Quem passa em frente aos prédios do loteamento Rota Nova, na zona oeste de Caxias do Sul, certamente se questiona sobre o motivo das moradias ainda estarem vazias seis meses após a conclusão da obra. Construídos com recursos do município e também do governo federal, os 420 apartamentos já deveriam ter recebido famílias que vivem em áreas de ocupação e extrema vulnerabilidade às margens da Rota do Sol nos bairros Santa Fé e Cidade Industrial. A promessa era de que o empreendimento fosse entregue ainda em março deste ano, porém, por questões meramente burocráticas como, por exemplo, a dificuldade em encontrar espaço na agenda presidencial para inauguração do complexo habitacional tem adiado o sonho de moradores.
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Além de conviverem diariamente com o perigo de acidentes, já que estes pontos da ERS-122 concentram dezenas de mortes, as famílias também enfrentam sérios problemas com a infraestrutura das moradias atuais: casas constantemente inundadas pelo esgoto, com paredes prestes a desabar e risco constante de contrair alguma doença. Apenas numa área do Cidade Industrial, ao menos 12 famílias convivem com esta situação.
– Perdi as contas de quantos prazos de entrega recebemos desde 2011, quando nos inscrevemos no programa de reassentamento. Meus filhos sonham toda noite com a nova casa. Hoje, a que temos está caindo e sempre que chove o esgoto invade todos os cômodos. Estou desempregado e não tenho dinheiro para sair daqui. A única esperança é o Rota Nova – conta Thiago Fogaça da Luz, 30 anos, que vive há 11 no local com a esposa e os filhos pequenos e, inclusive, já separou caixas de papelão para fazer a tão esperada mudança.
Drama parecido vive a dona de casa Lidia de Oliveira Saldanha, 57. A mulher e o filho moram a poucos metros da rodovia e já gastaram o que tinham de dinheiro para arrumar a papelada do novo lar.
– É claro que eu queria ter condições de viver num lugar melhor sem ter que depender do governo, mas não tenho condições. Sair daqui é um sonho tão grande que não sei explicar. A gente está sujeito a tudo aqui, até pegar alguma doença. O esgoto sobe pelos ralos e do lado de fora da casa, a água suja fica pelo joelho – lamenta.
"A vida da minha família está em risco"
Numa casa de madeira extremamente precária e com riscos de desabar, no Cidade Industrial, José Henrique Duarte da Silva, 50 anos, vive com a esposa e a filha adolescente. O local foi inundado pelo esgoto recentemente, o que obrigou a família a abandonar o térreo da moradia e viver em dois pequenos cômodos do piso superior: de um lado ficaram os móveis que sobraram da cozinha e no outro, uma cortina separa a sala dos quartos. Inclusive, as paredes e o teto cederam. Além disso, toda vez que um caminhão passa em alta velocidade pela rodovia, o que acontece com frequência, a casa treme.
– A vida da minha família está em risco. Tenho insônia todos os dias, angustiado, sem saber o que nos espera. Se chove, o esgoto fica pelo joelho e invade a casa. Com tempo bom, os bichos aparecem. Não vivemos aqui, sobrevivemos – lamenta ele.
A situação da família tem um agravante: aposentado por invalidez após sofrer um acidente de trabalho há um ano, Silva precisa de remédios para dor. Porém, nos últimos meses tem deixado de ir a farmácia para usar o dinheiro no conserto da casa. A quantia economizada também serviu para pagar as diversas taxas e documentos cobrados para a transferência ao Rota Nova.
– Até agora só nos cobraram documentos e nada aconteceu. É óbvio que a esperança não morreu, mas estou sem forças para lutar. Quando fiz a inscrição pro novo loteamento, meu coração ficou aliviado. Só que seis anos depois, o sonho não virou realidade. Ver a minha família vivendo nestas condições acaba comigo – desabafa.
Situação é desumana, diz secretário
Casos parecidos e até piores também são fáceis de encontrar em outros pontos da Rota do Sol. Conforme a prefeitura, todas as moradias envolvendo famílias que vivem às margens da Rota do Sol são considerados graves e urgentes.
– Da parte do município está tudo certo. Estamos lutado para fazer as transferências o quanto antes, mas esbarramos em problemas que fogem da nossa alçada. A situação destas pessoas é desumana e estamos fazendo o possível para darmos condições melhores para elas – afirma o secretário Elizandro Fiuza.
A reportagem do Pioneiro tentou contato com o Ministério das Cidades, responsável pelo programa de reassentamento, mas não obteve retorno até a noite de quarta-feira. A expectativa a prefeitura é de que as famílias sejam transferidas até setembro.
O ROTA NOVA
:: A construção dos apartamentos teve início em 2014, mas a transferência das famílias que vivem em moradias na Rota do Sol não tem prazo para ocorrer, em função de burocracias do governo federal
:: São 420 apartamentos, de 49 metros quadrados cada, no loteamento Mattioda.
:: O projeto também inclui a construção de unidade básica de saúde (UBS), escola de turno integral e centro social, recuperação ambiental das áreas invadidas e asfaltamento das ruas Pedro de David e Luiz Covolan.
:: Todo o projeto é orçado em cerca de R$ 50 milhões, com recursos do governo federal e contrapartida da prefeitura.