Para quase 500 professoras de escolas de Educação Infantil de Caxias do Sul, as últimas semanas de trabalho têm sido mais desafiadoras do que de costume. No final de outubro, elas souberam que poderiam ser demitidas no próximo ano, por conta de mudanças no convênio entre a prefeitura e as instituições que administram 45 escolinhas do município.
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A informação gerou pânico na categoria. Desde então, as profissionais correm atrás de garantias sobre seu futuro.
— Nós estamos no escuro, só falaram para seguir trabalhando e ficar tranquilas — reclama Thaloá da Silva, que há quatro anos atua como educadora na escola Aracy Maria Casagrande Sehbe, no bairro Jardim América.
Rumores davam conta de que elas teriam os contratos encerrados e seriam recontratadas com remuneração menor no próximo ano letivo.
— É muita falta de transparência de todos conosco. Ligamos e recebemos informações soltas, estamos há um mês sem saber nosso futuro — declarou ao Pioneiro uma educadora que não quis se identificar.
As professoras contam que se sentem desamparadas pelas entidades que administram as escolas, pelo sindicato da categoria e pela Secretaria da Educação.
Ao Pioneiro, a secretária da Educação de Caxias, Marina Matiello, confirmou o maior temor das educadoras: se os planos da prefeitura derem certo, elas serão desligadas e recontratadas para o próximo ano letivo, com uma redução de cerca de 40% nos salários.
A titular da pasta explica que o município tem que se adequar à Lei federal 13.019, que regula os convênios entre o poder público e as entidades privadas. Por isso, o acordo atual com as entidades filantrópicas e beneficentes que administram as escolas não podem ser renovados.
— Essa lei é de 2014 e não prevê a parceria da forma que foi feita com as entidades. Os convênios foram renovados em dezembro do ano passado pela gestão anterior, antes de a norma entrar em vigor, mas agora não temos como prorrogar — afirma.
A alternativa mais viável para que as escolas continuem funcionando, segundo ela, é por meio de contratos de gestão compartilhada, aos moldes da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Zona Norte. Cinco entidades sem fins lucrativos que já administravam escolas no município entraram no processo de qualificação para participar do edital de seleção que definirá a administração das 45 escolas de Educação Infantil.
Conforme a secretária, se der certo, o processo prevê a demissão de todos os funcionários, no fim de dezembro, para o início de novos contratos a partir de fevereiro. A redução na remuneração das professoras, segundo Marina, serve para corrigir distorções vigentes.
— Elas estão ganhando um valor acima da categoria. O que o município vai fazer é equilibrar os valores para que nós tenhamos o mesmo valor que está posto o mercado.
Hoje, as educadoras das escolas conveniadas com o município recebem R$ 2.298,80 mensais. As profissionais das escolinhas particulares recebem R$ 1.373,64, valor considerado como a média de mercado pelo município, ou R$ 924,86 a menos.
Mesmo com a redução substancial na remuneração, a secretária acredita que conseguirá manter o quadro de professoras.
— Sim, é desgastante, porém nós não temos justificativas para colocar outro valor. Eu acredito que nós não vamos ter dificuldade no numero de profissionais contratados. Sabemos que têm pessoas no mercado de trabalho que gostariam de trabalhar nessa área. No entanto, elas (as professoras) são muito bem vindas, dentro dos termos postos, de que vamos respeitar o salário da categoria — reforça.
De acordo com a secretária, mesmo com a diferença nos salários, o valor pago pela prefeitura às entidades não deve mudar, já que as instituições receberão verba para executar serviços hoje realizados pelo município, como manutenções e a compra de materiais pedagógicos e de higiene.
Sindicato promete resistir à redução
Se depender das educadoras, a transição para os novos contratos não será tão simples como espera a prefeitura. Na última sexta-feira (17), cansadas da indefinição sobre o futuro, as professoras das 45 escolas conveniadas foram trabalhar vestidas de preto, de "luto" pela educação infantil.
— Tenho uma família com duas filhas para sustentar e com esse salário já vivemos com o básico. Imagina quando diminuir? — questiona a educadora Thaloá da Silva.
