Nos últimos meses, os brasileiros vêm sendo atemorizados por um novo vilão, o zika vírus. Com ele, entrou no vocabulário diário da população uma palavra que assusta principalmente as mulheres grávidas: microcefalia. Embora desconhecida por muitos, entretanto, essa condição neurológica em que a criança nasce com o perímetro cefálico (da cabeça) menor que o normal não é nova, e muitas famílias já convivem com o problema há tempos.
Confira as últimas notícias do Pioneiro
É o caso da dona de casa Marisa Alves Cabral, moradora de Caxias do Sul. Há 19 anos, ela estranhou que seu filho Márcio, então com oito meses, ainda não engatinhava nem sentava sozinho. Procurou um médico e, após uma tomografia, o diagnóstico foi microcefalia.
- Eu não havia feito pré-natal, e peguei toxoplasmose na gravidez - conta Marisa, hoje com 38 anos.
Na época, ela morava em um sítio no interior de Esmeralda e não tinha a mínima ideia do que microcefalia significava. O médico deu esperanças de que, com o tempo, Márcio falaria e caminharia. Mas isso não aconteceu. Apesar de ter aprendido a sentar e comer frutas sozinho, até hoje ele apenas balbucia algumas coisas, não caminha e precisa dos cuidados da mãe em tempo integral. Duas vezes por semana, mãe e filho, que hoje moram em Caxias do Sul, frequentam a Apae, onde ele participa de oficinas para socialização e faz fisioterapia.
Nem todos os que têm microcefalia apresentam os mesmos problemas, ressalta o coordenador da fisioterapia da Apae, Ruy José Matunaga Santos: em alguns o déficit é maior na parte cognitiva, em outros, na parte motora. Há inclusive aqueles que frequentam a escola e caminham normalmente.
A professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Raquel Saccani, também fisioterapeuta e pós-doutoranda em Ciências do Movimento Humano, explica que o grau de dificuldade vai depender de quanto o encéfalo se desenvolveu, e de quais as áreas afetadas:
- Às vezes, pequenas diferenças nas áreas afetadas influenciam nos diferentes sintomas.
Ela acrescenta que a microcefalia é considerada uma má formação congênita e, após o nascimento, não há como desenvolver o encéfalo. O que se faz é tratar os sintomas, com medicação (anticonvulsivos, se necessário) e fisioterapia (para desenvolver o movimento).
Raquel destaca ainda que, com o recente aumento dos casos de microcefalia, estão surgindo muitos mitos associados à questão, como de que vacinas e água seriam os responsáveis - ambas as colocações são falsas. A ligação com o zika vírus, por outro lado, já estaria sendo comprovada por estudos.
A existência de diferentes graus da microcefalia é confirmada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo quem os sintomas podem ser múltiplos, incluindo déficit de aprendizagem, epilepsia, paralisia cerebral, perda de audição e problemas de visão. Haveria, ainda, crianças com microcefalia que se desenvolvem normalmente.
No seu site, a OMS ressalta que a microcefalia uma condição extremamente rara, apresentada por um em muitos milhares de bebês, e nem sempre a causa é conhecida. Entre eles, podem estar infecções durante a gravidez, como a toxoplasmose, a rubéola, a herpes, a sífilis e o HIV, entre outros. Exposição a produtos químicos, metais pesados, álcool, radiação e cigarro também podem ser causas, bem como anomalias genéticas e má nutrição.
O zika vírus, transmitido pelo Aedes aegypti, mesmo mosquito causador da dengue, também é um possível causador da condição, pois no Brasil foi verificado o aumento do número de casos de microcefalia entre bebês de mães que contraíram o zika na gestação.
Não há um tratamento específico para microcefalia. O importante é que os bebês e crianças sejam atendidos desde cedo por um time multidisciplinar, que estimule seu desenvolvimento.
Saúde
Família de Caxias do Sul convive há 19 anos com microcefalia
Aumento dos casos coloca o problema em evidência, porém condição não é nova e pode ter muitas causas
Maristela Scheuer Deves
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project