A bióloga caxiense Raquel Finkler, 39 anos, não visita o cemitério para prestar homenagem aos seus pais, a dona de casa Nair, falecida em 2009, aos 66 anos, e Pedro, 64, que partiu há pouco mais de um mês. Ela e a irmã vão até o sítio da família, situado próximo ao distrito de Fazenda Souza. Em um ambiente familiar e aconchegante, construíram um pequeno memorial sob as árvores, espaço onde os pais gostavam de passar os fins de tarde. Isso foi possível porque Nair e Pedro externaram aos filhos a opção de serem cremados quando morressem, ritual que vem se tornando cada vez mais comum na Serra e que é visto por quem elege a modalidade como um procedimento mais personalizado.
— Nós entendemos que não é o corpo que fica, mas, sim, os ensinamentos que eles deixaram para nós. Foi respeitada a vontade deles e, por isso, foi natural. Manter as cinzas em um lugar que eles gostavam muito nos traz boas lembranças. É uma memória bastante afetiva e nos deixa menos tristes — descreve Raquel.
A busca por um ritual mais simbólico também é um dos motivos que leva famílias a optar pela cremação, conforme avalia a psicóloga Angelista Granja. Ela é a cerimonialista que entrevista os familiares e se encarrega de conhecer um pouquinho da personalidade de quem morreu, para que as características sejam usadas em um breve discurso.
— Muitas vezes, as pessoas acabam acolhendo a cremação porque não querem deixar o familiar em um cemitério, por exemplo, que parece ser um lugar triste e, por vezes, malcuidado. O lugar (no Memorial São José, que faz a cremação em Caxias do Sul e mantém um espaço para a guarda das cinzas) é um jardim, e isto acaba contribuindo para a ideia de que a pessoa ficará em um local bonito. Muitos também dispersam as cinzas ao mar, ou dão um destino menos triste — considera.
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O Dia de Finados serve como um momento para reflexão e lembrança. Por isso, a psicóloga orienta que o enlutado possa externar a dor e viver cada etapa do luto.
— É muito importante o comportamento de externar o que se está sentindo. Quem tiver algum familiar no cemitério, que se faça esta visita, que se tenha as boas lembranças. A fé também ajuda muito no processo de superação deste momento — sugere.
Maioria dos atendimentos é para outras cidades
Nos meses de setembro e outubro, o Memorial Crematório São José realizou, pelo menos, 155 cremações (média de 77 por mês), segundo publicações do obituário da empresa. Dessa média, cerca de 20 procedimentos são de moradores de Caxias do Sul, o que representaria 10% da demanda de sepultamentos feitos pela única empresa responsável pelos serviços fúnebres na cidade, o Grupo L. Formolo. Ou seja, a grande maioria das cremações é de moradores de outros municípios, inclusive Região Metropolitana de Porto Alegre. Mateus Formolo, assessor da direção da L. Formolo, diz que o serviço em Caxias poderia ser maior, não fosse o momento financeiro delicado que a região ultrapassa. Isto porque além dos gastos com o funeral, o valor da cremação chega a R$ 3,1 mil. Analisando apenas a questão do valor, a cremação é mais econômica para famílias que não possuem jazigos nos cemitérios. Nos espaços públicos, por exemplo, não há mais gavetas perpétuas à venda: as famílias pagam uma taxa de R$ 219, 31, mas só podem deixar o corpo no local por até cinco anos.
— Percebemos uma evolução comportamental grande e que vai mudar ainda mais ao longo dos anos. As novas gerações aceitam ainda mais a ideia, não mantêm o hábito de ir ao cemitério, por exemplo — afirma Formolo.
O mais comum é que as famílias mantenham a urna com as cinzas no próprio Memorial ou em capelas nos cemitérios, seguindo uma recomendação da Igreja Católica. No ano passado, o Vaticano chegou a proibiu a conservação das cinzas do morto em casa, evitando que se tornassem "lembranças comemorativas". Outro hábito comum, o de espalhar as cinzas no mar ou em outro tipo de ambiente, também foi vetado pela Congregação para a Doutrina da Fé.
O vendedor Pericles Ceron, 38, no entanto, optou por jogar as cinzas da avó, Francelina Alves da Rosa, 89 anos, no Rio das Antas, o que para ele, simbolizou a liberdade de uma vida nova.
— Achei um rito bastante sentimental e nesta situação de luto, é bem-vindo — resume.
Catolicismo permite
A cremação é permitida pela Santa Sé desde 1963. Embora diga que a cremação de um cadáver não é, por si só, a negação da fé cristã, o Vaticano ressalta que a preferência continua sendo pelo sepultamento dos corpos.
Prefeitura custeia seis cremações mensais
Como saída para a falta de gavetas e jazigos nos dois cemitérios públicos de Caxias do Sul, a prefeitura custeia cremações desde 2013. O que mudou, de lá para cá, é a quantidade e os critérios para que o serviço seja feito. Inicialmente, qualquer cidadão poderia reivindicar este direito, sem distinção de renda. Desde o ano passado, no entanto, o benefício passou a ser mais criterioso. Das cerca de 20 cremações mensais realizadas pelo Memorial São José, apenas seis são ofertadas à população pobre, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Além disso, a família do morto não pode ter jazigo ou capela. O falecido também não pode ter deixado bens.
A construção de um novo cemitério público no município custaria aos cofres públicos cerca de R$ 8 milhões.
MISSAS NOS CEMITÉRIOS
Cemitério Público Municipal (bairro Marechal Floriano)
Missas às 8h, 9h, 10h, 11h, 15h, 16h e 17h.
Memorial Crematório São José (Estrada São Virgilio, 1.450, 6ª Légua)
Às 10h celebração com o bispo dom Alessandro Ruffinoni.
Às 17h, celebração com o padre Renato Ariotti