— É um sentimento de indignação, angustia, pela desvalorização de todo o trabalho que fazemos na escola. Todo mundo tem família, temos que nos organizar — reforça Paloma Erthal, educadora da escola Santa Rita de Cássia, no bairro Desvio Rizzo.
O presidente do Sindicato dos Empregados em Entidades, Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional (Senalba) de Caxias, Alceu Adelar Hoffmann, relata não ter conhecimento da redução salarial informada pela prefeitura.
— Não se pode fazer isso, temos um acordo coletivo há muitos anos, desde a época do Pepe (Vargas, ex-prefeito pelo PT) e depois equiparamos ao piso nacional dos professores. Esse valor (de R$ 1.373,64) é o negociado com o Sinpré (Sindicato das Instituições de Educação Infantil Particulares), e só. Se isso acontecer, vamos mobilizar o pessoal, entrar em paralisação antes do próximo ano letivo — ameaça.
Na terça-feira (21), Hoffmann deve se reunir com a secretária da Educação para discutir a transição dos contratos dos profissionais das escolas.
Entidade considera prazos insuficientes
A Secretaria da Educação se defende das acusações de falta de diálogo afirmando que a responsabilidade de informar os profissionais é das entidades que administram as escolas, que contrataram as educadoras. O Pioneiro tentou contato com as cinco entidades que concorrem para administrar as escolas em 2018. Duas delas não deram retorno à reportagem.
O presidente de uma das instituições, que não quis ser identificado, afirmou que o processo de renovação está ocorrendo conforme o planejado.
— Não vai mudar nada. Acaba um ciclo começa outro. Todos os funcionários devem ser recontratados, receberão o aviso prévio e todos os direitos — diz.
A coordenadora de outra entidade, que também não quis se identificar, afirma que a prefeitura já tratou do assunto em duas reuniões, mas aguarda a abertura do edital planejar os próximos passos.
— É um momento de bastante apreensão das funcionarias e entidades. Nos colocamos à disposição do município, mas aguardamos novas informações.
O presidente do Centro Cultural Jardelino Ramos, instituição que administra 25 escolas em Caxias, Fábio Pizzamiglio, porém, relata que também tem sido deixado no escuro pela administração municipal.
— Nós também estamos preocupados, porque além de ter que demitir todos os nossos professores, também teremos que demitir a parte administrativa, que faria a própria contratação dos novos funcionários. Em janeiro vamos estar sem equipe, para fazer a contratação até fevereiro.
De acordo com Pizzamiglio, o prazo é curto para deixar tudo em ordem para o próximo ano letivo. Atrasos poderiam prejudicar a volta as aulas dos cerca de 4,3 mil estudantes das escolas conveniadas, que representam aproximadamente 37% de todos os alunos de Educação Infantil da cidade.
— Imagina tu ter uma redução substancial na remuneração, por ordem do município e não poder trabalhar no lugar que tu trabalhava. E nós vamos ter que fazer tudo em 15, 20 dias. Eu acho muito difícil — projeta.
Conforme a Secretaria da Educação, somente as merendeiras e higienizadoras das escolas, que têm contrato terceirizado, não devem participar do processo de demissão e recontratação.
Vereadores pedem explicações
A vereadora Gladis Frizzo (PMDB) e o vereador Rafael Bueno (PDT) fizeram questionamentos sobre o futuro Educação Infantil de Caxias na Câmara de Vereadores. Com outros seis parlamentares, protocolaram um requerimento para que prefeitura esclareça dúvidas sobre a gestão das escolas. O prazo para o envio das informações por parte do Executivo termina na próxima semana.
Matrículas estão abertas
As matrículas para alunos de quatro a cinco anos na rede municipal de ensino estão abertas até o dia 30 de novembro. Interessados devem realizar o processo junto à Central de Matrículas, na Av. Júlio de Castilhos, 2555, bairro São Pelegrino. Até a última semana, cerca de 800 alunos entraram na fila para frequentar as escolas de Educação Infantil em 2018.