Após três anos, a Rua Sinimbu volta a ser palco de um grande evento público e pode dar ânimo a uma manifestação que perdeu o fôlego. Trinta e cinco entidades de Caxias participam nesta quinta do desfile cívico, às 9h.
Embora os grupos envolvidos simbolizem ampla variedade de público, a data apresenta uma significativa queda de representatividade na cidade. Neste ano, o número de entidades participantes será o menor dos últimos 10 anos. Além disso, de 2007 e 2015 houve decréscimo de mais da metade dos espectadores – de 40 mil a 18 mil pessoas.
Para esta edição, a expectativa da Secretaria Municipal do Esporte e Lazer (Smel) é ainda menor: cerca de 15 mil pessoas devem prestigiar as apresentações.
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Uma das medidas retomadas nesta edição para resgatar o destaque do passado é justamente o retorno do desfile para a Rua Sinimbu, com a participação de escolas, instituições religiosas, empresariais, culturais, órgãos de segurança, Forças Armadas e escoteiros. Assim como o corso da Festa da Uva e do Carnaval de Rua, os dois últimos desfiles foram transferidos para a Rua Plácido de Castro, embora em 2016 tenha sido cancelado em razão do mau tempo.
– Neste ano voltamos a hastear e arriar a bandeira todos os dias. É um gesto simples, mas que já gera interesse. Tivemos dias que mais de 150 pessoas presenciaram o ato. E é esse tipo de movimentação que motiva a nossa esperança – diz a coordenadora da Semana da Pátria, Marília Lampert Fanton.
Ela reconhece a diminuição do interesse e envolvimento das entidades, o que, no entanto, considera um posicionamento equivocado por parte de alguns grupos.
– As pessoas confundem a situação do país e passam a odiar a pátria, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. Precisamos retomar esse amor e sentimento de defesa pela nação e desvincular questões políticas que não representam o que é a essência do nosso país – afirma.
NÚMERO DE ENTIDADES E PÚBLICO
:: 2007 - 44 entidades (40 mil pessoas)
:: 2008 - 51 entidades (10 mil pessoas)
:: 2009 - 51 entidades (não ocorreu)
:: 2010 - 42 entidades (20 mil pessoas)
:: 2011 - 50 entidades (22 mil pessoas)
:: 2012 - 45 entidades (18 mil pessoas)
:: 2013 - 56 entidades (18 mil pessoas)
:: 2014 - 55 entidades (15 mil pessoas)
:: 2015 - 52 entidades (18 mil pessoas)
:: 2016 - 51 entidades (não ocorreu - expectativa era de 8 mil pessoas)
:: 2017 - 39 entidades
A difícil reinvenção do sentimento
Para parte dos historiadores, cientistas políticos e sociólogos, o desfile cívico passou a ter maior visibilidade durante o período de vigência da ditadura militar, época, inclusive, que os eventos recebiam subsídios do governo. De 1964 e até meados dos anos 1980, a celebração alcançou o seu auge. A partir dos anos 1990, passou a perder a atenção do público e a valorização das instituições.
– Na época da ditadura havia todo um apreço pelo que representou naquele contexto. Porém, após a redemocratização observamos a queda desse atrativo. E hoje, o cenário político econômico certamente influencia para o aumento desse desânimo da população – avalia o cientista político João Ignácio Pires Lucas.
Embora avalie o momento como "perigoso" para a retomada do sentimento de nacionalidade, considerando o ressurgimento de movimentos pró-intervenção militar e a apropriação de partidos pela "causa patriótica", por outro lado, Pires Lucas acredita que a união da população poderia servir de alento para os momentos difíceis de hoje.
– É ruim essa indiferença e isso está aumentando. Seria importante retomarmos esse sentimento, dependendo, claro, da forma que for usado, apesar de ser difícil o reinventarmos. Precisamos valorizar nosso país de alguma forma.
A professora de história, Deise Angélica Pasqual soma-se à opinião de que a celebração do 7 de setembro aos moldes atuais perdeu o impacto.
– Temos que afirmar a importância da data, mas há outras formas de explorar essa valorização que não por meio da execução obrigatória do hino nas escolas durante a Semana da Pátria ou em meio aos desfiles que eram exaltados no regime militar – observa.
Ela também acredita que há um processo de ressignificação em andamento junto às novas gerações nas escolas.
– Os alunos, principalmente do Ensino Médio, estão cada vez mais envolvidos pelas questões do país, se interessando pelo Brasil e contra tudo que corrói a nossa nação. Acredito que é um novo modelo de patriotismo ressurgindo, que não precisa marchar, uma nova forma de falar sobre independência – afirma.
Falta de interesse enraizada e crescente
O desinteresse demonstrado pela população em geral pela celebração aproxima-se da percepção que o próprio protagonista da proclamação da independência teria sobre o fato. Em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I – à época apenas Dom Pedro –, declarou a emancipação político-econômica e social do Brasil, em ato realizado às margens do Rio Ipiranga.
