Uma semana após a morte do jovem Guilherme Yuri Padilha, 19 anos, as forças de segurança de Caxias do Sul ocuparam o perímetro das três ruas que formam o reduto boêmio da cidade, no Largo da Estação Férrea, bairro São Pelegrino, e prometeram tolerância zero para todos os tipos de delitos. Anunciaram também que a força-tarefa, iniciada na noite da última sexta-feira, será permanente nos finais de semana pelo menos até o final de 2017. A ação dividiu opiniões: enquanto uma parte dos frequentadores comemorou a presença da polícia, outra saiu com o sentimento de que foi uma blitz desproporcional, que serviu principalmente para afastar consumidores.
Sob pressão para resolver o antigo problema de sucessivas confusões, brigas e homicídios no local – idealizado para ser um centro cultural e de vida noturna –, o secretário municipal da Segurança Pública, José Francisco Mallmann, garante que a ofensiva não vai enfraquecer, independentemente das críticas:
– Ela vai se desencadear todas as sextas e sábados para que crimes como o que atingiu Padilha não aconteçam mais. Isso será rotineiro, queremos que a população perceba o poder público. Pode anotar: é tolerância zero.
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Na primeira noite da operação, as ruas Augusto Pestana, Coronel Flores e Os Dezoito do Forte foram bloqueadas, por volta das 23h, para a passagem de todos os motoristas, que tiveram de parar e fazer teste do bafômetro. O trajeto, percorrido normalmente em um minuto, levou até uma hora.
Nas calçadas, servidores da Brigada Militar e da Guarda Municipal, supervisionados por Mallmann, revistavam dezenas de pessoas, enquanto o estacionamento da Augusto Pestana, que costumava abrigar carros com som alto, era bloqueado. Para assegurar que a vigilância permanente não se torne outra promessa frustrada, como em anos anteriores, Mallmann afirmou que os guardas municipais já têm horas extras garantidas até dezembro.
Morte banal de jovem foi estopim para mudança
A maior preocupação dos moradores e frequentadores do Largo da Estação é com brigas que terminem de forma trágica, como aconteceu com Guilherme Padilha, que teria sido esfaqueado somente por reagir à provocação de outro jovem, que lhe pediu um cigarro. O crime ocorreu quase em frente ao Mississippi, e as marcas de sangue ficaram próximas à porta do estabelecimento. Somado a outros episódios, foi o estopim para que o prefeito Daniel Guerra colocasse as equipes nas ruas.
– Estávamos pedindo policiamento há tempos. A gente sente que quando eles (policiais) estão circulando, é bem melhor. Precisamos dessa presença – afirma Gabriela da Silva Scopel, gerente do bar.
Para o administrador de um estacionamento, porém, a blitz na Estação só impede o fluxo normal das pessoas, e não afasta necessariamente os mal intencionados.
– Ontem (sábado) ficaram aqui até as 3h. Quinze minutos depois já havia carros com som alto, e o tumulto de sempre. Impedir que jovens consumam bebidas alcoólicas e andem armados se faz com policiais e guardas abordando suspeitos. A blitz chama a atenção, mas prejudica quem quer vir jantar e se divertir. Que seja feita quatro ou cinco quadras adiante – sugeriu Adriano Pieta.
Comerciante diz que força-tarefa "matou" a noite
O proprietário de um dos bares que fica na Rua Coronel Flores, que prefere não se identificar, lamenta que a força-tarefa "matou" a noite no seu estabelecimento, fazendo o movimento cair em 50% a 60%. A mesma percepção tem Cristiano Bortolon, responsável por uma loja de conveniências na esquina da Rua Os Dezoito do Forte com a Coronel Flores:
– O movimento e o faturamento da loja foram um terço do normal. A gente precisa de segurança, mas não que tirem as pessoas da Estação.
A ideia da gestão de Guerra é testar, a cada fim de semana, a evolução do trabalho. Não estão descartadas hipóteses como a colocação de cancela na Augusto Pestana, de guarita da Brigada Militar e de câmeras de vigilância. Ao longo dos meses, o objetivo é criar uma cultura de respeito à convivência no espaço público, o que é saudado principalmente por proprietários de bares e restaurantes, que se organizam por meio da Associação Amigos do Largo da Estação (AALE) e cobram providências urgentes. A situação piorou desde o Carnaval de 2016.
– A revitalização aqui foi bonita, a população recebeu coisas novas. Acho que, para manter, ações como essas podem repercutir para a cidade como um todo. Pedimos que nos socorram para controlar isso aqui. É óbvio que ninguém quer ter na sua porta alguém sofrendo qualquer tipo de abuso ou sendo machucado – pondera César Casara, dono da Level.
Entre alguns dos jovens que têm como hábito frequentar a Estação Férrea sem adentrar nos bares e casas noturnas, a medida não agradou. Bruno Gomes, 24 anos, Jezer Silveira, 20 anos, e Bruno Cardoso, 20 anos, são moradores do bairro Santa Fé e há cerca de cinco anos costumam passar as noites de final de semana no principal point caxiense. O trio entende que houve abuso por parte das autoridades.
– A gente vem aqui e fica de boa, como a maior parte do pessoal. Quem arruma briga é porque já tem brigas anteriores, que se resolvem aqui. Por isso, seria bom melhorar o patrulhamento para impedir isso. Mas quem não tem nada a ver precisar colocar a mão na parede e ser revistado é um abuso – reclama Bruno Gomes.