Foi uma questão de honra para oficiais e praças da Brigada Militar (BM) cortar a própria carne e esclarecer a desastrada perseguição que roubou a vida do universitário Lucas Raffainer Cousandier, 19 anos, na madrugada de 4 fevereiro, em Caxias do Sul.
A investigação conduzida pelo Comando Regional de Polícia Militar (CRPO/Serra) revelou que três soldados da corporação fizeram de tudo para camuflar o equívoco fatal: atiraram contra jovens desarmados, implantaram armas para incriminá-los e dispararam contra a própria viatura para simular legítima defesa. A versão não convenceu e foi desmascarada por testemunhas e informações do sistema de rastreamento do carro usado pelos servidores.
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Emerson Luciano Tomazoni, Gabriel Modesto Ceconi e Devilson Enedir Soares tiveram a prisão preventiva decretada nesta quinta-feira pela 1ª Vara Criminal, a pedido da própria BM e com parecer favorável do Ministério Público (MP). Os servidores, que cumpriam atividades administrativas desde a perseguição, foram levados para o Presídio Policial Militar, em Porto Alegre.
O comandante do CRPO/Serra, coronel Antônio Osmar da Silva, não divulgou detalhes da investigação, apenas confirmou que os três praças ficarão de 10 a 15 dias recolhidos até a conclusão do inquérito da corporação, prazo que pode ser prorrogado. Para o oficial, não houve despreparo, mas problemas de conduta dos PMs.
- A prisão dos policiais é uma resposta ao valoroso efetivo da BM e à comunidade. Ficou provado que a versão apresentada pelos PMs no dia da perseguição não é verdadeira - ressaltou.
O oficial também comentou a tentativa dos PMs de forjar a cena do crime:
- A conduta desses PMs ao portar armas frias foi ilegal e irregular, e é por isso que estão presos, essa não é a conduta padrão dos PMs, não faz parte da técnica militar.
O comandante lembrou que o treinamento recebido pelos PMs deixa claro que arma de fogo só deve ser usada em caso extremo. Ou seja, antes de atirarem contra os jovens, a equipe deveria ter verificado a placa e ponderar sobre o horário da abordagem, pois muitos jovens voltam de festas na madrugada.
- Cada detalhe desse crime gravíssimo é muito importante e a situação mais grave, nós não conseguimos converter, que é a morte desse rapaz. Mas é preciso ficar claro que os 99,99% colegas que estão aqui, estão muito sentidos com o que aconteceu e continuam trabalhando - finalizou o coronel.
Versões diferentes
Em depoimento nos dias anteriores à prisão, os três soldados afirmaram que apenas se defenderam de disparos que vieram do Ka onde estava Cousandier e os amigos Felipe Veiga, 22, e Tiago Signor, 22, jovens que vieram a Caxias do Sul a passeio. Os policiais apresentaram na delegacia dois revólveres que estariam em poder dos jovens para justificar o disparo que matou Cousandier.
O caso começou a ser desvendado justamente por meio de um revólver cromado calibre 38 apresentado na delegacia como se tivesse sido apreendido no carro dos jovens. Diferentemente de uma segunda arma com numeração raspada apreendida no mesmo veículo, esse revólver tinha registro e propriedade. Os investigadores do CRPO identificaram o dono e descobriram que os colegas de farda tinham recolhido a arma numa casa dias antes da perseguição.
Os PMs, porém, não registraram ocorrência de apreensão ou entregaram o armamento na delegacia, como determina a lei. Ainda durante a madrugada do dia 4 de fevereiro, outras testemunhas viram policiais atirando contra uma viatura numa rua do bairro Kayser, a cerca de dois quilômetros do local onde Lucas foi baleado.
Inquérito da Polícia Civil
O titular da Delegacia de Homicídios e Desaparecidos, Rodrigo Duarte, considera o caso encerrado. Ele anunciou que deve indiciar os PMs por homicídio doloso, fraude processual, peculato (apropriação por parte do funcionário público de dinheiro ou qualquer bem público ou privado) e abuso de autoridade. O inquérito será concluído em 10 dias.
CONTRAPONTO
A advogada da Associação Beneficente Antônio Mendes Filho da Brigada Militar (Abamf), Marciane Gehlen, está representando os PMs Emerson Luciano Tomazoni, Gabriel Modesto Ceconi e Devilson Enedir Soares. Ela informou que vai se manifestar sobre o caso nesta sexta-feira.