No aniversário de 125 anos de Bento Gonçalves, sabe-se que os 113.287 bento-gonçalvenses não se intimidam quando o assunto é empreendedorismo. Polo industrial e moveleiro, e agora também líder no turismo, Bento é um dos três destinos indutores do Estado, eleito pelo Ministério do Turismo, sendo o principal enoturístico do país.
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Estimativa da prefeitura é que 1,3 milhão de turistas tenha visitado a Capital Nacional do Vinho em 2014 - e o dólar nas alturas só tem contribuído para que o número de visitantes cresça, garante o secretário de Turismo, Gilberto Durante, já que intimida viagens ao exterior. A crise econômica nacional, portanto, não tem impactado este setor. Somente no Vale dos Vinhedos foram quase 400 mil turistas no ano passado - e a expectativa é que esta marca já tenha sido atingida em 2015. A Secretaria de Turismo de Caxias do Sul estima que 289 mil turistas passem pelo município anualmente.
É claro que o papel das administrações municipais foi decisivo para a articulação do turismo local, com implantação de políticas públicas, mas quem de fato tomou frente diante deste processo são empresários que se tornaram referências de lideranças. O que aconteceu dali em diante é fruto do trabalho de pelo menos um empreendedor de cada um dos quatro distritos de Bento, que convenceu os vizinhos que receber bem o turista (o que já está no DNA do povo serrano) poderia se tornar bastante lucrativo.
Famílias comandam os Caminhos de Pedra
Ainda que o cultivo da uva seja fator comum entre os distritos da cidade, há características autências que diferenciam cada distrito de Bento Gonçalves. Nos Caminhos de Pedra, na localidade de São Pedro, o grande diferencial são os casarões históricos restaurados que oferecem refeições, comércios e outros serviços, que movimentaram até a metade deste ano 220 mil turistas - estima-se que cerca de 20% sejam caxienses. São sete quilômetros asfaltados com mais de 20 estabelecimentos, quase que totalmente comandados por famílias naturais do distrito.
O responsável por impulsionar o turismo nos Caminhos de Pedra é o empresário Tarcísio Michelon, proprietário da rede de hotéis Dall'Onder. O trabalho começou de forma tímida, no começo de 1990, quando implantou cursos do Sebrae aos colonos, para apresentá-los os benefícios do turismo. Até as crianças ganhavam cursos de guias turísticas mirins.
- No início, achávamos a ideia maluca, sem pé nem cabeça. Turismo dar dinheiro? Bom, então a Cantina Strapazzon abriu, e foi nos provando que podia dar certo - afirma uma das proprietárias do Restaurante Nona Ludia, Graziela Cantelli.
Aos 32 anos, Graziela presidente a Associação Caminhos de Pedra , entidade que recolhe 2,5% do faturamento dos estabelecimentos associados, e garante mais estrutura e projetos especiais. Não dependem de nenhum tipo de ajuda governamental: a próxima defesa é a construção de um memorial em uma casa centenária, a Casa Merlin, que fica na Linha Busa. Já conseguiram aprovação da Lei de Incentivo a Cultura (LIC) para recolher R$1,2 milhão. Resta, agora, ajuda do empresariado local.
- Nunca tivemos ajuda de governo. Aqui as coisas foram lentas, não tínhamos dinheiro, mas hoje fizemos o turismo deslanchar - comemora.
O guru do enoturismo
Seu Rinaldo Dal Pizzol defende que o desenvolvimento do turismo em Bento Gonçalves teve uma mãozinha da cidade vizinha e, por vezes vista até como concorrente, Caxias do Sul. Foi a partir da Festa da Uva de 1950 (que coiscidentemente elegeu uma bento-gonçalvense como rainha) que evidenciou-se a vocação turística daqui. Dal Pizzol não disfarça o constrangimento diante dos elogios dos empresários bento-gonçalvenses que o consideram o 'guru' do enoturismo. Prefere creditar o sucesso da Dal Pizzol Vinhos Finos à sua humildade e trabalho. Mas é claro esse não é o único fator: ele sabe o que o quer o turista que desembarca na região dos vinhedos.
_ Ele não chega buscando uma taça de vinho. Já se sabe que o somente 30% está dentro do cálice. Os outros 70% nós precisamos nos encarregar de oferecer_ afirma.
Aos 78 anos, Dal Pizzol é outro empresário experiente e visionário. A empresa de Dal Pizzol e do irmão Antônio trabalha com vinho há 13 gerações - sete delas no Vêneto (Itália) e seis no Brasil - e fica em Faria Lemos, pertencendo à Rota das Cantinas Histórias e Associação Caminhos de Faria Lemos. É uma das últimas rotas turísticas contituídas e que, como o nome sugere, aposta na história da produção vitivinícola da região. Seu Rinaldo acredita no turismo como diferencial econômico desde os anos 70.
Criou o Ecomuseu da Cultura do Vinho, que reúne fotos, documentos, centenas de garrafas de vinhos locais e estrangeiros. Depois de ensinar o turismo como 'a arte dos sonhos' para os bento-gonçalvenses, ele diz que deseja tranquilidade. E aconselha:
- Vivemos 125 anos em 125 anos (risos). Espero que o município tenha planejamento, porque os próximos 125 anos serão vividos em uma velocidade muito superior.
O pioneiro do Vale dos Vinhedos
Quando Juarez Valduga dirigia seu Fusca a Porto Alegre acompanhado do enólogo Adriano Miolo (hoje da vinícola Miolo) no começo de 1990, já sabia o futuro que queria para o Vale dos Vinhedos. Afinal, o roteiro nem tinha este nome requintado quando a família Valduga colhia uvas ali. Eles entendem do negócio.
- Eu queria transformar o Vale em uma região turística e o Miolo queria a Denominação de Origem (D.O). Então tá, decidimos que era com esse foco que trabalharíamos nos próximos 20 anos - orgulha-se.
Se hoje o Vale enumera títulos e é roteiro predileto de turistas jovens e bem sucedidos, que chegam em Lamborghinis e se divertem dezenas de vinícolas, Valduga lembra que nada foi fácil. Buscava os turistas no Hotel Dall'Onder em 1992 para oferecer jantares em meio às pipas, apresentava-se em reuniões de bancários da capital, batalhou para conquistar investidores para o roteiro. Convencer os agricultores a se transformarem em empresários pode ter sido um processo demorado, mas diante dos frutos que colhe hoje, é gratificante.
- Batalhamos desde o asfalto, uma conquista da comunidade, até a D.O. Hoje o turista nos procura pelo glamour que o Vale distribuiu.
Valduga foi o primeiro presidente da Associações de Produtores do Vale dos Vinhedos (Aprovale), entidade hoje comandada pelo também dono de vinícola, Márcio Brandelli. São mais de 20 associados que lutam agora por mais infraestrutura no distrito, e estão de braços abertos para novos empreendimentos.
- Somos todos amigos. Nosso único concorrente é o vinho estrangeiro - aponta Brandelli.