Manter-se motivado quando não há perspectivas de melhora imediata da economia é tarefa desafiadora. Enquanto muitos controlam os gastos e evitam novas despesas, há quem escolha o momento para compartilhar algo que não fará falta: o conhecimento. Rosalva dos Santos, 40 anos, dá aulas de pintura predial voluntariamente na Legião Franciscana de Assistência aos Necessitados (Lefan). A intenção é retribuir à sociedade o suporte que recebeu há 10 anos, quando desembarcou em Caxias do Sul só com a roupa do corpo e três filhos à tiracolo, fugindo de um relacionamento abusivo. Se agora tem casa própria, carro, consegue sustentar os filhos em condições confortáveis e ainda bancar tranquilamente uma empresa com 12 colaboradores, é porque recebeu um empurrãozinho inicial.
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– Em todas as dificuldades que enfrentamos, é o cara lá de cima nos testando, vendo como podemos dar ainda mais de nós. As pessoas só precisam de oportunidade para vencer. E é isso que estou dando a elas – afirma.
Rosalva, que deixou o município gaúcho de Pirapó, recebeu novo nome em território caxiense: por aqui, é conhecida como Pereirão, nome que remete à personagem de Lília Cabral na novela global Fina Estampa, de 2011. As técnicas para pintar prédios e trabalhar com fiação elétrica foram adquiridas em cursos da Lefan e do Senac, respectivamente.
A remuneração obtida por assumir uma obra na primeira semana de curso foi suficiente para deixar o aluguel de um quarto no bairro Esplanada. Até então, Rosalva dormia com os três filhos em um colchão, aquecendo-se com cobertas doadas, assim como roupas e calçados. Dois meses depois, estrearia na construção civil faturando R$ 35 mil em uma empreitada. A última vez que Rosalva saiu em férias, ainda morava em Pirapó.
– Eu não vivo a crise, não senti menos trabalho. O segredo é não enxergar dificuldades em tudo, ser curioso e não querer só folga. E claro: saber investir o dinheiro, não gastar com bobagens – aconselha.
Ajuda também veio de professor
Um dos incentivos para Rosalva veio de um dos professores do curso de pintura predial. Mesmo sem ter experiência no ramo (até então ela só havia trabalhado na roça), foi o comerciante Juarez Marcarini quem lhe indicou os primeiros clientes. De cara, ele percebeu que Rosalva seguiria a profissão, já que era, de longe, a mais interessada da turma.
– Ela não sabia fazer a maior parte das coisas, mas isso não foi problema. Quando há determinação, o que era o caso dela, só é preciso orientação – avalia Marcarini.
Agora, Rosalva está repetindo o gesto de Marcarini com seus próprios alunos, encaminhando os estudantes para uma das 10 obras em andamento neste mês, como a pintura da Escola Estadual Aristides Germani. Um dos beneficiados é Jorge Martins dos Santos, 42 anos, que, como ela, também tinha pouca experiência como pintor. Morador de um abrigo há dois anos e com dificuldade de encontrar emprego, Santos demonstrou iniciativa e foi adotado por Rosalva como ajudante oficial.
O aluno está aprendendo, recebe remuneração semanal e deve tocar parte das obras enquanto Rosalva finalmente irá tirar suas merecidas férias.
– Eu agarrei a oportunidade com as duas mãos. Não tenho medo de fazer força e sujar as mãos – afirma Santos.
Qualificação é melhor saída
Nestes 10 anos, Rosalva perdeu as contas de quantos cursos técnicos fez. Desde o famoso Empretec, que estimula o empreendedorismo pelo Sebrae, até cursos que a formaram na área de engenharia elétrica e abriram um leque importante de oportunidades. Seguindo tendência em cidades maiores, operários de Caxias do Sul estão tendo acesso à escola dentro do canteiro de obras. O projeto da MRV Engenharia, iniciada no primeiro semestre, possibilitou que adultos que não dominam a leitura e a escrita ou profissionais alfabetizados que não concluíram o ensino médio, por exemplo, obtenham um certificado para enriquecer o currículo.
O aprendizado inclui desde aulas básicas de matemática até cálculos de área usados nas obras, por exemplo. Por meio desta ação é que o servente de pedreiro João Pedro de Oliveira, 49 anos, passou a ler com mais precisão as linhas de ônibus.
– Assim que eu soube da oportunidade, me inscrevi. Como ficamos cansados à noite, ter a chance de estudar em meio ao turno de trabalho é motivador – descreve.
A busca por qualificação, por mais simples que seja, é o grande diferencial. Quem garante é o coordenador do Sebrae, Rogério Rodrigues, que enxerga uma característica essencial para quem deseja principalmente empreender: a identificação de um plano de negócios ou de quais nichos você pode atuar.
– Um período, mesmo que curto, de instrução traz resultados na prática. As oportunidades, por meio de um plano de negócios, ajudam o empreendedor a compreender o mercado –afirma.
Use seu tempo para autoconhecimento
O exemplo de Rosalva deu certo por uma sequência de escolhas acertadas: um nicho não muito explorado, principalmente pelo público feminino, a curiosidade de aprender e por um processo de autoconhecimento importante. Professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a psicóloga especialista em organizações Silvana Marcon avalia que ao passar pela fase do desemprego, a melhor alternativa é usar o período para o autoconhecimento.
– Olhar para si próprio é um passo essencial. Por que será que meu vizinho conseguiu emprego e eu não? Atualmente, as indicações deram lugar a processos seletivos em que é preciso demonstrar muita qualificação – afirma.
Ter vontade de trabalhar e não se envergonhar em regredir no salário ou cargo também são fatores determinantes, segundo Silvana:
– Nessa hora, esqueça o orgulho. É preciso humildade para pedir ajuda na recolocação do mercado de trabalho.