciso estender o calendário de 2017 para além do dia 13 de janeiro do próximo ano. Os horários ainda não foram determinados.
— Nada foi decidido de forma arbitrária dentro da escola. Existe um trabalho focado na parte pedagógica, em que foi pensado o bem-estar dos alunos e a aprendizagem deles. Mas, de qualquer forma, temos de cumprir a carga horária estipulada por lei e, por isso, precisamos fazer essa força-tarefa. Temos professores que precisam cumprir a jornada perdida na greve, porque é de direito dos alunos receberem o conteúdo — explica Fernanda, acrescentando que nenhum aluno será reprovado pelo desempenho nas disciplinas em que os conteúdos ficaram pendentes.
Segundo a assessoria pedagógica da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (4ª CRE), cada escola montou um calendário próprio de recuperação uma vez que, durante o período de greve, as instituições paralisaram de forma distinta. Em alguns casos, os períodos de aulas foram parcialmente reduzidos em função da ausência de determinados professores. Todos os esquemas de recuperação de conteúdo, incluindo o da José Otão, têm o aval da coordenadoria.
"Não adianta promover uma overdose de aulas"
Para o professor de pedagogia da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Délcio Agliardi, existem dois parâmetros a serem analisados quando se fala em recuperação de aulas. O primeiro abrange a questão da lei, em que as escolas são cobradas a cumprir a carga horária de 200 dias letivos. O segundo trata da questão pedagógica, que exige a promoção da aprendizagem observando o tempo e espaço para que o estudante absorva o conteúdo.
— É um tema complexo. Foram 97 dias de greve e fica muito difícil recuperar tanto a carga horária do professor quanto os conteúdos. Se a lei fala em 200 dias letivos, nada menos do que isso será aceito. Portanto, é preciso estender os períodos de aula, mas observando, é claro, a questão pedagógica.
Assim como os pais, o docente também acredita que submeter os alunos a uma jornada exaustiva pode prejudicar o desempenho dos estudantes.
— Não adianta, agora, promover uma overdose de aulas. Tudo que é em excesso faz mal. As escolas precisam adotar um mecanismo capaz de resolver o problema de forma que nenhum lado seja prejudicado. E os pais precisam ser fiscais das leis e do pedagógico — avalia Agliardi.