Mortos de forma precoce e violenta, Felipe Gonçalves Guedes, 12 anos, João Vitor Santos da Silva, 15 anos, Tiago Wolf da Rosa, 14 anos, Fernando Giovani Maculan, 17 anos, Luan Padilha da Silva de Freitas, 14 anos, Felipe Ramos da Silva, 16 anos, Kelvin Weslen Arceno Vieira, 15 anos, e Vitor Gois Neves, 14 anos, fazem parte, agora, de uma nefasta estatística. Nos primeiros oito meses deste ano, o número de assassinatos de adolescentes é igual a todos os 12 meses de 2015 em Caxias do Sul.
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Metade das mortes de jovens em Caxias em 2016 tem relação com o tráfico
De acordo com a Polícia Civil, são 200 ocorrências a mais envolvendo jovens por ano na cidade. Reflexo da falta de políticas públicas adequadas, ausência de espaços de lazer, cultura e educação em bairros dominados pelo tráfico de drogas, e da insegurança crescente, a situação tende a piorar se medidas enérgicas não forem adotadas.
Um alerta trazido pelo Pioneiro em 2009 confirma que pouco se fez para estancar a gravidade do problema. No dia 15 de dezembro daquele ano, 77 adolescentes haviam sido executados na década que se encerrava - média anual de 7,7 casos. Se continuar no ritmo de 2016, o índice saltará para, no mínimo, oito por ano - isso se nenhum garoto ou garota forem mortos violentamente até 31 de dezembro.
Especialistas ressaltam que os bandidos ocupam, cada vez mais, o papel do Estado e da família no cotidiano de crianças que se acostumam a conviver com a violência, como se ela fosse algo banal. O caminho a curto prazo, apontam, é equipar, por um lado, as comunidades com locais ofereçam novas possibilidades de futuro, e fortalecer, por outro, as instituições que reabilitam os infratores.
– Eles precisam de oportunidades reais, especialmente nos finais de semana. Várias pesquisas mostram que, enquanto são crianças e frequentam a escola, os pais conseguem mante-los em casa. Só que, quando entram na adolescência, eles querem grupos que os acolham, e quando a sociedade não dá retorno, muitos encontram nas drogas a forma de se tornaram visíveis – analisa a doutora em Serviço Social e coordenadora do núcleo de estudos em Políticas Públicas da UCS, Ana Maria Paim Camardelo.
Onde o tráfico é o Estado
Em pelo menos três lugares de Caxias do Sul onde os adolescentes perderam a vida no ano passado por causa da criminalidade, os traficantes estabeleceram um domínio que praticamente substituiu o Estado. Nos bairros Montes Claros (foto abaixo), Vila Ipê e Euzébio Beltrão de Queiróz (Vila do Cemitério), jovens têm sido recrutados para vigiar bocas de fumo, transportar entorpecentes e, em algumas ocasiões, cumprir serviços que poderiam resultar em prisões para os bandidos maiores de 18 anos.
A sedução do dinheiro fácil e do status junto à comunidade, aliada à escassez de alternativas, empurra meninos e meninas, boa parte recém-saídos da infância, para uma jornada que, salvo exceções, tem um destino trágico.
– Eles são chamados a ganhar um percentual por mês para cada trabalho que exercem. Depois que são inseridos no sistema, é bem complicado sair. Trabalhamos para desfazer uma cultura voltada para famílias desestruturadas e para o crime. Sem mudar o social, isso continuará sendo a via de escape – acredita Rodrigo Duarte, da Delegacia de Homicídios e Desaparecidos de Caxias.
O local mais grave de cidade, conforme ele, é a Vila do Cemitério. Composto de ruelas, becos e casas conjugadas, o bairro vive em constante tensão entre polícia, moradores e traficantes. No final de 2015, uma ofensiva – batizada de Operação Sepultura – que mobilizou 150 policiais resultou na prisão de oito pessoas suspeitas de integrar duas facções que disputavam o controle da área, que segue monitorada.
– Nesta ação, constatamos que vários jovens estavam no meio. Alguns, inclusive, já morreram. A operação, isoladamente, causa um efeito imediato, mas não contínuo. É preciso regularizar aquelas moradias e fazer um planejamento urbano. Do contrário, tudo retorna – afirma Duarte.