Interessada pela cultura do Senegal, Juliana Rossa, jornalista e professora da Faculdade Murialdo de Caxias do Sul, pesquisa esse universo há pelo menos dois como doutoranda em Letras pela UCS/UniRitter (linha de pesquisa Leitura e Processos Culturais). Ainda inconcluso, o estudo revela como a religiosidade é fundamental na afirmação desses migrants numa sociedade como Caxias do Sul.
Do que se trata o estudo?
Estudo sobre migrações desde o meu mestrado em Letras, finalizado em 2010, quando desenvolvi uma pesquisa sobre representações de identidades e regionalidades em blogs de brasileiros residentes na Itália. Ao perceber a presença dos senegaleses em Caxias do Sul, tive interesse em pesquisar sobre eles no doutorado em Letras. A caminhada iniciou-se com a análise dos discursos que emergiam dessa realidade como textos de jornais e Facebook, entre outros. Com o trabalho etnográfico, que já dura cerca de dois anos, fui percebendo o quanto a religião é importante para esses imigrantes. A cada evento que acompanhava, encantava-me, principalmente, com os cantos e, particularmente, com a maneira que eles os entoavam. Dessa forma, recentemente, mudei o foco da pesquisa, que agora está centrada na poesia oral e a performance dos cantos religiosos murides dos senegaleses.
Mais de 90% dos senegaleses são muçulmanos. O islamismo praticado no Senegal é caracterizado pela influência do Sufismo, corrente mística do Islã, que tem no Muridismo uma das fraternidades de maior destaque, principalmente na etnia wolof. O Muridismo nasceu no final do século XIX, por meio do líder religioso Cheikh Ahmadou Bamba Mbacké (1853-1927). Ele produziu muitos poemas de louvor a Deus e ao profeta Maomé. Esses poemas são entoados em cânticos por aqueles que seguem a religião. As manifestações religiosas são marcadas pela execução de poemas cantados, seja individual ou coletivamente.
Percebi que a religião é vivida por meio do corpo, e uma das evidências mais marcantes são as expressões vocais. A intensidade com que são entoados esses cânticos chama muito a atenção. Eles usam modulação de timbres, sobem oitavas, é algo que envolve muita emoção para quem canta e para quem escuta.
Como a religiosidade auxilia na integração ou na vivência dos senegaleses numa sociedade como Caxias?
Algo interessante a ser destacado é que, culturalmente, os senegaleses possuem laços sociais diferentes dos nossos, que são mais individualistas. Vários deles relatam que não conheciam nenhum senegalês ao chegar no Brasil. Contudo, basta um primeiro contato para que haja auxílio mútuo. Esses laços impendem que um senegalês passe dificuldade sozinho.
Autores que já pesquisaram o tema em outros países dizem que a religiosidade auxilia fortemente a questão migratória dos senegaleses. A religião serve como uma ferramenta, uma rede que orienta e apoia os imigrantes senegaleses no mundo. Essas redes também atuam na manutenção da identidade coletiva desses imigrantes.
Frequentemente, os líderes religiosos visitam os senegaleses espalhados pelo mundo todo. Os senegaleses em Caxias do Sul, por exemplo, já receberam várias visitas, como a do líder Serigne Mame Mor Mbacké, um dos descendentes de Cheikh Ahmadou Bamba, em março deste ano. Nessa oportunidade, houve um grande encontro no auditório do Colégio São José, com a participação, inclusive, do bispo Dom Alessandro Carmelo Ruffinoni. Os líderes fazem essas visitas para verificar como estão os imigrantes senegaleses, acompanhando, inclusive, questões políticas e de acolhimento.
Qual o impacto que o islamismo dos senegaleses causa nos moradores moldados pelas doutrinas católicas e evangélicas, por exemplo?
Acredito que ainda não exista um impacto direto. Até porque a maioria das pessoas não sabe que os senegaleses são muçulmanos e desconhecem suas práticas. Os caxienses veem que os senegaleses andam pela cidade com roupas diferentes, mas penso que poucos conheçam a realidade religiosa desses imigrantes. Na verdade, nossa população conhece muito pouco a respeito dos imigrantes senegaleses, por isso verificamos preconceito em relação a eles.