Taxistas aproveitam uma brecha na legislação de Caxias do Sul para tentar legalizar a venda de concessões públicas, prática conhecida, mas proibida. Por meio da lei de acesso à informação, a reportagem apurou que 30 pedidos de transferências de táxis para terceiros ou herdeiros foram protocolados na Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade.
A possibilidade de repassar o bem público para familiares ou pessoas sem parentesco tem amparo na norma aprovada no final do ano passado. O artigo 91 instituiu o prazo de quatro meses para que os permissionários de 236 táxis não licitados que não tivessem mais interesse em trabalhar firmassem o pedido por escrito e indicassem o nome de quem receberia a concessão. Essa manobra não poderia envolver dinheiro. O prazo de transferências venceu em abril, e os pedidos aguardam um parecer do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Integrantes da própria categoria afirmam que colegas aproveitaram o artigo 91 para resolver contratos de gaveta de concessões antigas, liberadas nos anos 1980. Esse movimento irregular foi denunciado pelos taxistas Wagner Vieira Pinto e Helton Gehlen, que também questionaram supostos direcionamentos na última licitação de táxis em Caxias.
Na prática, o artigo é uma espécie de anistia para vendas concretizadas no passado. Também serve para novos negócios, a exemplo de um concessionário que ofereceu uma operação de táxi por R$ 400 mil. Sem saber que estava sendo gravado pela reportagem, o profissional deixa a entender que precisaria concluir o negócio a tempo de incluí-lo no prazo de 120 dias da lei municipal.
A regra, porém, é clara: todo taxista sem interesse na continuidade do serviço deve devolver a concessão para o município que, por sua vez, abrirá licitação de forma justa e equilibrada. A venda pode resultar em multa ou cassação da concessão.
O secretário municipal de Trânsito, Manoel Marrachinho, revela que, dos 30 pedidos protocolados, 13 abrangem transferências para terceiros. Ou seja, o taxista que detém a concessão indicou o nome de uma pessoa na cidade para receber o táxi. Outros 16 envolvem transferências por herança, transação permitida inclusive por lei federal: no caso, o concessionário original morreu e os filhos ou esposa assumiram a operação do serviço. Um único pedido envolve ordem judicial de repasse da concessão para um herdeiro.
- A nossa lei municipal teoricamente atende a possibilidade para resolver contratos informais, daqueles que todo mundo fala mas que nós desconhecemos formalmente. Esses pedidos entraram mas não vamos autorizar até que o TCE tenha um parecer se é válido ou não. Não sendo validado pelo TCE, esses repasses automaticamente se tornam ilegais - diz Marrachinho.
Processo
As transferências de táxi foram congeladas pelo TCE em Caxias do Sul em 2011, a partir de reportagens do Pioneiro sobre negociatas ilegais com as concessões. O processo ainda não transitou em julgado.
ENTENDA A POLÊMICA
- A exemplo de outras cidades do país, Caxias do Sul tem dois tipos de concessão. De 316 táxis atuais, 236 foram liberados para operação com base numa lei de 1981, sem licitação. Os demais foram submetidos a concorrência pública quando o governo federal sancionou a lei das licitações em 1993.
- Em tese, as 236 concessões antigas de Caxias deveriam ser devolvidas para o município para serem submetidas a uma nova licitação como exige a lei federal, o que não ocorreu. Muitas dessas 236 concessões já não estão em poder dos concessionários originais da década de 1980, embora raras operações tenham sido submetidas à licitação no período.
- Antes do TCE vedar as transferências em 2011, essas concessões antigas eram repassadas normalmente para terceiros com o aval do município por conta da lei de 1981. Embora a negociação em dinheiro já fosse proibida, poucos profissionais aceitavam transferir a concessão sem pagamento por fora.
- Uma lei federal sancionada em 2013 e a lei municipal também permite a transferência hereditária dos táxis. Mas o Ministério Público (MP) tem questionado esse tipo de herança pelo país com base na lei federal das licitações. Por esse motivo, a prefeitura de Caxias do Sul também ainda não autoriza a transferência para familiares antes de um parecer do TCE.