O fato, ao longo do tempo, ganhou ares de romantização, referenciada principalmente pelo suposto grito de "Independência ou morte" que sequer teria sido proferido pelo então imperador.
Com o passar dos anos, a versão foi reformulada, sugerindo que a grandiosidade do gesto não era reconhecida pelo próprio Dom Pedro, que sequer teria gritado a famosa frase, ou vestisse trajes de gala, como indicavam gravuras.
Até mesmo o referido Rio Ipiranga, não passa de um mero riacho, existente até hoje em distrito de mesmo nome no Estado de São Paulo, onde corre em avançado estado de poluição.
"O patriotismo está morrendo e não ressurgindo"
A expressão "complexo de vira-lata" foi criada pelo escritor Nelson Rodrigues para se referir à baixa autoestima da população brasileira após ser derrotada na final da Copa do Mundo de 1950. A denominação, com o passar do tempo, ganhou contornos sociológicos passando a representar o sentimento de autodepreciação do brasileiro com o próprio país, o que explica, em parte, o desinteresse atual pelo Sete de Setembro.
Para o doutor em ciências sociais e professor do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), Marcos Paulo dos Reis, esse criticismo sem caráter construtivo, somado à desacreditação das instituições, são fatores que resultam na crescente desvalorização do país.
– Perdemos noções de pertencimento de nação e sentimento de comunidade. Não nos orgulhamos ou celebramos as conquistas, sempre buscamos uma perspectiva crítica. É claro que isso é importante, mas precisamos tratar com apego familiar, às vezes criticamos nossos pais e mães, mas continuamos a amá-los. Desta forma que deveríamos olhar para o nosso país – salienta.
Segundo ele, escolas não estão cumprindo o papel de resgatar essa valorização histórica.
– Há um criticismo total sendo pregado pelas instituições. Todos os países desfilam nos mesmos moldes, mas aqui estão se negando por associar à ditadura, sendo que desde 1822 se celebra essa data. Se o Exército continua a organizar é porque é a única entidade que toma iniciativa para isso. Ninguém é proibido de se envolver – afirma.
Ainda de acordo com o cientista político, não haveria qualquer processo de ressignificação ocorrendo em paralelo.
– O que existe são alguns grupos tentando subverter esse significado (de patriotismo). O que observo na verdade é a extinção completa do sentimento, vejo algo morrendo e não ressurgindo. Não estão substituindo por nada.
A existência da romantização por trás do ato não desvaloriza a significação, de acordo com Reis. Para ele, o floreio em torno do Grito da Independência criou uma simbologia comum em fatos históricos, nos quais se extrai os valores para valorização.
– A Páscoa e o Natal foram datas que perderam significado ao longo do tempo e hoje se resumem a reuniões familiares. Com o Sete de Setembro ocorreu algo muito pior. Estamos presenciando a morte de um valor e nos permitimos a isso.
Bandas à parte
Apesar do declínio da celebração, um dos elementos mais clássicos dos desfiles cívicos resiste ao tempo e continua sendo uma das maiores atrações. Das 35 entidades participantes do evento, 18 possuem bandas marciais. Dessas,16 são formadas em escolas.
Entre os mais tradicionais e consolidados em Caxias, está o grupo do Instituto Cristóvão de Mendoza, que neste ano comemora 52 anos de atuação. O envolvimento dos integrantes, no entanto, não se restringe a eventos próprios ou ao desfile de Sete de Setembro.
– Cerca de 40 pessoas compõem nossa banda, entre alunos, ex-alunos e músicos de fora. O Sete de Setembro acaba sendo só mais um entre tantos eventos que participamos – explica a diretora da escola, Fabiana Simonaggio.
Também com ampla reputação, outra instituição conhecida é o Colégio São Carlos. Com 57 anos de história e características do folclore musical escocês, a banda marcial conta com a participação de cerca de 80 integrantes.
– Além de dar orgulhos à nossa escola, a banda estimula noções como disciplina, esforço e dedicação aos nossos alunos – informa a coordenadora de atividades extracurriculares do São Carlos, irmã Celina Nazário.
Cursando o 2º ano do Ensino Médio, a estudante Julia Machado, 17 anos, atua como mor (comandante) da banda. Ela coordena toda a movimentação dos músicos.
– O desfile de Sete de Setembro é o evento mais importante do nosso ano, mas sempre nos focamos nos aspectos musicais, nem tanto no histórico _ conta a aluna.
O exemplo de que a cultura das bandas resiste e atrai novos adeptos é o da Escola Melvin Jones, que incentiva a atividade há cerca de dois anos.
– Desde o início do ano, nossos alunos se dedicam para os ensaios do Sete de Setembro. Não temos os melhores instrumentos, mas nossos estudantes demonstram interesse e empenho e isso valida a banda como uma importante ferramente pedagógica – defende o coordenador do grupo e regente, Clairton Balbueno Contreira.